BRASÍLIA - Numa série de acordos e confissões de fraudes sem paralelo em processos judiciais brasileiros, cinco delatores da Operação Lava-Jato já se comprometeram a devolver R$ 423 milhões. As somas já estão bloqueadas em contas no Brasil e no exterior, e a devolução aos cofres públicos depende apenas de decisões judiciais burocráticas. Só o ex-gerente Pedro Barusco, um dos supostos cúmplices do ex-diretor de Serviços Renato Duque, firmou compromisso de devolver aproximadamente US$ 100 milhões, algo em torno de R$ 253 milhões, segundo disse ao GLOBO uma autoridade que acompanha o caso.

O valor é superior ao que a presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves (PSDB) teriam gasto, cada um, durante a campanha eleitoral deste ano. Dilma planejou despesas da ordem de R$ 300 milhões. Os gastos de Aécio teriam ficado em torno de R$ 290 milhões. Trata-se também do maior volume de recursos a ser devolvido a partir de acordos de delação premiada no país. Até então, a maior quantia a ser devolvida por um delator era a do ex-secretário de Assuntos Institucionais do Distrito Federal Durval Barbosa, operador do mensalão do DEM. Dinheiro e bens a serem devolvidos por Barbosa giram na casa dos R$ 100 milhões, conforme cálculos do Ministério Público local.

devolução de R$ 70 milhões

A escalada de delações, associada à confissão de culpa e à devolução de dinheiro desviado, começou com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. O ex-diretor entregou a estrutura de corrupção em contratos de empreiteiras com a Petrobras e assumiu por escrito o compromisso de devolver aproximadamente R$ 70 milhões. Desse total, US$ 23 milhões (R$ 58 milhões) estão bloqueados em contas bancárias na Suíça. Com o caminho aberto, o seu ex-cúmplice no esquema, o doleiro Alberto Youssef, também decidiu confessar envolvimento com a corrupção e entregar aproximadamente R$ 50 milhões.

Não demorou, o executivo Júlio Camargo, da Toyo Setal, decidiu fazer o mesmo. O empresário concordou em pagar R$ 40 milhões a título de ressarcimento dos cofres públicos e contar ao Ministério Publico como e para quem pagou propina em troca de contratos com a maior estatal brasileira. Augusto Ribeiro, outro executivo da Toyo Setal, dispôs-se a pagar R$ 10 milhões e também complementar os relatos sobre os subornos de dirigentes da Petrobras e de intermediários das negociatas.

Os procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato estavam cientes da importância histórica dos valores a serem devolvidos pelos delatores. Numa cartada emblemática, procuradores obtiveram o compromisso de que Barusco devolverá aproximadamente US$ 100 milhões. Parte do dinheiro, US$ 20 milhões, já está bloqueada em contas na Suíça.

Barusco é ligado a Renato Duque, que ocupou a diretoria de Serviços da Petrobras até 2012 por indicação do PT. Barusco dediciu entregar o dinheiro depois de terem sido denunciados por Camargo e Ribeiro.

"depoimentos detalhados"

"Com efeito, os depoimentos transcritos são bastante detalhados, revelando pagamentos de propinas em diversas obras da Petrobras, como na Repav, Cabiúnas, Comperj, Repar, Gasoduto Urucu Manaus, Refinaria Paulínea, a Renato Duque e ainda a gerente da Petrobras de nome Pedro Barusco, com detalhes quanto ao modus operandi e as contas no exterior creditadas", sustenta o juiz Sérgio Moro ao decretar a prisão de Duque e outros 26 investigados na Lava-Jato, na semana passada.

Barusco só não foi preso porque decidiu colaborar com a Justiça e devolver o dinheiro desviado. Os acordos de delação e devolução de expressivas somas em espécie são resultado do trabalho de procuradores da força-tarefa e de Sérgio Moro. Um dos procuradores, Carlos Fernando, e Moro são especialistas na questão.

Paulo Roberto Costa decidiu abrir o jogo ao Ministério Público e à Polícia Federal numa tentativa de evitar as prisões das filhas e dos genros, também acusados de envolvimento com a movimentação de dinheiro de origem ilegal. Segundo um de seus advogados, ele estava deprimido e decidiu contar tudo e devolver o dinheiro como uma forma de libertação.

Alberto Youssef resistiu longamente, mas acabou decidindo colaborar por pressão da mulher e da filha. Elas tinham receio de que o pai tivesse destino parecido com o de Marcos Valério, o operador do mensalão do PT. Valério foi condenado a mais de 40 anos de prisão. Os outros cúmplices foram punidos com penas menores, e muitos deles já estão soltos. Os outros delatores também começaram a contar o que sabem por medo de permanecerem longos anos na cadeia.

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União compromete R$ 2,3 bi para empresas alvo da Lava-Jato

Odebrecht e Camargo Corrêa têm os maiores contratos com ministérios

 

Gabriela Allegro

 

O governo federal se comprometeu com pagamentos de R$ 2,3 bilhões para nove das empresas investigadas na Operação Lava-Jato só em 2014. No ano passado, o valor chegou a R$ 3,2 bilhões. Atuando de forma isolada ou por meio de consórcios, os alvos da operação atuam nas maiores obras do país, como as hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio, Jirau e a transposição do Rio São Francisco.

O levantamento, feito pelo GLOBO com os dados do Portal da Transparência, mantido pela Controladoria-Geral da União (CGU), levou em consideração os valores contratados diretamente às empresas. As despesas relativas aos consórcios não estão na conta. Dentro deste montante, há valores empenhados, outros em fase de liquidação e parcelas já quitadas. A pesquisa é relativa aos contratos executados pelos ministérios. No caso das estatais, as empresas investigadas atuam na construção das refinarias da Petrobras, além do Comperj, complexo petroquímico.

A Odebrecht, cuja sede recebeu policiais com mandados de busca e apreensão na última sexta-feira, é a principal beneficiada. Entre valores pagos e outros já empenhados no orçamento, há um total de R$ 756,7 milhões neste ano.

A companhia foi contratada pelo Ministério da Defesa para a construção do estaleiro e da base naval de submarinos em Itaguaí, na Baixada Fluminense. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a pedir a prisão de Márcio Faria, presidente de uma das empresas do grupo, mas a Justiça negou.

A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) apuram a participação das companhias no esquema de corrupção que envolvia o superfaturamento de contratos na Petrobras e o pagamento de propinas para funcionários graduados da estatal. Além da Odebrecht, outras grandes construtoras do país estão entre as empresas investigadas, como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, OAS, Mendes Júnior e Queiroz Galvão.

A segunda empresa da lista é a Camargo Corrêa, com R$ 441,7 milhões em 2014. A construtora tem dois contratos de peso assinados com o Ministério dos Transportes. Pela duplicação da BR-101 na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, obra que faz parte da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a construtora vai receber R$ 305,1 milhões. Já a construção da Ferrovia Norte-Sul, no trecho entre Ouroverde de Goiás e São Simão, em Goiás, vai render R$ 136,6 milhões aos cofres da empresa.

O presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, e o presidente do Conselho de Administração, João Ricardo Auler foram presos temporariamente pela Polícia Federal. Já o vice-presidente da empresa, Eduardo Hermelino Leite, cumpre um mandado de prisão preventiva.

Já com a Mendes Júnior, cujo vice-presidente, Sérgio Mendes, foi preso preventivamente, o compromisso do Ministério da Integração Nacional é de R$ 349,5 milhões em 2014. A maior parte deste valor é decorrente da realização de obras de transposição do Rio São Francisco.

A Galvão Engenharia, responsável pela Ferrovia Oeste-Leste, no trecho entre Ilhéus e Caetité, na Bahia, vai receber R$ 280,8 milhões. Erton Medeiros Fonseca, um dos principais executivos da empresa, foi preso pela Polícia Federal na operação Lava-Jato.

A Iesa, com um total de R$ 129,3 milhões, vai receber do Ministério dos Transportes por obras em diversos trechos da Ferrovia Norte-Sul. A empresa também teve um executivo preso pela PF: Otto Garrido Sparenberg. No caso da OAS, o valor é menor: R$ 52,7 milhões. A origem também é o Ministério dos Transportes, que contratou obras na BR-101, na divisa entre Alagoas e Sergipe. O presidente da empresa, José Adelmário Pinheiro Filho, foi preso em um hotel na Bahia na última sexta.

A Engevix, que tem contratos em vigor com os ministérios dos Transportes e da Integração Nacional, receberá R$ 30,1 um total de milhões. UTC Engenharia e Toyo Setal não fizeram parte do orçamento do governo em 2013 e 2014.

No domingo, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representava o doleiro Alberto Yousseff antes de ele aderir ao acordo de delação premiada, disse que as empresas teriam que ser declaradas inidôneas, mas fez uma ressalva:

- Aí, você para o país. (Colaborou Marilise Gomes)