Para além das análises voltadas ao magro crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, é possível ver sinais "extraordinários" na trajetória das contas nacionais: o ajuste econômico já começou, como mostra a forte desaceleração do consumo das famílias e, do lado do setor externo, o recuo expressivo das importações nos quatro trimestres até setembro, e tem todas as condições de ser aprofundado pela nova equipe econômica. Quem diz isso é Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique.

"A minha função é desqualificar o clima de catástrofe que a gente está vivendo", diz. O caminho para a recuperação do crescimento será pavimentado por um ajuste fiscal crível, exatamente como apontado por Joaquim Levy em sua primeira fala à frente da nova equipe econômica, defende. "O PSDB está reclamando, mas política é assim."

Segundo ele, esse ajuste deve ocorrer nos primeiros dois anos. Se entregue, é possível que abra espaço para expansão de 2,5% da atividade em 2017 - o que a presidente precisa para seguir adiante. "A Dilma aprendeu com a sabedoria do Orestes Quércia", diz, entre risos, ao relatar um suposto convite para a Secretaria da Fazenda de São Paulo, quando o então governador propôs passar a tesoura nos gastos nos dois primeiros anos, abrindo espaço para gastos no dois anos seguintes.

Também presidente da empresa de caminhões Foton Aumark do Brasil, ele diz que indústria sofre não só pelo cipoal de regras, mas também porque "é um segmento muito atrasado do ponto de vista empresarial". Mas diante de um problema macroeconômico, de confiança no futuro do país, essa é uma questão para ser resolvida lá na frente. É preciso acreditar, diz ele, que Dilma "olhou a porta do inferno e, como o Lula, resolveu mudar efetivamente a forma de conduzir a economia". A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Como o sr. avalia os números do PIB do terceiro trimestre?

Luiz Carlos Mendonça de Barros: Tem coisas extraordinárias dentro desse PIB, mas tem que fugir um pouco do lugar comum. Eu sei o que todo mundo vai dizer que foi uma porcaria, que, no fundo, faltou muito pouco para ser um trimestre negativo. Não é que eu não concorde com isso, é que tem coisas mais importantes quando se olha para frente. Por exemplo, do lado do setor externo, no trimestre, houve uma contribuição negativa para o crescimento. Mas numa perspectiva mais longa, tem sido verificada uma desaceleração relevante das importações, de uma alta de 8,3% em 2013 para avanço de 1,1% em quatro trimestres até setembro, enquanto as exportações aceleraram ligeiramente no período (de 2,5% para 3,5%). E o consumo brasileiro bateu no limite.

Valor: O que isso quer dizer?

Mendonça de Barros: Quer dizer que o ajuste está sendo feito mais pelo lado do próprio mercado do que do governo e está na direção correta. Baixa o déficit em transações correntes, em uma sociedade gastadora como a nossa, reduzindo o consumo.

Valor: A nova equipe econômica citou a importância da taxa de poupança...

Mendonça de Barros: A taxa de poupança caiu bastante, mas se olhar com mais calma vai ver que ela está no nível do Fernando Henrique. Só para qualificar um pouco a coisa. A minha função é desqualificar o clima de catástrofe que a gente está vivendo. A taxa vai voltar para os 18% do PIB, que é o limite da sociedade brasileira, que é uma sociedade de cigarras. E isso vai acontecer com essa equipe, com o grosso disso vindo da poupança do governo. A redução do consumo do governo vai ter impacto negativo sobre o PIB, mas isso pode ser substituído pelo investimento privado. É essa a lógica.

Valor: Como voltar a crescer?

Mendonça de Barros: Ganhando confiança. Precisa ancorar o futuro para que os investidores aumentem a oferta. Nos quatro primeiros anos da Dilma, em cima [das ideias] do pessoal da Unicamp, achavam que aumentar a demanda era para sempre. Não existe isso! Preciso voltar a poupança para 18%, que é nosso nível normal. Porque também fica o pessoal da Casa das Garças achando que vamos para 30% de poupança, mas o brasileiro não vai chegar a isso. E como se volta aos 18%? Aumentando poupança do governo. Daí se entende, porque ela se ancorou na equipe anunciada.

Valor: Ela vendeu uma coisa e fez outra, como dizem alguns críticos?

Mendonça de Barros: Eu acho que está correto. O PSDB está reclamando, mas política é assim. Do nosso ponto de vista, de analista de futuro da economia, a gente tem que entender o que aconteceu. Deixa para os outros criticarem a ética ou a não ética. Valor: O que o sr. espera para a evolução do PIB?

Mendonça de Barros: Este ano vai ser zero, 0,1% ou 0,2%. Em 2015, a alta deve ser de 1% se continuar esse processo e houver credibilidade. Porque vai sempre ficar essa historinha de que esse pessoal não vai durar. A minha leitura é a seguinte: o ministro novo é um cara maduro, já passou por várias coisas. Você acha que ele vai sair do Bradesco por uma fria dessa? Ele deve ter alguma certeza. E o susto que o PT teve de quase perder as eleições ajuda.

Valor: O ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy é crível?

Mendonça de Barros: Acho que é. É preciso entender o mandato de Levy. Ele não tem mandato para fazer uma revolução liberal no país, mas para fazer um primeiro ajuste, sem mexer muito no crescimento. E ele sabe disso. E, ao se olhar as contas do governo neste ano, são iguais às de 2010, um ano eleitoral. Então, é só cortar o exagero. Mas chegar a 2,2% ou 2,5% lá na frente é necessário para levantar a poupança do país. E acho que Levy tem dois anos para fazer isso. A Dilma aprendeu com a sabedoria do Orestes Quércia [ex-governador de São Paulo]. Uma vez ele me convidou para ser secretário da Fazenda. Ele disse "Luiz Carlos, é o seguinte. Vai lá, você tem dois anos para apertar o cinto e deixar dinheiro no caixa. Passados dois anos, eu te mando embora e chamo outro para gastar o dinheiro". Já vi gente de mercado dizendo que, se o ajuste der certo, no terceiro ano o Brasil pode crescer 2,5%. Que é o que ela precisa para olhar para frente.

Valor: E a indústria?

Mendonça de Barros? A indústria está sofrendo por uma série de razões. Primeiro porque é um segmento muito atrasado do ponto de vista empresarial. É preguiçoso, não busca investimento em produtividade, um pessoal mal acostumado. Depois, é o pessoal que sofre mais com uma contradição que temos no Brasil. Há regras trabalhistas, de meio ambiente, uma série de proteções sociais que não são o padrão de países emergentes. E isso é uma decisão da sociedade, mas implica custo de produção muito maior do que os outros. Então, não dá para virar para o cara e falar, meu filho, se vira que você vai competir com a China, que não tem proteção nenhuma.

Valor: O sr. quer dizer que as desonerações vieram para ficar?

Mendonça de Barros: Eu acho que vieram para ficar. E é preciso desonerar a indústria, já que os serviços não têm esse problema porque ninguém vai pegar um avião para cortar o cabelo em outro lugar. O sistema tributário nosso deveria mesmo dar um tratamento diferenciado para a indústria que tem que competir com o exterior. Mas esse é um problema para ser resolvido lá na frente. Nós temos agora um problema macroeconômico e de confiança no futuro do país. É esse o nome do jogo que vamos ver se o Levy consegue equacionar. E ele pode levar certo tempo porque o mau humor hoje é tão grande que faz com que a eficiência do trabalho dele seja menor no começo. Mas eu acho que a gente tem que acreditar que ela [Dilma] olhou a porta do inferno e, como o Lula, resolveu mudar efetivamente a forma de conduzir a economia.