A governança, definida como um conjunto de regras de boas práticas de gestão, precisa avançar no setor público, a exemplo do que já ocorre na esfera privada, como forma de garantir eficiência e transparência na administração, coibir irregularidades e mitigar falhas que possam comprometer o atendimento das necessidades da população.

Trata-se de um termo muito usado, mas efetivamente pouco empregado, segundo José Geraldo Loureiro, diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGP). Os exemplos que demonstram a importância da governança na vida pública são muitos, como as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras, o escândalo do cartel do Metrô São Paulo e a crise hídrica nas regiões abastecidas pela Sabesp - para citar os casos que estão em evidência no noticiário.

Mas a aplicação das regras de governança na esfera pública esbarra em muitos desafios porque existem diferenças em relação ao conceito de governança no setor privado, de acordo com Loureiro. No primeiro caso, há mais atores para os quais se devem prestar contas, como o Legislativo, a sociedade, os órgãos de controle e fiscalização, entre outros. Além disso, as exigências para publicidade e transparência das ações executadas pelos gestores são maiores que na esfera privada.

Por outro lado, enquanto no setor privado o foco da governança é a remuneração do capital investido, na área pública a mensuração dos resultados é bem mais complexa porque envolvem bens e serviços gerados para a sociedade, explica o diretor do IBGP.

Existe, ainda, uma distinção entre o modelo de governança pública, que está relacionado à observância das boas práticas de gestão na administração direta, e o de governança corporativa em organizações públicas, que trata basicamente da forma como as empresas estatais devem ser administradas. Governança pública ainda é um tema em discussão, enquanto governança corporativa nas empresas estatais já existe. "Isso não quer dizer que as estatais estejam em um nível de maturidade mais elevado", ressalva Loureiro.

Governança contempla distribuição de poder, definição de metas estratégicas, realização de planejamento de médio e longo prazos, desenvolvimento de ações integradas nos diversos segmentos do governo. Características que muitas vezes não são perceptíveis no setor público. Para Loureiro, existe uma carência muito grande principalmente no que tange ao planejamento e à estruturação.

Uma das dificuldades apontadas para o avanço da governança no setor público é a forma como são preenchidos os postos de comandos na administração pública. Os critérios para escolha dos dirigentes nem sempre se baseiam na qualificação profissional, mas em indicações políticas. Assim, a organização muitas vezes fica a mercê de uma estrutura despreparada para poder gerar uma governança adequada, com consequências imediatas na sua eficiência, diz Loureiro, para quem a forma de escolha precisa mudar.

Implementar as regras da governança na administração direta depende essencialmente de vontade política, opina o professor Marco Antonio Teixeira, vice-coordenador da graduação em Administração Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP). "Estamos falando de um universo de organizações que são completamente distintas", salienta.

Entretanto, Teixeira considera que houve avanços pontuais nessa área, com algumas organizações empenhadas em dar transparência e publicidade aos seus atos, assim como em oferecer instrumentos de cobrança para tornar a gestão mais suscetível ao controle dos cidadãos. Como exemplo cita a Prefeitura de São Paulo, onde foi criada a Controladoria Geral da Prefeitura.

Dotada de instrumentos de transparência articulados com um canal de ouvidoria para receber denúncias da população, a controladoria replicou em São Paulo o modelo de atuação do órgão similar da União (CGU), estruturando uma área de inteligência com o objetivo de entender os mecanismos de corrupção e produzir ações preventivas, além de melhorar as práticas de gestão, para fechar os espaços de atuação dos esquemas irregulares, diz Teixeira.

Para o professor da FGV, a iniciativa produziu resultados positivos, como o desbaratamento de um esquema de desvios de recursos proveniente do recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS) e de fraude na cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), com suspeita de participação de servidores municipais. "Houve o caso de um cidadão que estava sendo achacado, fez a denúncia, a polícia foi mobilizada e o flagrante, armado", lembra.

A necessidade de buscar a eficiência financeira torna essencial a observância das regras de governança pela administração direta, concorda Telmo Scholer, da Strategos Consultoria, citando dois princípios fundamentais de finanças: o dinheiro tem custo e sua aplicação requer eficiência. Dessa forma, os recursos da educação, saúde e diversas outras áreas, devem ser aplicados de forma eficiente para produzir o maior resultado possível. "O problema é que os governos muitas vezes não seguem essa lógica", ressalta.

 

Cursos sobre o assunto têm baixa procura

 

Adotada nos Estados Unidos no ano 2000 depois da crise da Enron, por empresários dispostos a garantir a todo preço a perenidade do seu negócio e otimizar o valor da corporação, a prática só desembarcou no Brasil mais recentemente, impulsionada pela Lei das Sociedades Anônimas, que exige a constituição de um conselho de administração nas companhias de capital aberto.

Há, no entanto, até hoje, uma carência de profissionais com sólida formação no assunto. Mais grave: as grandes escolas de negócios ainda não estruturaram cursos regulares contemplando a matéria. "A ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) ofereceu um programa de atualização em governança corporativa até cerca de um ano e meio atrás, mas como não tinha público, ele foi descontinuado", conta a professora Adriana Gomes, que coordena a ESPM Carreiras.

Na Trevisan Escola de Negócios, a procura não é maior: "Montamos um MBA de governança, no ano passado, mas não conseguimos fechar uma turma", relata Roberto Sousa Gonzalez, professor da disciplina e autor do livro "Governança Corporativa - o poder de transformação das empresas", ressaltando que bastam 15 alunos para fechar um grupo.

Ambas as escolas afirmam, no entanto, ser possível preparar cursos in company, a exemplo do que também propõe a Fundação Getulio Vargas, que chega a abordar o tema em alguns de seus módulos customizados, como o de "desenvolvimento gerencial": "Um ou outro cliente pede para que se incluam conceitos e princípios de governança corporativa na grade de determinados cursos e nós podemos atendê-los", explica Alberto Luiz Albertin, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV/Eaesp.

Para contornar a falta de procura por cursos diretos, focados especificamente em governança corporativa, tem sido praxe entre as grandes escolas abordar a disciplina no final de alguns módulos: "Na grade dos cursos de economia, administração e ciências contábeis, por exemplo, considero útil encerrar com um apanhado geral do que sejam boas ações e práticas tangíveis de governança", argumenta Roberto Gonzalez, explicando que "elas agregam valor às empresas e ajudam a aumentar as ações na Bolsa de Valores".

Apesar da demanda ainda tímida, o professor da Trevisan acredita que "o interesse pela matéria só tende a crescer" e conceitos como transparência na prestação de contas, equidade entre stakeholders, responsabilidade corporativa e práticas sustentáveis - bases da boa governança nas organizações - vieram para ficar.

Para Magui Castro, headhunter e sócia da CTPartners, que fez o curso de 8 aulas/dia oferecido pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa "para poder contratar profissionais habilitados", por mais que a experiência acumulada na prática ainda se sobreponha, no Brasil, à formação nas escolas, "verifica-se uma nova tendência no mercado".

"O profissional certificado, capaz de constituir um bom conselho de administração, consultivo ou deliberativo, começa a ter sua importância na medida em que uma gestão conduzida segundo critérios bem definidos de transparência, ética, retidão e equidade permitem obter empréstimos do governo a taxas menores. E esse é indiscutivelmente um diferencial que motiva as empresas com capital na Bolsa a se cercarem de bons conselheiros", argumenta Magui.

Há segundo ela, outros aspectos da legislação que fazem com que todos os envolvidos na condução de uma organização - proprietários, acionistas, sócios, gestores, empregados e conselheiros - tratem de convergir cada vez mais na direção do compartilhamento de informações fiscais e contábeis: "A lei permite que se paguem impostos devidos no mês seguinte. Se todos os conselheiros optam por postergar a quitação de tributos e a empresa entra em insolvência, a Receita Federal não vai apenas atrás dos proprietários. Ela pode até mesmo bloquear os bens dos membros do Comitê que aprovaram a medida. E isso é apenas um exemplo. Ou seja, quem adota medidas pouco ortodoxas, tem de arcar com sua responsabilidade."