Com a imagem da empresa desgastada pelas denúncias de corrupção, conselho aprova criação de grupo para garantir êxito de auditoria interna independente e busca expertise de alemão responsável por caso internacional de ajuste de conduta

 

RIO - A Petrobrás recorreu a dois juristas - uma brasileira e outro estrangeiro - para tentar reverter a crise de imagem que enfrenta desde as denúncias de corrupção, investigadas pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. A estatal terá um comitê para acompanhar as investigações internas, formado pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie e pelo alemão Andreas Pohlmann, responsável pela área de controle interno da Siemens após denúncias de pagamento de propina.

 

A ex-ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie faz parte do comitê que acompanhará as investigações internas da Petrobrás durante a operação Lava Jato

A formação desse comitê foi aprovada pelo Conselho de Administração da Petrobrás, na terça-feira. Pohlmann e Ellen Gracie vão atuar ao lado do futuro diretor de Governança Corporativa, cuja criação foi decidida após o escândalo da Operação Lava Jato e cujo titular ainda será definido pela Petrobrás.

O comitê especial vai acompanhar as investigações de dois escritórios de advocacia contratados para avaliar o tamanho do rombo que superfaturamentos de projetos causaram no patrimônio da petroleira. O trio também var intermediar o diálogo dos escritórios com o Conselho de Administração. Eles ainda atuarão para que as ações propostas pelo Trench, Rossi e Watanabe (do Brasil) e do Gibson, Dunn & Crutcher (dos Estados Unidos) sejam plenamente cumpridas pelos empregados da estatal e para que os profissionais tenham livre acesso às instâncias necessárias às investigações, incluindo autoridades públicas. 

Expertise. A Petrobrás conta com a expertise de Pohlmann, reconhecido por liderar de 2007 a 2010 a equipe de trabalho incumbida de reverter a imagem negativa da Siemens após a descoberta de que funcionários pagaram propinas para garantir contratos em diferentes países. O caso tornou-se uma referência mundial em ajuste de conduta de uma multinacional.

No Brasil, a alemã admitiu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, ter participado de cartel para fraudar cinco licitações na construção de trens e metrôs em São Paulo e outra no Distrito Federal, no período de 1998 a 2008.

Com a evidência desse e de outros casos de corrupção cometidos por seus funcionários, a Siemens iniciou um extenso programa com novas políticas, procedimentos e mecanismos para reprimir práticas ilícitas e investigar episódios passados. De todo o esforço empreendido, quase a totalidade esteve focado na prevenção à corrupção. 

O núcleo do trabalho está no canal de denúncia da empresa e em uma série de procedimentos para estimular os funcionários a procurarem a equipe de governança corporativa.

Ellen Gracie, por sua vez, foi a primeira mulher a integrar o Supremo, indicada por Fernando Henrique Cardoso. Ficou na corte de 2000 a 2011. Sua carreira é marcada pelo estilo “linha dura” no rigor penal e por se posicionar contra o que chama de “denuncismo irresponsável” em casos de corrupção. “Muitas vezes fazemos ataques sérios a instituições sem comprovar aquilo que se fala. Isso me preocupa”, afirmou em seminário de 2011.

Após deixar o STF, Ellen foi integrante do conselho de administração da petroleira do empresário Eike Batista, a OGX. Ao lado de outros conselheiros, foi denunciada pelo Ministério Público Federal por supostos crimes contra o sistema financeiro nacional. A acusação é de que o grupo teria contribuído com Eike a manipular o mercado, por não terem ido a público revelar que o empresário havia se negado a injetar US$ 1 bilhão na empresa, como prometido.

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TCU apura se estatal aceitou ter prejuízo em acordo com Bolívia

Brant, Fábio

BRASÍLIA - O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União investiga a suspeita de que a Petrobrás tenha aceitado tomar prejuízo em um contrato com a estatal boliviana YPFB. A manobra permitiria repasse maior de dinheiro ao país vizinho, governado por Evo Morales, um aliado ideológico do PT.

O MP aponta o ex-presidente da estatal José Sergio Gabrielli como responsável por um possível dano ao erário federal causado pela decisão. Mas quer que o TCU avalie se houve, de fato, prejuízo. O tribunal avaliará também quais as outras pessoas e instâncias da empresa responsáveis por aprovar um aditivo contratual que permitiu aos bolivianos diminuir o potencial calorífico mínimo do gás entregue diariamente pela YPFB à empresa brasileira.

 

Beto Barata/Estadão

Lula recebe Evo no Palácio do Planalto, em 2007

“É imperativo averiguar o fato de a repactuação estar fora das práticas da indústria do petróleo e de não gerar aparentemente nenhuma vantagem para a empresa brasileira”, escreveu o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, autor da representação entregue na sexta-feira. “É natural inferir que a repactuação, por conta da mudança do teor calorífico do gás, possa ser um acordo subreptício para majorar o valor efetivamente pago pela Petrobrás em razão do contrato”, argumentou Oliveira.

A mudança foi feita em dezembro de 2009 em um contrato assinado entre Petrobrás e YPFB em agosto de 1996 para fornecimento de gás à estatal brasileira. O acordo original, relatou o procurador, estabelecia a compra de uma quantidade diária de gás com poder calorífico de 9.200 kilocalorias (kcal) por metro cúbico. Com a alteração, “sem explicação aparente”, esse valor caiu para 8.200 kcal por metro cúbico.

Em outubro, esse mesmo contrato já havia chamado a atenção do Ministério Público por causa de outra modificação. Na ocasião, Oliveira pediu uma auditoria para apurar possível dano ao erário motivado pelo pagamento de US$ 434 milhões extras pelo fornecimento de gás boliviano. 

O acréscimo foi justificado como “indenização” por componentes nobres misturados ao gás entregue à Petrobrás pela correspondente boliviana. Agora, por causa do aditivo, o procurador desconfia que pode ter havido um prejuízo ainda maior à estatal e ao País.

Em andamento. A apuração solicitada em outubro já começou e segue em andamento, informou a assessoria do TCU. Com a nova representação relacionada ao aditivo, essa investigação deve ter seu foco ampliado. A unidade do TCU responsável por conduzir a auditoria é a Secretaria de Controle Externo da Administração Indireta no Rio de Janeiro (SecexEstat), que produzirá um relatório a ser entregue ao relator, Vital do Rêgo, que sucedeu a José Jorge no TCU.

Na representação de outubro, Oliveira anexou reportagens sobre a atuação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da indenização reivindicada pelo colega Evo Morales em 2007. Apontou também a ausência de justificativas técnicas para o aumento do valor. 

O reajuste foi polêmico principalmente por causa da dúvida a respeito do aproveitamento das frações nobres - propano, butano e gasolina natural - escoadas pelo gasoduto Brasil-Bolívia com o gás natural. Em princípio, eles poderiam ser usados na indústria petroquímica. Mas, para isso, o Brasil teria de instalar, no curso do gasoduto, uma planta para separá-los e organizar um setor de venda específica das frações nobres. Essas unidades separadoras jamais foram instaladas. “A Petrobrás estaria, pois, remunerando a Bolívia por algo que não teria nenhuma utilidade econômica para suas atividades”, escreveu.

Procurada pela reportagem, a Petrobrás não se pronunciou sobre o caso.