No futuro, os carros vão se dirigir sozinhos. Mas, primeiro, as montadoras globais precisam convencer os motoristas que seus veículos podem realizar tarefas simples por conta própria, como mudar a estação de rádio ou fazer uma chamada telefônica.

O recorde de 50 milhões de recalls de carros registrado este ano pela indústria automobilística colocou em destaque problemas em sistemas mecânicos como interruptores de ignição, bombas de combustível e airbags. Olhando para o futuro, o setor enfrenta desafios igualmente complicados com os sistemas digitais, que estão ficando mais complexos e, em alguns casos, mais difíceis de usar.

Uma tecnologia criada originalmente para tornar os carros mais seguros é agora investigada em função dos problemas que tem causado. Sistemas de comando de voz e o software que os acompanham ficam desatualizados rapidamente ou não funcionam direito, gerando uma avalanche de queixas de consumidores e pesquisas questionando o quanto eles são realmente seguros.

As montadoras se apressaram em adotar esses sistemas de reconhecimento de voz já que reguladores, preocupados com a distração dos motoristas, passaram a proibir o uso de aparelhos por motoristas atrás do volante. O uso de celulares ao dirigir é ilegal em vários países; o uso de controle de voz “sem uso das mãos”, porém, é normalmente incentivado.

Mas o controle de voz pode apresentar muitas falhas e o esforço para fazê-lo funcionar muitas vezes leva o motorista a cometer imprudências no trânsito. Um estudo recente realizado pela Universidade de Utah descobriu que alguns sistemas de comando de voz podem provocar quatro vezes mais distrações do que simplesmente dirigir.

“Entre 80% a 90% dos acidentes são [causados por] erro humano”, diz Deborah Hersman, chefe do Conselho Nacional de Segurança dos Estados Unidos e ex-presidente do Conselho de Segurança do Transporte. “Por que iríamos querer introduzir mais um fardo cognitivo?”

Outros pesquisadores dizem que o setor não deveria interromper a adoção de controles de voz. Mesmo que a opção de ter as mãos livres eleve a sobrecarga sensorial, sua disponibilidade reduz a probabilidade de que motoristas escrevam mensagens de texto, procurem listas de músicas ou usem mapas em um smartphone que está balançando no joelho.

“Eu não diria que a ativação por voz é segura”, diz o pesquisador Bryan Reimer, do MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que recentemente estudou como os motoristas dirigem interagindo com os óculos computadorizados Google Glass. “Mas é mais seguro que a opção de usar os dedos”, diz ele.

Mesmo assim, há sinais de que os motoristas consideram esses aparelhos um incômodo.

A revista de análise de produtos “Consumer Reports” descobriu que problemas com sistemas de informação e entretenimento — reprodutores de música, navegadores da web e telefonemas via smartphones — são agora o principal motivo de queixas de donos de carros, superando falhas mecânicas ou o barulho do vento.

Outro estudo da firma de pesquisa de mercado J.D. Power and Associates descobriu que o volume de queixas sobre os sistemas de reconhecimento de voz embutidos é quase quatro vezes maior que o número de queixas sobre a transmissão ou os porta-copos.

“Reconhecemos que existe um amplo descontentamento com os sistemas atuais”, diz Glen DeVos, diretor da divisão de eletrônicos e segurança da Delphi Automotive PLC, fornecedora de tecnologia de veículos conectados.

O objetivo da Delphi é criar sistemas de voz que acertam os comandos pelo menos 95% das vezes e levam um segundo ou menos para processar uma instrução. Mas atingir essas metas exige que as montadoras invistam mais em microfones melhores e processadores mais velozes.

Uma empresa criadora de muitos sistemas de reconhecimento de voz para carros é a Nuance Communications Inc., que produz o software de reconhecimento de voz Dragon, amplamente usado para realização de ditados ou para operar computadores.

O vice-presidente da Nuance, Arnd Weil, diz que há iniciativas em andamento para melhorar a precisão dos sistemas de bordo. Engenheiros, por exemplo, estão agora gravando as vozes das pessoas enquanto dirigem em ruas agitadas em carros barulhentos, construindo um acervo de sotaques diversos em 20 línguas.

Ao contrário de smartphones, que são continuamente redesenhados e facilmente atualizados via internet, carros levam um longo tempo entre a fábrica e o consumidor final, o que significa que a tecnologia presente nos modelos hoje nas concessionárias pode já ter até cinco anos.

“Muita coisa já criada só vai chegar às ruas em uns dois anos”, diz Weil.

Para superar esse problema, as montadoras tentam tornar mais fácil para os motoristas usar os sistemas de comando de voz já existentes em seus telefones.

A Hyundai Motor Co, por exemplo, planeja oferecer o sistema CarPlay, da Apple Inc., em seu sedã Sonata 2015, permitindo aos motoristas interagir com aplicativos e recursos que já conhecem, como o sistema de comando de voz Siri. A Hyundai planeja oferecer o serviço Android, do Google, mais tarde.

Os pesquisadores da Universidade de Utah dizem que isso não eliminará o problema. Eles acham que o Siri cria uma carga de trabalho maior para os usuários que outros sistemas. Por exemplo, às vezes ele responde de forma diferente a comandos idênticos, ou comete erros como telefonar para a pessoa errada de sua lista de contatos.

A Apple afirmou, numa nota, que o estudo de Utah não testou a versão do Siri que foi adaptada para operar em carros através dos sistemas Siri Eyes Free ou CarPlay. “CarPlay e Siri Eyes Free intuitivamente usam os controles originais do carro, então você não precisa pegar o celular enquanto dirige. Esses serviços são desenvolvidos especialmente para que você tenha acesso a apps do iPhone otimizados para o carro e fazem sentindo na experiência automobilística”, informou a Apple.

Uma razão para que os sistemas de voz confundam comandos é que a voz do motorista está imersa no barulho dentro do carro. Para corrigir isso, as montadoras podem se apoiar em sistemas de supressão de ruído. “Isso é importante para nós”, diz Dinesh Paliwal, diretor-presidente da Harman International Industries Inc., cuja empresa é líder no setor de áudio para carros.

A Harman está desenvolvendo uma cortina de bloqueio sônico entre os assentos da frente e os de trás, que permitirá que os passageiros do banco de trás conversem em seus telefones sem que o motorista escute.