Depois de oito anos em queda, as emissões brasileiras de gases causadores do efeito estufa voltaram a crescer no ano passado, numa reversão de tendência que já levanta dúvidas quanto à capacidade do país de cumprir a meta voluntária de reduzi-las entre 36,1% e 38,9%até 2020, anunciada na Conferência do Clima de Copenhague em 2009. De acordo com estimativas divulgadas ontem pelo Observatório do Clima — rede que reúne instituições da sociedade civil brasileira para discutir as mudanças climáticas —, o Brasil emitiu o equivalente a 1,57 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2)em 2013, uma alta de 7,8% frente ao ano anterior , quando as emissões ficaram em1,45 bilhão de to nela das, e maior quantidade absoluta desde 2008, o que coloca o país entre a quinta e a sétima posição (a depender do ranking) entre as nações mais poluidoras do planeta.—E em 2014 dados preliminares já indicam nova piora nas emissões . Isso aponta uma tendência .

Se não revertermos esse cenário, as metas de redução do país estabelecidas para 2020 estarão em risco —afirma Tasso Azevedo , coordenador técnico do Seminário de Emissões Brasileiras de Gases do Efeito Estufa, no qual o rela tório foi apresentado ontem em São Paulo .Segundo os especialistas , os cálculos sobre as emissões brasileiras trazem à tona duas grandes preocupações. A primeira está no fato de que a economia do Brasil está praticamente estagnada nos últimos anos , o que significa que ela está ficando mais "suja" , isto é, o país está poluindo mais para gerar riqueza . De acordo com o relatório do Observatório do Clima, no ano passado o Brasil produziu pouco menos de R$ 3,1 mil para cada tonelada de CO2 emitida, contra R$ 3,25 mil em 2012, e está ainda mais longe de se tornar uma das chamadas "economias de baixo carbono " do futuro, que preconiza que, para cada tonelada de CO2 liberada na atmosfera, deveria gerar pelo menos R$ 40 mil em seu Produto Interno Bruto (PIB).

—Os números mostram bem que estamos "sujando " nosso PIB, poluindo mais sem gerar riqueza — comenta André Ferretti, coordenador -geral do Observatório do Clima e gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Boticário , que destaca que as emissões per capita do Brasil,de 7,8 toneladas de CO2 por habitante , já estão acima da média global, de 7,2 toneladas. — Nossa situação é muito ruim . O Brasil tem 2,8% da população mundial,mas é responsável por mais de 3% das emissões globais, e muitos países com emissões per capita menores que as nossas são proporcionalmente mais ricos .Já a segunda preocupação é que as estimativas refletem a retomada do crescimento do desmatamento no país, em especial na Amazônia e no Cerrado , a partir de 2012, e cuja forte redução a partir do re cor de registrado em 2004 é que vinha alimentando os sucessivos cortes nas emissões brasileiras observados desde2005, agora interrompidos. Assim, as emissões relacionadas a mudanças no uso da terra foram as que mais aumentar amem 2013, em 16,4%, respondendo por cerca de 35% do total.—Na última década, todos os setor es vinham aumentando emissões, e o único que livrava nossa barra era o uso da terra,com a queda no desmatamento anulando as altas , mas agora estamos deixando ele aumentar de novo — diz Ferretti.

NÚMEROS DO DESMA TAMENTO

Apesar disso, a ministra do Meio Ambiente , Izabella Teixeira, disse ontem que sua expectativa é de que o desmatamento na Amazônia apresente redução este ano . Os dados oficiais do sistema Prodes, que é operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), serão divulgados até dezembro, retratando o que ocorreu no período de agosto de 2013 a julho de2014. O último dado divulgado apontou aumento de 28% do desmatamento entre agosto de 2012 e julho de 2013.—Não tem aumento de desmatamento ainda porque não tem a taxa de desmatamento . Estamos trabalhando com a expectativa de queda — afirmou Izabella embalanço sobre a atuação do ministério no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff durante reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), na sede do Ibama, em Brasília.

Mas as pressões que levaram ao crescimento das emissões brasileiras no ano passado não param por aí. A área de energia, que responde por 30% do total, as viu subir em 7,8% em 2013, puxadas pela estiagem que forçou o acionamento de termelétricas para geração de eletricidade. A quantidade de gases lançados na atmosfera decorrentes do aumento do uso destas usinas é equivalente às emissões de toda frota de ônibus do Brasil, e elas continuam a ser cada vez mais demandadas . As contas do setor, porém, também foram influenciadas pelo maior consumo de gasolina e diesel para transporte em detrimento do álcool, resultado da política que "segurou" artificialmente o preço dos combustíveis no país e dos seguidos estímulos à indústria automobilística que não tiveram como contra partida exigências como aumento na eficiência dos motores e no controle da emissão de poluentes .

—Em 2009, prevíamos que o consumo de álcool subiria 10% ao ano , e o de gasolina cairia 5%. Aconteceu exatamente o contrário — conta Azevedo . Quando analisadas por estados, as emissões têm um padrão interessante. Considerando- se todas as fontes de CO2, Pará e Mato Grosso aparecem como os maiores poluidores. E não à toa, já que costumam ser também campeões do desmatamento , com rebanhos e lavouras de soja tomando o lugar de florestas. Mas, desconsiderados os gases lançados pelo desmatamento, os maiores poluidores do Brasil estão nas regiões Sudeste e Sul. São Paulo ocupa a liderança, com 12,9% das emissões, seguido por Minas Gerais , com 9,8%, e Rio Grande do Sul, com 7,2%. Nesses estados, atividades industriais e transportes explicam a poluição .

Representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) reconheceram a qualidade dos dados apresentados pelo Observatório do Clima, mas buscaram relativizar a gravidade da piora nas estimativas de emissões:—Uma mudança verificada em um ano é pouco para apontar tendência . Continuamos dentro das metas estabelecidas. A elevação das emissões também decorre do desenvolvimento socioeconômico e do aumento de conforto para a população —disse Adriano Santhiago, diretor de mudanças climáticas do MMA.