Juristas ouvidos pelo GLOBO criticaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita no Congresso e proíbe a divulgação de pesquisas eleitorais nos 15 dias que antecedem o pleito em primeiro e segundo turnos. As diferenças entre os resultados das urnas e os números mostrados nas pesquisas de intenção de voto nessas eleições levaram senadores a acelerar a tramitação do projeto. Ontem, a matéria recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, mas um pedido de vista adiou sua apreciação para a próxima semana.

Uma medida semelhante, aprovada pelo Congresso em 2006 no âmbito da minirreforma eleitoral, foi derrubada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob a alegação de que a proibição fere o direito de acesso à informação, como defendeu o relator no STF, ministro Ricardo Lewandowski. A regra foi apresentada, desta vez como PEC, em 2012 pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC), mas sua análise não havia avançado desde então. O senador defende que, desta vez, a medida poderá entrar em vigor porque foi apresentada como norma constitucional.

Para Luiz Henrique, a divulgação seria "perniciosa", principalmente, no âmbito municipal e pode afetar aquele eleitor que não quer "desperdiçar" o voto com o candidato que aparece mal colocado nas pesquisas. Ele acredita que a proibição irá possibilitar uma "trégua" para que o eleitor reflita:

- No último pleito foram tantos os erros em todos os estados que há uma vontade de aprovação entre o conjunto dos senadores. O ministro Dias Toffoli disse que ia chamar os institutos para estabelecer regras e falou que o tribunal que julgou inconstitucional essa medida não é o mesmo de hoje.

Jurista e professor da Uerj, Gustavo Binenbojm diz que "não se pode corrigir uma anomalia criando uma maior".

- Pode-se promover o acirramento dos controles que criam mecanismos para aprimorar a metodologia das pesquisas e evitar manipulações. Mas proibir a divulgação fere a liberdade de informação - diz Binenbojm, completando: - Não pode haver restrição. Mesmo agora que estão propondo PEC, que alteraria a Constituição, vejo que isso violaria as cláusulas pétreas, as liberdades de informação e de imprensa. A Constituição diz que PECs não podem abolir os direitos às garantias individuais e lá está o direito à informação. Se for aprovada, pode ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo.

Se o Congresso aprovar a PEC, há chance de a regra ser derrubada novamente no STF. Em 2006, quando a Corte considerou essa norma inconstitucional, a decisão foi tomada por unanimidade no julgamento de uma ação apresentada por partidos contra dispositivos da chamada minirreforma eleitoral. O ministro aposentado Carlos Ayres Britto participou do julgamento e mantém sua posição de que a norma é inconstitucional.

- Eu mantenho minha opinião. Acho que o Supremo fez certo. As coisas devem permanecer conforme decidido pelo Supremo, porque ele nada mais fez do que aplicar a Constituição. Para o eleitor se assumir como soberano, ele necessita do máximo de informações. O acesso à informação não pode ser relativizado - afirma Britto.

Na ação proposta ao STF há oito anos, o PSC, o PDT e o PTC contestaram toda a minirreforma eleitoral. Os ministros mantiveram a validade da lei, com exceção do artigo que estipulava prazo para divulgação de pesquisas. Em relação a esse ponto, os partidos argumentaram que havia ofensa ao artigo 5º da Constituição, que trata das garantias e direitos fundamentais. O relator, ministro Lewandowski, concordou. Segundo ele, a mudança representaria restrição aos eleitores ao direito de informação. Na mesma ocasião, o ministro, que hoje é presidente do STF, negou que a divulgação de pesquisas de intenção de voto nos dias anteriores às eleições pudessem mudar o resultado da votação:

- Vedar-se a divulgação de pesquisas a pretexto de que estas poderiam influir, de um modo ou de outro, na disposição dos eleitores, afigura-se tão impróprio como proibir-se a divulgação de previsões meteorológicas, prognósticos econômicos ou boletins de trânsito antes das eleições.

A norma estaria em conflito com princípios fundamentais da Constituição, como a liberdade de acesso à informação e a liberdade de expressão. Questionado pelo GLOBO, Lewandowski não quis se manifestar sobre o assunto ontem, bem como outros ministros da Corte.

O ex-ministro Carlos Velloso, que integrou o STF, defende a inconstitucionalidade da regra que limita a data de divulgação das pesquisas eleitorais.

- Eu estou de acordo com o que decidiu o Supremo. A proibição de divulgação de pesquisas atenta, em princípio, à liberdade de expressão e de informação - diz Velloso, que completa: - Assistimos no último pleito, principalmente no 1º turno, a uma dissociação do que apontaram as pesquisas e o que as urnas revelaram. Isso é muito perigoso. Uma pesquisa mal feita pode induzir à derrota de um candidato ou à vitória de outro, tendo em vista que o eleitorado tende a acompanhar o voto útil, para aquele que está em 1º lugar. O modo como são feitas demanda regulamentação melhor.

Na CCJ, a senadora Lúcia Vânia fez pedido de vista, por não concordar com a proibição. Ela defende que o problema das pesquisas de intenção de voto se deve à falta de critérios claros e transparência sobre a metodologia, e não de prazos para publicação.

O relator da PEC, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), disse ser favorável à medida, mas admite que o prazo de 15 dias pode ser "excessivo" e que os eleitores poderiam se sentir lesados por não terem acesso às pesquisas durante esse período. Randolfe estuda alterar o prazo para 48 horas antes do pleito, a exemplo do que a lei eleitoral prevê atualmente para a veiculação de propaganda política e realização de comícios ou reuniões públicas.

- Esse debate está colocado porque houve reiterados erros dos institutos de pesquisa no primeiro e no segundo turno dessas eleições. E o erro, seja feito com boa ou má-fé, exerce influência sobre a liberdade de escolha do eleitor - diz Randolfe.

Diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino diz ser "contrário a qualquer tipo de restrição" e que as últimas eleições mostraram que o eleitorado "muda de opinião nos últimos 15 dias":

- Foi assim quando o Haddad (Fernando) passou o Russomanno (Celso), em São Paulo, e agora, no 1º turno, quando o Aécio (Neves) passou a Marina (Silva). Se a proibição ocorrer, essas informações ficarão restritas aos partidos. Isso pode provocar o aumento da boataria e prejudicar o processo eleitoral e o exercício da democracia.