A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidiu não agir para conter o excesso de oferta mundial de petróleo, resistindo aos pedidos da Venezuela de que o grupo precisava impedir a derrocada dos preços. Com isso, a cotação da commodity teve a sua maior queda em mais de três anos.

O grupo manteve o teto para sua produção coletiva em 30 milhões de barris por dia (b/d), segundo anunciou ontem o ministro do Petróleo da Arábia Saudita, Ali Al-Naimi, depois de reunião dos 12 países da Opep em Viena. O barril de petróleo chegou a cair 8,4% em Londres, estendendo a desvalorização neste ano para 35%.

O mercado de petróleo passou a operar com tendência de queda depois de os EUA terem extraído este ano o maior volume do produto em mais de 30 anos e pelo fato de os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia não terem interrompido a produção. Embora o teto de produção da Opep seja o mesmo desde 2012, o grupo na verdade produziu quase 1 milhão de barris a mais em outubro, de acordo com dados reunidos pela Bloomberg.

"A Opep escolheu abdicar de seu papel de controlador [dos preços], deixando para o mercado decidir qual deve ser o preço do petróleo", disse Harry Tchilinguirian, chefe de mercados de commodities do BNP Paribas, em Londres, por telefone. "Não será surpresa se o Brent começasse a testar os US$ 70."

O tipo de petróleo Brent, referencial mundial, está a caminho de ter seu maior declínio anual desde 2008 na bolsa ICE Futures Europe, em Londres. Os contratos futuros de petróleo tiveram ontem a maior queda desde maio de 2011, negociados em baixa de US$ 4,85, a US$ 72,99, ontem.

A coroa norueguesa, moeda do maior produtor de petróleo da Europa Ocidental, caiu para a menor cotação em cinco anos em relação ao dólar. O dólar canadense desvalorizou-se pela primeira vez em três dias, e o rublo russo teve forte declínio. As ações das empresas de petróleo e gás tiveram as maiores baixas do dia nos mercados acionários mundiais. Os papéis da BP caíram 2,7% em Londres, e os da Royal Dutch Shell, 3,7%.

"A mudança é que a Arábia Saudita e a Opep não vão mais administrar o lado da oferta no mercado", disse Michael Wittner, chefe de análises do mercado de petróleo do Société Générale, por e-mail. "Isso é tão importante que é difícil de destacar o quanto".

A Opep cogitou cortar as cotas em 5%, de acordo com o ministro do Petróleo da Iraque, Adel Abdul Mahdi. Isso representaria cerca de 1,5 milhão de barris diários, com base no atual teto das cotas.

"Se você corta 5 milhões, isso naturalmente vai aumentar os preços", disse Mahdi. "Ninguém discutiu um grande corte, talvez 5% tenha sido o máximo que algumas pessoas defenderam."

A Opep se reune de novo em 5 de junho em Viena. A decisão de não mudar o teto havia sido antecipada por 58% dos analistas consultados em pesquisa da Bloomberg Intelligence nesta semana.

Ainda assim, a forte queda do petróleo mostrou que a decisão da Opep não havia sido totalmente precificada pelos mercados.

Tariq Zahir, analista da Tyche Capital Advisors, de Nova York, disse que a queda do petróleo pode continuar até abaixo de US$ 65 o barril nas próximas semanas, o que pode começar a prejudicar a produção de óleo de xisto nos EUA. "Acho que começamos a ter uma guerra de preços", disse Zahir. "Seria meio louco tentar adivinhar um fundo do poço aqui."

Outros analistas concordam que a decisão da Opep deixa o petróleo vulnerável a quedas muito maiores, à medida que uma oferta abundante de petróleo leve, de alta qualidade, chega ao mercado, boa parte vindo do xisto dos EUA. "No curto prazo, devido ao ceticismo dos mercados de que os níveis de preços recentes são baixos o bastante para frear substancialmente o crescimento da produção nos EUA, esperamos que os preços caiam abaixo de US$ 70 para o Brent o barril e menos ainda para o WTI [referência de preço nos EUA], diz uma análise do banco Barclays.

"Não estamos enviando nenhum sinal a ninguém, apenas tentamos ter um preço justo", disse o secretário-geral da Opep, Abdalla El-Badri, em entrevista coletiva. El-Badri, que manterá o cargo até o fim de 2015, disse que o grupo vai cumprir o limite de produção.

O ministro do Petróleo do Irã, Bijan Namdar Zanganeh, disse a repórteres não estar "bravo" com a decisão. "[Mas] não estava dentro do que nós queríamos".

A Venezuela, cujas reservas internacionais estão no nível mais baixo em 11 anos, pressionou por cortes na produção, segundo Rafael Ramírez, ministro do Petróleo da Venezuela. "Todos precisam fazer algum sacrifício", disse Ramírez, que estima o excesso de oferta em 2 milhões de b/d. O Kuait calcula o excesso em 1,8 milhão de b/d.

Os ministros do Kuait, Emirados Árabes Unidos e Angola se disseram preocupados com o excesso de oferta. A Opep extraiu 30,97 milhões de b/d em outubro, superando o limite de produção pelo quinto mês seguido. O grupo estima a demanda mundial em 29,2 milhões de b/d em 2015.

O petróleo WTI, referencial nos EUA, chegou a cair 8,1%, estendendo a queda no ano para 30%.

 

Fraqueza do cartel é bem-vinda, mas também é alerta

 

O xeque Ahmed Zaki Yamani, ministro do Petróleo da Arábia Saudita e figura mais destacada da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de 1962 a 1986, teria dito nos anos 1970 que "tinha o mundo na palma da mão". Hoje, a situação se inverteu.

Se a Opep ainda fosse a potência que já foi, a reunião dos ministros do Petróleo que se realizou nesta semana em Viena teria aprovado um corte da produção para estabilizar o mercado. A produção dos EUA está disparando, a demanda mundial perde força e os preços caíram mais de 30% desde junho.

Representantes de alguns países-membros da organização, como Venezuela e Angola, disseram querer que o petróleo volte à cotação de US$ 100 por barril, comparada à atual, de US$ 73.

No entanto, a reunião terminou ontem com a decisão de manter inalterado o teto de produção do cartel. A resolução abre caminho para a expansão da superoferta e a manutenção da queda dos preços no ano que vem.

A falta de coesão num grupo que tantas vezes atemorizou os países consumidores de petróleo do mundo inteiro será muito festejada, e com bons motivos. A queda dos preços do petróleo é o fortificante de que a debilitada economia mundial necessita.

Já os motivos pelos quais a Opep não conseguiu chegar a um acordo não são tão animadores. Embora o mundo possa dispensar, alegremente, um cartel de petróleo forte, não dispensa fortes países produtores de petróleo, e a falta de disciplina da Opep reflete a fragilidade de muitos de seus membros.

Os países-membros mais fortes da Opep - Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuait - perceberam que, se reduzissem a produção, não seriam muitos os companheiros de cartel que seguiriam seu exemplo.

O Irã e a Líbia já sofreram quedas significativas da produção - o Irã por conta das sanções do Ocidente, que deverão se manter por pelo menos mais sete meses, após a prorrogação das negociações nucleares de Teerã com o Ocidente. A Líbia está às voltas com os efeitos do persistente conflito entre facções beligerantes, que deu nesta semana sinais de agravamento.

Na Venezuela e na Nigéria, por outro lado, os governos enfrentam crises financeiras. O Iraque, que não participa do sistema de cotas da Opep, falara em voltar a aderir a ele quando a produção alcançasse de 4 milhões a 5 milhões de barris/dia e esperava que isso ocorresse neste ano. Mas o país ainda produz apenas cerca de 3,1 milhões de b/d, segundo a consultoria Platts.

Com tantos membros da Opep em dificuldades, os EUA conseguiram atender à crescente demanda mundial por petróleo graças à revolução do xisto. No entanto, o surto de crescimento do xisto americano deverá perder força, talvez já no fim desta década. A demanda por parte das economias emergentes, por seu lado, só crescerá se a industrialização avançar.

Cerca de um terço do crescimento mundial da demanda por petróleo dos próximos dois anos será canalizado para a Ásia, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), e será muito difícil reduzir ou substituir essa demanda. Os países-membros da Opep controlam 80% das reservas mundiais comprovadas de petróleo e, se tantos deles continuarem diante da instabilidade que enfrentam atualmente, será muito difícil explorar o pleno potencial dessas reservas. Tanto os países consumidores quanto os produtores de petróleo têm de se empenhar mais em respaldar a produção de petróleo futura, o que significa investir agora em capacidade adicional de produção. O mundo inteiro está interessado em evitar crises de abastecimento, capazes de criar choques de preços e de reconduzir a economia mundial à recessão.

O defeito mais grave, e mais comum, dos mercados de commodities é o de agir como se qualquer conjunto acidental de circunstâncias fosse durar para sempre. Os países consumidores poderão usufruir da abundância de petróleo enquanto ela durar, mas devem, ao mesmo tempo, antever um futuro em que os países produtores voltarão a ter o mundo na palma da mão.