Governo da Coreia do Sul prepara fundo de US$ 500 bi para reerguer o Norte caso consiga controlar a Península, mas enfrenta resistência da população mais jovem, que enxerga custos elevados demais na ideia de reconstruir economia à beira do colapso

 

AFP/KCNA

Pressão. Kim ameaça realizar mais um teste com armas nucleares em reação a relatório sobre direitos humanos no país

SEUL - O ano de 2014 sepultou a ideia de que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, pudesse ser um reformista que daria um rumo mais pacífico à nação. O período foi marcado por uma escalada da tensão entre Pyongyang, Seul e Washington, culminando com a acusação de que hackers norte-coreanos teriam realizado um ciberataque contra o estúdio que produziu, nos EUA, uma comédia sobre o ditador que substituiu o pai, Kim Jong-il, morto em 2011. 

Reagindo ao que classificou como “sinais controversos” do regime do Norte, a Coreia do Sul intensificou os esforços para reunificar a Península - tecnicamente em guerra desde 1950. No início do mês, o ministro da Unificação sul-coreano, Ryoo Kihl-jae, foi aos EUA para conversas sobre a situação com a subsecretária de Estado americana, Wendy Sherman. 

Em novembro, Seul anunciou a criação de um fundo de US$ 500 bilhões para “preparar a unificação”. A quantia mostra que a presidente Park Geun-hye está disposta a enfrentar outra resistência ao plano além da oferecida por Pyongyang: a dos jovens sul-coreanos. 

Pesquisas de opinião vêm mostrando nos últimos anos quedas constantes na aprovação das gerações mais novas na Coreia do Sul a uma reunificação. O principal motivo seria o peso econômico que viria de uma reconstrução da economia da Coreia do Norte, que vem se deteriorando desde que o país perdeu apoio da União Soviética.

Um levantamento feito pelo grupo Asan mostra apoio de apenas 9% dos sul-coreanos na faixa etária dos 20 anos à unificação. O governo afirma que tem números menos pessimistas. 

Ainda assim, para tentar convencer os jovens de que a união das duas Coreias é vantajosa para o Sul, o governo criou em julho o Comitê de Preparação da Unificação, presidido pela própria Park e subordinado ao Ministério da Unificação. A tarefa do Comitê é “propor ações específicas para promover a unificação pacífica”. Na prática, o grupo, composto por autoridades e pesquisadores, formula ações de educação básica e marketing para tentar atrair novas gerações.

Entre as formas escolhidas, estão a música e os vídeos em tom emocional. Uma “boy band” foi recrutada pelo Comitê para gravar uma música e um videoclipe a favor da unificação. Além disso, um dos cantores mais famosos do país, Lee Seung-chul, foi convencido a militar pela causa. Com canções gravadas a favor da junção dos dois países, Lee chegou a gravar com um coral de dissidentes norte-coreanos nas ilhas Dokdo, área disputada pelo Japão - provocando a ira das autoridades de Tóquio. 

Para crianças, o ministério preparou um vídeo com filhotes de cães de duas raças tradicionais do país - a Jingdo, originária do Sul, e a Pungsan, do Norte. Os filmes são exibidos em aulas de “educação para a unificação”, idealizadas pelo Comitê.

Exemplo da geração que as campanhas do governo pretendem atingir, a estudante universitária Kim Ye-won, de 22 anos, é contra a unificação. “Quando era mais nova, era a favor. Depois, pensei na realidade, no custo que isso terá para a economia dos sul-coreanos”, afirmou ao Estado. A estudante é exemplo da pouca eficácia das tentativas feitas por músicos como Lee. Kim conhece a música do astro pop, mas nunca escutou as canções pela unificação.

A cifra de US$ 500 bilhões anunciada pelo governo pode ser considerada otimista. O Ministério de Relações Exteriores da Coreia do Sul não oferece um número tão preciso, mas um de seus diretores afirmou à reportagem ter conhecimento de estimativas que variam de muito menos (US$ 70 bilhões) a vultosos US$ 3 trilhões.

Aos 26 anos, o analista de tecnologia da informação Kim Tae-gon acha que a unificação precisa ocorrer em algum momento por razões humanitárias. “Há famílias separadas que sofrem, que não podem se ver”, afirmou. No entanto, o jovem não vê possibilidade de solução enquanto o país vizinho for dominado pela família Kim.

A visão é semelhante à de Choi Yoo-jin, que conseguiu fugir da Coreia do Norte em 2011, passou pela China e vive desde o ano passado em Seul. Ela não crê em uma saída fácil ou rápida para o regime. Tendo passado dois meses em um campo de trabalhos forçados no Norte, Choi é pessimista quanto à popularidade da ideia de unificação entre os norte-coreanos. “Pensamos em como nos alimentar. Não temos tempo de nos preocupar com o governo”, afirmou.

*O repórter viajou a convite do governo sul-coreano

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Após ‘esfriamento’ chinês, Pyongyang busca ajuda russa

SEUL - O apoio chinês à aliada Coreia do Norte sofreu abalos significativos desde o início do governo de Xi Jinping em Pequim, há dois anos. O novo líder da China abriu conversas mais diretas com a Coreia do Sul e Xi falou explicitamente, pouco após encontro com a presidente sul-coreana Park Geun-hye, em esforços para uma reunificação da Península. 

A China também impôs restrições às transferências de dinheiro feitas via Pequim para o isolado sistema bancário norte-coreano - a medida obriga, na prática, visitantes e diplomatas a levarem apenas dinheiro vivo para a Coreia do Norte. 

O resfriamento aparente das relações com os chineses levou Kim Jong-un a mirar uma nova frente de apoio externo: a Rússia. Em novembro, um enviado de Kim encontrou-se com o presidente russo, Vladimir Putin. O representante norte-coreano ouviu, ao final do encontro, o líder do Kremlin dizer que tinha toda a intenção de impulsionar a relação entre os dois países. 

 

reuters

Em novembro, um enviado de Kim encontrou-se com o presidente russo, Vladimir Putin.

O incremento nas relações anunciado por Putin, porém, veio antes da espiral de desvalorização do rublo que ocorreu nas últimas semanas - decorrente, essencialmente, da queda nos preços internacionais do petróleo e das sanções impostas à Rússia pela anexação da Crimeia e a acusação de envolvimento na crise do leste da Ucrânia.

Apesar da recente crise e da provável recessão em que o país entrará, a Rússia parece disposta a manter seus planos em relação a Pyongyang. No dia 19, o Kremlin confirmou que Putin convidou o próprio Kim Jong-un para uma visita oficial a Moscou - ainda sem data para ocorrer. 

Um primeiro resultado econômico da nova aproximação também foi anunciado na terça-feira. Pyongyang comemorou a chegada de 50 mil toneladas de alimentos vindas da Rússia “sem custo”.

Os russos tentaram bloquear no Conselho de Segurança da ONU um debate sobre o relatório apresentado por uma comissão da organização sobre a situação de direitos humanos na Coreia do Norte. O texto acusa abertamente Kim Jong-un de crimes contra a humanidade - entre eles, manter campos de prisioneiros com trabalhos forçados para sufocar qualquer dissidência. Como resposta ao lançamento do documento, em novembro, Pyongyang ameaçou realizar seu quarto teste de armas nucleares. Pequim pediu imediatamente que Kim desistisse desse plano, mas a resposta, se houve, foi nos bastidores e permanece desconhecida.

O Ministério das Relações Exteriores sul-coreano afirmou que pode pedir novas sanções no âmbito da ONU e endurecer as restrições à navegação de embarcações norte-coreanas na região como retaliação a um possível teste nuclear. Além disso, as autoridades de Seul podem voltar a usar o sistema financeiro dos Estados Unidos para punir bancos ao redor do mundo que movimentem dinheiro de pessoas sob suspeita de ligação com o regime de Pyongyang.

O diretor do Departamento para a Paz na Península Coreana do ministério, Kwon Yong-woo, afirmou a jornalistas na sede do ministério, que Seul se “decepcionou” com os sinais controversos enviados por Pyongyang ao longo do ano. 

Falando ao ‘Estado’, Kwon minimizou a tentativa de incremento na relação dos norte-coreanos com os russos. De acordo com ele, foi apenas mais uma tentativa que terá poucos frutos concretos para Kim Jong-un. “A Coreia do Norte não fez esforços reais para reformar sua economia, que está em ruínas, e a Rússia sempre deixou claro que quer a desnuclearização da Península.”

* O repórter viajou a convite do governo sul-coreano