Embora o Brasil seja dos poucos países emergentes com superávit primário nas contas públicas, os demais indicadores fiscais domésticos mostram uma situação bem menos favorável na comparação internacional. A expectativa de economistas consultados pelo boletim Focus é que o déficit nominal, conceito que inclui a despesa do governo com juros da dívida pública, alcance 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e caia um pouco, para 4,3% do PIB, em 2015.

É um resultado pior do que o observado, na média, na América Latina (-4% do PIB), nos países emergentes e de renda média (-1,9%) e no mundo (-3,2%). Para o Brasil, foram consideradas as projeções coletadas pelo Banco Central para o boletim Focus. As estimativas para os demais países foram feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no Monitor Fiscal divulgado no mês passado.

O endividamento, tanto bruto como líquido, também é superior no Brasil do que o observado em países semelhantes. "A dívida bruta do governo geral é quase 20 pontos percentuais maior no Brasil do que em outros países emergentes", diz Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria.

Em setembro, o indicador alcançou 61,7% do PIB, segundo o BC, número bastante superior à expectativa de endividamento do FMI para a América Latina (51,3%) e para os países emergentes (40,5%) em 2014. O FMI estima que a dívida bruta brasileira encerrará o ano em 65,8%, mas a metodologia inclui títulos do Tesouro na carteira do BC, o que é contestado pelo Brasil.

"Além da dívida maior do que seus pares, o problema no país é a equação de sustentabilidade desse endividamento", afirma Salto. Como o país gasta cerca de 5,5% do PIB ao ano com pagamento de juros, porque as taxas são mais altas do que os demais países emergentes, é preciso que o resultado primário, que exclui despesas financeiras, seja maior aqui do que em economias com endividamento maior, como na Europa.

Ou seja, um país com taxa de juros de longo prazo de 2% ao ano, com dívida bruta de 80% do PIB, pode fazer esforço fiscal pequeno e mesmo assim manter o endividamento estável, argumenta na mesma linha Carlos Kawall, economista-chefe do banco J. Safra.

Já o Brasil, com taxa de juros bem mais elevada, precisa de superávit primário bem maior para chegar ao mesmo objetivo. Como a economia para pagamento do serviço da dívida hoje é inferior ao necessário para estabilizar o endividamento, a necessidade de financiamento do pais, o deficit nominal, encostou em 5%.

"O superávit primário é uma conta de chegada para pagamento dos juros", afirma Kawall. Essa capacidade depende ainda do crescimento econômico (e aumento da arrecadação), variável que pesa contra o Brasil neste momento.

Essas fragilidades são percebidas pelo mercado financeiro e, depois de certa defasagem, sancionadas pelas agências de classificação de risco, observa José Julio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Não à toa, o Brasil tem hoje nota de avaliação de risco inferior à das maiores economias da América Latina, como México, Peru, Colômbia e Chile, de acordo com classificação da Standard & Poor's. "Comparado a outros países, passamos do ponto, com gasto público e carga tributária muito altos e crescimento econômico muito baixo", diz Senna.

Kawall, do Safra, também avalia que essa combinação - superávit primário estrutural baixo, redução do PIB potencial e taxa de juros real elevada - explica a rápida deterioração do endividamento do país neste ano e a consequente piora da percepção sobre a economia doméstica, na comparação com os demais emergentes.

Apenas neste ano, afirma Kawall, que foi secretário do Tesouro, a dívida bruta do governo deve aumentar cinco pontos percentuais, para 62% do PIB ao fim do ano. Para começar a "arrumar a casa", diz, o governo precisa focar no que está sob seu controle. "A variável que é possível controlar é o resultado primário", diz. Como elevar o esforço fiscal neste ano, que deve ficar próximo de zero, para algo entre 2% a 2,5% em 2015 - o necessário para estabilizar a relação entre dívida e PIB - não parece possível, será preciso de um plano mais longo.

"O programa de ajuste precisará mostrar como, nos próximos dois a três anos, vamos chegar a uma economia para pagamento do serviço da dívida que volte a ser suficiente para reduzir o endividamento", diz Kawall. A partir daí, com recuperação da confiança e do crescimento, abre-se espaço para a queda dos juros de longo prazo.

Salto, da Tendências, afirma que o ajuste fiscal precisará ser feito em etapas para não derrubar o crescimento. De toda forma, diz, não será indolor. "Argumentar que o ajuste não é recessivo não faz sentido, mas é necessário para voltar a crescer de forma mais equilibrada no médio prazo", afirma.

O economista acredita que o contingenciamento de despesas no próximo ano precisa ser próximo a R$ 65 bilhões para elevar o superávit primário para 1% do PIB. A maior parte desse corte, diz, deve ficar em gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e outras despesas de custeio.