A meta de superávit primário para 2015 anunciada ontem pelo ministro da Fazenda indicado, Joaquim Levy – de 1,2% para o setor público consolidado -, é factível, de acordo com especialistas ouvidos pelo Valor, mas dificilmente será alcançada sem aumento da carga tributária.

Na primeira fala após a confirmação de seu nome à frente da equipe econômica do segundo governo Dilma Rousseff, o economista comprometeu-se ainda a não entregar primários menores do que 2% em 2016 e 2017.

As sinalizações feitas no discurso, que incluiu menções ao resgate da confiança e à transparência nas contas públicas, reduzem o risco de perda do grau de investimento do Brasil no próximo ano, avaliam economistas.

“Vai ser um ajuste mais difícil do que o que ele fez no primeiro ano do governo Lula”, pontuou o especialista em finanças públicas Mansueto Almeida, em referência ao trabalho de Levy à frente do Tesouro Nacional em 2003.

No próximo ano, afirma, as despesas do governo devem aumentar em ritmo superior ao avanço do Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque, de um lado, o salário mínimo, que indexa um grande volume de gastos, crescerá cerca de 2,5% em termos reais. A economia, por sua vez, não deve avançar acima de 0,8%, de acordo com a média mais recente de estimativas divulgadas pelo boletim Focus, do Banco Central. Diante desse cenário, o esforço de poupança terá de vir do aumento da carga tributária, avalia.

Entre as medidas adotadas nesse sentido podem estar o restabelecimento de impostos, como a Cide, e a redução do volume de desonerações em alguns setores da economia, avalia Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra.

Ele estima um primário por volta de 1% em 2015 e afirma que, caso parte do ajuste nas contas públicas ocorra já no ano que vem, a aposta de um cenário melhor para 2016 e 2017 ganhará força e ajudará a recuperar a confiança dos agentes econômicos. “Conforme os resultados forem sendo entregues, haverá recomposição do estoque de credibilidade do governo”.

Oliveira disse ver de forma positiva o alinhamento entre os discursos feitos ontem por Levy, pelo novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e por Alexandre Tombini, que permanece no comando do Banco Central, e ponderou que o conteúdo dos comunicados reduz o risco de downgrade do país em 2015.

“Ser rebaixado traria um custo maior ainda ao ajuste fiscal. O Levy está de olho nisso”, observou o professor da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Arbache. O economista acredita que o esforço não deve se concentrar no corte de despesas, mas que, ainda assim, poderá afetar a área de investimentos – o que prejudicaria, por sua vez, a atividade.

Ele avaliou ainda que o futuro ministro teve “bom senso e cautela” ao afirmar que não trabalha com “pacotes ou surpresas” – algo comum na gestão atual do ministério da Fazenda, ressaltou Arbache – e que a formulação de medidas ainda está em andamento.

O discurso da gradualidade também agradou o economista da MCM Consultores Associados Antonio Madeira, que avalia que a equipe passou uma imagem “bastante positiva” na primeira aparição pública após a oficialização de suas indicações.

A certeza de que as metas anunciadas podem se concretizar, no entanto, estaria condicionada ao grau de autonomia que a nova equipe terá, ao alinhamento entre governo e as políticas fiscal e monetária e ainda ao trabalho junto ao Congresso Nacional, de que depende a aprovação de boa parte das medidas do Executivo.

O professor do Insper Otto Nogami destacou a ênfase dada na fala de Levy à necessidade de se implantar uma “agenda microeconômica” e de “aumentar a poupança nacional”. “Mostra uma preocupação de estimular o setor privado a investir, se adequar e expandir a capacidade de produção, e não só em conter a demanda“, disse.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco chamou de “surpreendente” e classificou como “fato histórico” a nomeação de um economista ortodoxo como Levy para a Fazenda. Para ele, o anúncio talvez seja comparável à Carta aos Brasileiros de 2002, identificada à época como um “aburguesamento” do PT e “uma espécie de rendição às políticas econômicas e agendas reformistas”.

Em comunicado, o presidente do Santander Brasil, Jesús Zabalza, afirmou que o anúncio dos nomes reforça a crença na capacidade da presidente “de conduzir o Brasil de volta a um caminho de crescimento sustentável”.

Também em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) declarou esperar que o trio conduza a economia “com responsabilidade, visão de futuro e estímulo aos que querem produzir, trabalhar e fazer o país crescer”.