Homem da mala do doleiro Alberto Youssef, Rafael Ângulo Lopez negocia com o Ministério Público acordo de delação premiada. Lopez tinha como função fazer entregas de valores em dinheiro a clientes vips do esquema de corrupção na Petrobrás, além de abastecer contas no exterior. Ele poderá confirmar quem são os principais recebedores do dinheiro desviado da Petrobrás de obras superfaturadas e apontar em quais contas foram feitos depósitos de propina. Lopez controlava o cofre de Youssef quando o doleiro não estava em São Paulo.

Até agora, quatro audiências de oitivas de testemunhas do “homem da mala” foram realizadas pela Justiça num dos inquéritos da Lava Jato. Lopez ainda não foi ouvido. A delação premiada corre em separado.

Conforme advogados que têm clientes em delação, o acordo é demorado. As negociações da colaboração do doleiro Alberto Youssef, por exemplo, se iniciaram em julho. Apenas em setembro, dois meses depois, ele começou a prestar os depoimentos.

As tratativas para a delação premiada de Lopez explicariam o motivo de ele não ter sido preso pela Operação Lava Jato, embora atuasse como figura central desse departamento da “lavanderia”. Os outros investigados que serviam de “mula” para Youssef tiveram ordem de prisão expedida. Há três meses, o Ministério Público também pediu a prisão preventiva de Lopez, o que foi indeferido pelo juiz Sérgio Moro, quando teriam sido iniciadas as conversas sobre a colaboração. O criminalista Adriano Sérgio Nunes Bretas, que defende Lopez, afirmou ao Estado que não vai se manifestar sobre o caso.

Segundo pessoas que conviveram com Youssef, uma conta no exterior teria sido aberta em nome de Lopez, por onde passou dinheiro do esquema distribuído fora do País. Em depoimento à Justiça, a contadora Meire Poza afirmou que era ele “quem cuidava da vida financeira de Alberto Youssef”. Segundo a contadora, era “ele quem fazia saques, pagamentos a terceiros, viagens ao exterior etc. Portanto, teria conhecimento dos ativos mantidos no País e no exterior”.

O Ministério Público definiu Lopez, em relatório, como a pessoa que realizava “as atividades de saque, entrega, recebimento de valores e transporte de dinheiro em espécie, reais e dólares”. “Quando a Operação Lava Jato foi deflagrada, a Polícia Federal apreendeu em um cofre na sala de Lopez na GFD Investimentos (empresa do doleiro) R$ 1,39 milhão e US$ 20 mil, além de uma maleta com cerca de R$ 500 mil”.

Panamá. Um dos destinos frequentes de Rafael no exterior era a Cidade do Panamá. Uma conta bancária foi aberta no paraíso fiscal em nome de João Procópio Junqueira Pacheco de Almeida Prado, apontado como responsável pela abertura de contas do esquema no exterior a pedido de Youssef.

João Procópio é o único dos investigados na Lava Jato que está preso fora da superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Dentro do esquema ele funcionava como espécie de titular da conta, que era operada e alimentada por Rafael. Há semanas, Procópio foi transferido para o Complexo Penitenciário de Piraquara, no Paraná, supostamente após divergências entre seu advogado e policiais. Procópio chegou a ensaiar também um acordo de delação premiada, mas as negociações não teriam avançado.

Rafael também teria levado dinheiro do esquema para o Peru. “Esses valores em espécie eram transportados pelo denunciado, em voos domésticos, ocultados no corpo ou em alguma valise, pela utilização de aviões particulares ou, ainda, valendo-se de veículos blindados, de transporte de valores”, informa relatório do Ministério Público.

Lopez foi apresentado a Youssef pelo cunhado, Enivaldo Quadrado, que também trabalhava para o doleiro. Os dois romperam relações após Enivaldo contar à Justiça sobre a atuação do cunhado no esquema.

 

'Feliz 2014', a senha que libera a 'mala'

Como integrantes de um clube secreto, os beneficiários das "malas" enviadas pelo doleiro Alberto Youssef eram obrigados a dar uma senha previamente informada pelo esquema antes de embolsar o dinheiro.

Ao fazer as entregas, os subordinados de Youssef recebiam um endereço, um nome, o horário e uma senha de controle a ser exigida na hora da entrega.

O Estado teve acesso a um bilhete para a entrega de R$ 40 mil a um executivo em São Bernardo do Campo (SP). No papel, está escrito "senha: Feliz 2014", frase que o enviado de Youssef deveria ouvir antes de entregar os valores.

As investigações da Lava Jato também identificaram que Youssef e seus subordinados se referiam a propina com apelidos como "carbono, papel, documento, páginas de contrato e vivos". Conforme um interlocutor do doleiro, a senha só era exigida quando a entrega era para clientes "novatos".

O bilhete orienta a entrega de R$ 40 mil ao engenheiro Ricardo Kadayan, da Ductor Implantação de Projetos Limitada. O bilhete informa um endereço e o horário das 14h às 16 h. Não há comprovação de que o dinheiro foi entregue.

Kadayan afirmou que o endereço é o de sua residência, mas negou conhecer Youssef ou qualquer entrega de dinheiro. "Eu não tenho nada a ver com isso. Desconheço qualquer assunto a respeito."

O bilhete não cita a Ductor, que atua em áreas como fiscalização e supervisão de projetos, obras e serviços de engenharia. A empresa disse não conhecer o doleiro. Nem Kadayan nem a Ductor são investigados pela PF.

 

Empreiteiro relata empréstimos de até R$ 1 milhão a Youssef

A empreiteira UTC emprestou de R$ 900 mil a R$ 1 milhão em dinheiro vivo ao doleiro Alberto Youssef na época em que foram sócios na construção de um hotel em Salvador, por volta de 2008.

A declaração foi dada pelo presidente da UTC, Ricardo Ribeiro Pessoa, em depoimento à Polícia Federal nesta terça-feira. Ele está preso desde a última sexta-feira, quando foi deflagrada a sétima fase da Operação Lava Jato, que investiga um esquema de corrupção alimentado por algumas das maiores construtoras do País e por diretorias da Petrobrás.

Pessoa disse aos policiais que foi apresentado a Youssef pelo falecido deputado federal José Janene (PP). Na época, segundo o executivo, ele e o doleiro tinham interesses comuns em negócios na capital baiana. O depoimento não detalha a evolução da relação pessoal entre a dupla, mas fica claro que a proximidade levou aos empréstimos.

"Youssef possuía uma empresa de nome GFD, vindo a adquirir uma participação em um empreendimento hoteleiro em Salvador construído pela UTC. A parceria foi considerada interessante, haja vista que Youssef traria consigo as empresas Tieko Aoki, dona da marca Blue Tree, a qual se tornaria administradora do hotel sob a bandeira Spot Light", afirmou Pessoa aos policiais federais. A negociação, contudo, não deu certo e o hotel em Salvador não possui a bandeira Spot Light.

O presidente da UTC disse que "eventualmente" Youssef "solicitava dinheiro emprestado e, posteriormente, devolvia". O executivo não soube dizer quanto tempo levava para reaver as quantias, mas que nunca cobrou juros do doleiro. "A UTC possuía em caixa na época em que isso ocorreu, por volta do ano de 2008, cerca de R$ 900 mil a R$ 1 milhão, sendo esses recursos eventualmente emprestados ao mesmo", declarou. No depoimento não há referência ao uso que Youssef fazia do dinheiro.

Parte do que a UTC repassou em dinheiro vivo a Youssef, no entanto, serviu para "pagar uma chantagem por parte de uma mulher, de nome Monica Santos, com quem teve um breve relacionamento há cerca de 22 anos". Pessoa disse que perdeu o contato com Monica até 2012, quando ela começou "a lhe importunar". O presidente da empreiteira disse acreditar "ter dado cerca de R$ 800 mil a Monica Santos", mesmo sendo aconselhado por advogado a registrar um boletim de ocorrência contra ela.

O responsável na UTC pelo controle das operações financeiras em espécie com Youssef, segundo Ricardo Pessoa, era o diretor empresa Walmir Pinheiro, que também foi preso na última sexta-feira, mas teve seu alvará de soltura expedito nessa terça-feira.

Pagamentos. Os policiais questionaram Ricardo Pessoa sobre os pagamentos feitos pela UTC às empresas Piemonte e Auguri, que, de acordo com as autoridades, eram usadas pela empresa Toyo para pagar propinas e obter contratos com a Petrobrás. Pessoa afirmou no depoimento que acredita ter pago R$ 40 milhões em dez prestações.

"Questionado acerca dos pagamentos feitos às empresas Piemonte e Auguri, afirma que as mesmas seriam pertencentes a Julio Camargo, o qual foi o responsável pela aproximação entre a UTC e a empresa Mitsui, que Julio teria auxiliado nas tratativas com a Sembawang Corporation (...) Com a saída da Mitsui do negócio anteriormente mencionado, a mesma recusou-se a pagar Julio Camargo pelo serviço, assumindo a UTC esse ônus".

Doações eleitorais. O empreiteiro falou ainda sobre as doações da UTC para campanhas eleitorais. Sobre "contatos com tesoureiros ou arrecadadores de partidos", ele declarou ter tido contato "próximo" com João Vaccari, que lhe pedia dinheiro para o PT, e com uma pessoa identificada no relato policial apenas como "Dr. Freitas", que seria o arrecadador do PSDB.

Pessoa disse que a UTC faz doações para políticos desde 1992. Os critérios para liberar o dinheiro, de acordo com ele, são os seguintes: políticos que "possam favorecer o desenvolvimento industrial", políticos que "se destacam como possíveis defensores do setor onde a UTC atua" e políticos que "pedem insistentemente". O relato não inclui detalhes sobre como é feito o pedido insistente de doações.