Propina com nota fiscal

O Globo - 25/11/2014

Empreiteira pagou R$ 8,8 milhões a empresário que também seria operador do esquema

 

Cleide Carvalho
SÃO PAULO

 

Primeiro dos executivos presos na Operação Lava-Jato a admitir que pagou propina no esquema da Petrobras, Erton Medeiros Fonseca, da Galvão Engenharia, trouxe à tona um novo nome a ser investigado. Trata-se do empresário Shinko Nakandakari, que, segundo o executivo, atuava como operador do esquema de corrupção na Diretoria de Serviços da Petrobras, comandada por Renato Duque, ao lado de Pedro Barusco, ex-gerente executivo da área de Engenharia da estatal que se dispôs a contar o que sabe ao Ministério Público Federal e devolver US$ 97 milhões. Os advogados de Fonseca entregaram ontem à Justiça Federal do Paraná várias notas fiscais relativas à propina. Elas foram emitidas a favor da LFSN Consultoria e Engenharia, no valor de R$ 8,863 milhões, e teriam como finalidade pagar a propina a políticos.

A LFSN Consultoria pertence a Shinko, a Luís Fernando Sendai Nakandakari, que seria filho dele, e a Juliana Sendai Nakandakari. O endereço informado à Receita Federal é um apartamento num prédio residencial no bairro do Brooklin, na Zona Sul de São Paulo, que está em nome de Luís Fernando. Os pagamentos da Galvão foram feitos por meio de transferências eletrônicas a Luís Fernando e Juliana. Nas notas, aparece que o pagamento foi feito por serviços prestados.

As notas fiscais - várias delas com o valor de R$ 660 mil - foram emitidas entre 2010 e 2014. Segundo a planilha de pagamentos apresentada à Justiça pela Galvão Engenharia, o primeiro pagamento ocorreu em novembro de 2010 e o mais recente é de 25 de junho de 2014 - cerca de dois meses depois de a Operação Lava-Jato ter sido deflagrada pela Polícia Federal. As notas têm valores entre R$ 115 mil e R$ 750 mil.

Fonseca se dispôs a fazer acareação com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e com o doleiro Alberto Youssef, na tentativa de provar à Justiça que, ao contrário da acusação que lhe é imputada, ele não fazia parte da organização do cartel de empreiteiras, mas foi vítima de extorsão. É o mesmo argumento apresentado em depoimento pelo vice-presidente executivo da Mendes Júnior, Sérgio Cunha Mendes, que pagou R$ 8 milhões ao doleiro.

Em depoimento à Justiça, Fonseca afirmou que cedeu à pressão de Shinko porque a Galvão Engenharia vinha sendo sucessivamente preterida, e o nome da empresa havia sido excluído da lista das "convidadas" a participar da licitação. Disse ainda que o dinheiro era destinado ao caixa do PP.

Shinko Nakandakari é um dos denunciados num processo de improbidade administrativa envolvendo a construtora Talude, contratada pela Infraero para obras no aeroporto de Viracopos, em Campinas. O valor inicial do contrato, assinado em 2000, foi de R$ 13,892 milhões. Seis meses depois da assinatura, foi feito um aditivo de R$ 1,904 milhão. O segundo aditivo, de R$ 1.540.352,97, ocorreu em 2011. Para o Ministério Público Federal, não havia razões para firmar os aditivos, que tornaram a obra mais cara. O caso está na Justiça.

Fonseca cumpre prisão preventiva na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Ao pedir pela liberdade dele, os advogados argumentam que a Galvão Engenharia pertencia ao "grupo A", a elite de fornecedores da Petrobras, mas havia deixado de receber os convites da estatal para disputar licitações. Inconformada, a construtora teria encaminhado pelo menos 20 requerimentos à Petrobras, entre 2006 e 2014, relembrando aos executivos da estatal o padrão de excelência de seus serviços e pedindo que fosse incluída em certames em curso.

Os advogados dizem ainda que, se estivesse participando de um "conluio" com outras empreiteiras, a Galvão Engenharia não precisaria pedir à Petrobras que a convidasse para as licitações. Os depoimentos de Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef incriminam Fonseca. Costa afirmou que ele participava do esquema de cartel, e Youssef diz ter tratado com ele o fechamento de contratos entre a Galvão Engenharia e suas empresas de fachada, como forma de viabilizar o pagamento das propinas. Foram apreendidos pela PF contratos da Galvão Engenharia com empresas que eram usadas pelo doleiro para movimentar recursos ilícitos. A empresa depositou pelo menos R$ 4,179 milhões na conta da MO Consultoria, uma dessas firmas de fachada.

A Galvão informa ter participado de 59 licitações na Petrobras. Os contratos individuais da empresa com a estatal, entre 2009 e 2013, somaram R$ 3,474 milhões. A Galvão atuou também em consórcios. Na semana passada, o advogado de Fonseca, José Luis Lima, disse que a empresa obteve contratos com a Petrobras "de forma lícita", mas depois passou a ser vítima de extorsão.

Procuradores vão à Suíça para tentar recuperar dinheiro

Dois procuradores do Ministério Público Federal (MPF), responsáveis pelas investigações da Operação Lava-Jato, embarcaram ontem para a Suíça para tentar localizar o dinheiro que pode ter sido desviado da Petrobras para contas no país. O Ministério Público suíço localizou e deve entregar extratos de uma conta do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, acusado de participar do esquema de cobrança de propina, informou o "Jornal Nacional", da Rede Globo.

A conta do ex-executivo da Petrobras tem saldo de cerca de US$ 27 milhões. A força-tarefa do MPF tentará descobrir a origem do dinheiro e procurar se foram feitas transferências para outros envolvidos no esquema. Os procuradores também vão procurar provas de que outros envolvidos na Operação Lava -Jato tenham movimentado dinheiro no exterior. Entre eles, está outro ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, que está preso em Curitiba, e o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. Conforme Paulo Roberto Costa, eles também participavam do esquema, sendo que Baiano seria operador do PMDB nos desvios de dinheiro da Petrobras.

A informação foi corroborada por outro executivo, da empresa Toyo Setal, chamado Júlio Camargo. Em um depoimento à Polícia Federal, ele garantiu ter feito depósitos no valor de R$ 6 milhões. A quantia, afirmou, era para a diretoria de Serviços, comandada por Duque. A maior parte foi depositada no banco Credit Suisse, em contas indicadas por Duque e pelo subordinado dele, o gerente de Serviços da estatal, Pedro Barusco.

Júlio Camargo também disse que repassou entre R$ 12,5 milhões e R$ 15 milhões para Fernando Baiano. Segundo o executivo da Toyo Setal, esse dinheiro foi levado para um banco no Uruguai e para várias contas indicadas pelo lobista no exterior.

Com a identificação de todas essas contas e movimentações, o MPF pretende, o mais rápido possível, iniciar os processos para repatriar o dinheiro.

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Senador cobra de Cardozo ação contra vazamentos

O Globo - 25/11/2014

Ministro diz que colega do PT se equivocou e que delação é com o MP

 

Cristiane Jungblut e
Jailton de Carvalho
BRASÍLIA

 

O vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), cobrou ontem do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, uma atitude para tentar coibir o que chamou de "vazamentos seletivos" de informações obtidas nos depoimentos do processo de delação premiada no escândalo que envolve a Petrobras. Viana disse que o ministro precisa "agir" e ser forte. Cardozo reagiu, lamentou e disse que o colega petista está equivocado. O senador criticou o ministro em discurso, na tribuna do Senado.

- Só lamento que o senador Jorge Viana não tenha procurado o ministério antes de ir à tribuna do Senado. Há aí um equívoco do senador. A delação está sob a guarda do Ministério Público - disse Cardozo.

Jorge Viana criticou o ministro quando comentava as denúncias em relação ao líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), que teria sido apontado como beneficiário do esquema, conforme declarações atribuídas a Paulo Roberto Costa:

- O ministro da Justiça precisa agir. Numa hora dessa, a gente tem que ter um ministro da Justiça forte, que não aceite esse tipo de manipulação de um processo de tão importante. Ninguém sabe quem denunciou, ninguém confirma. Se destrói primeiro a honra da pessoa, e sai um pedido de desculpa. Isso é péssimo. Não podemos aceitar. A Policia Federal tem que tratar isso com mais seriedade.

Cardozo afirmou que Viana está equivocado porque os depoimentos da delação premiada de Costa estão sob a responsabilidade do Ministério Público, e não da PF.

Humberto Costa negou a acusação e ofereceu a quebra de seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. Para Cardozo, Viana poderia ter se confundido com as diversas fatias da Lava-Jato. O ministro lembra que os processos dessa operação, em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, não estão sob sigilo. O segredo estaria restrito aos depoimentos de Costa e outros que decidiram fazer acordo de delação premiada.

Segundo o ministro, ele sequer tem condições de dizer se houve ou não vazamento de dados. Ainda assim, Cardozo afirmou que vai pedir à Procuradoria Geral da República que apure o caso e adote as medidas cabíveis.

Para Jorge Viana, o vazamento de informações direcionadas e a "manipulação política" atrapalham o processo de investigação. Ele disse que não estava criticando a PF e, sim, a atuação de delegados que vazariam informações:

- Não estou fazendo crítica à PF. Critiquei a ação de alguns delegados que foram para as redes sociais e foram denunciados depois por colegas por fazer vazamento seletivo. Isso tem que ter uma ação do Ministério da Justiça e da direção da PF.

O senador disse que o vazamento seletivo já prejudicou outros envolvidos, apontando erros da PF. Ele citou o caso do atual diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza. A PF se desculpou por ter apontado que ele estava no sistema. Já Humberto Costa fez discurso na tribuna do Senado para se defender:

- A versão apresentada em relação a mim é fantasiosa. Encaminhei tanto ao ministro Teori Zavascki; ao procurador Janot; e também ao senador Vital do Rêgo, me colocando à disposição para prestar a todos os órgãos de investigação os esclarecimentos que esses órgãos considerarem necessários. E, ao mesmo tempo, disponibilizando o meu sigilo bancário, fiscal e telefônico.

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CVM troca informações com órgão dos EUA sobre investigação

O Globo - 25/11/2014

Executivos podem ser processados por lei americana; Petrobras recebeu notificação da SEC

 

João Sorima Neto
SÃO PAULO

 

O presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Leonardo Pereira, disse ontem em São Paulo que o órgão já está trocando informações com a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado de capitais americano, sobre as investigações de corrupção e desvio de recursos na Petrobras. Segundo ele, existe uma "via de duas mãos" entre as duas instituições, mas ele não detalhou quais informações já enviou ou recebeu da SEC.

Pereira disse que a CVM está pedindo informações constantemente à Petrobras sobre as investigações:

- A colaboração com a SEC é contínua. Isso existe entre nós e todos os outros órgãos reguladores, e acontece naturalmente. As informações sobre as investigações na Petrobras estão sendo repassadas à SEC, assim como eles também nos repassam informações. É uma via de duas mãos.

Os executivos da Petrobras presos na Lava-Jato podem ser também processados pela lei anticorrupção dos EUA, já que a empresa tem ações negociadas na Bolsa de Nova York.

A Petrobras informou ontem ter recebido no dia 21 uma notificação da SEC requerendo documentos. Eles serão enviados após um trabalho conjunto com o escritório nacional Trench, Rossi e Watanabe Advogados e com o norte-americano Gibson, Dunn & Crutcher, já contratados para fazer uma investigação interna independente.