Entre os economistas prevalece uma sensação segundo a qual, pelo seu impacto e desdobramentos, a agonia da Petrobrás domina qualquer outra consideração econômica sobre o ano que passou e sobre o futuro próximo.

Parece claro que não temos aqui uma infelicidade, um vazamento de óleo ou um erro de engenharia, mas a síntese de um naufrágio, bem além da empresa, e aí está a grande revelação desse ano que termina. 

A Petrobrás foi a ponta de lança de uma experiência genética fracassada, pela qual o governo, com o intuito de confrontar o neoliberalismo, procurou introduzir no Brasil um cruzamento entre “capitalismo de estado” tipicamente asiático e “petropopulismo” de corte venezuelano. O Petrolão é apenas um aspecto especialmente odioso dessa fanfarronice.

Fomos todos ingênuos durante os debates que orientaram as escolhas macro e de modelos para o pré-sal, sobretudo durante a crise de 2008, quando prevaleceu a percepção de que o capitalismo estava agonizante, que só haveria crescimento nos Brics, onde, segundo se dizia, a teoria econômica convencional não funcionava.

Para o Brasil e para a Petrobrás em particular, esses ventos heterodoxos só produziram fracassos. Relativamente ao maior valor que atingiu, em maio de 2008, passando pela oferta pública global em 2010, a Petrobrás já perdeu R$ 610 bilhões em valor: nunca houve nada parecido em matéria de destruição de patrimônio público, e o New York Times sustenta que foi o maior escândalo de corrupção da História!

Os paralelos com a rocambolesca trajetória de Eike Batista existem nos números, no setor, nas contradições inerentes ao confronto entre sonhos e realidades, na confusão entre interesses públicos e privados, e talvez coisas piores sobre as quais é melhor não falar para não ser injusto com Eike. 

O modelo de exploração do pré-sal não precisava ter onerado tanto a Petrobrás com gastos de investimento da ordem de US$ 40 bilhões anuais, cerca de oito vezes a média dos cinco anos anteriores. Para que obrigá-la a gastar tanto dinheiro e a participar em todos os campos? Na aparência, a resposta caberia na filosofia estatizante do PT, um tanto deslocada das realidades financeiras da empresa e do País, mas justificável. Uma vez revelado o Petrolão, todavia, fica a dúvida sobre as reais motivações da preferência pelo estatismo.

A seguir, o próprio governo, à semelhança do que fazem nossos vizinhos bolivarianos, estrangula a geração de caixa da empresa subsidiando a gasolina, e a Petrobrás, como o Brasil, pôs-se a tomar empréstimos. A conta mal fechava com o petróleo a US$ 100, mas, de forma canhestra, o grande debate nacional, conduzido pelo presidente Lula, não era a racionalidade do arranjo, mas como dividir uma fortuna que ainda não existia. 

Mas a grande revelação do Petrolão não foi imprevidência, mas a rapinagem, diante da qual não há mais clima para nenhuma discussão conceitual sobre os “modelos” de intervenção do Estado na economia, e de exploração do pré-sal em particular. Como discutir requisitos de conteúdo nacional nos fornecedores depois do que se passou?

Como fomos ingênuos achando que a controvérsia era sobre o tamanho do Estado, a privatização e suas questões. Uma ilusão completa. Quanto maior o Estado e mais complexa a regulação, maior a corrupção. Quanto maior o autoritarismo, e mais viciada a democracia, maior a importância das máfias, e pior: a corrupção política não é uma falha de caráter de natureza individual, é crime organizado, por natureza. Seu fim ultrapassa a vantagem individual, pois seu objeto é o enriquecimento e o poder do grupo. 

As máfias são importantes nos modelos econômicos que se pretendeu copiar, qual a surpresa de vê-las operando na Petrobrás, o veículo eleito pelo governo para a nova realidade?

Felizmente, as instituições da democracia, liberdade e economia de mercado já estão suficientemente estabelecidas no Brasil para impor resistência ao crescimento de máfias partidárias. Imprensa livre e judiciário independente foram cruciais no episódio do mensalão, que lançou luz sobre o problema e assentou as bases para algo muito mais amplo, o Petrolão. Desta vez, todavia, não haverá mais dúvida sobre formação de quadrilha.

Entrementes, a situação da empresa alcança contornos ainda mais dramáticos em vista da queda do preço do petróleo. Diversos projetos alternativos de extração de petróleo se tornaram inviáveis, incluindo uma parte relevante da “revolução do xisto” nos EUA, bem como dos campos do pré-sal. É um rude golpe sobre o petropopulismo mundo afora, com amplas consequências na Rússia, na Venezuela, e na Petrobrás.

Gigante. A Petrobrás cabe perfeitamente na definição de “grande demais para quebrar”, de modo que o governo precisa se virar para tirá-la da encrenca em que a colocou. Parece impossível reequilibrar financeiramente a empresa nesse novo cenário sem rever o modelo do pré-sal, repensar o tamanho dos investimentos e a política de preços. O mundo é outro e a empresa está onerada por obrigações antieconômicas e atulhada de provisões a fazer pelos erros já cometidos. As necessidades de caixa, bem como as dificuldades com auditores, podem agravar a ameaça de insolvência, que terá que ser evitada por aportes do Tesouro, ou de bancos públicos, cuja dimensão, a essa altura, desafia prognósticos.

Diante de uma trapalhada deste tamanho, e de tamanha repercussão simbólica, tudo o mais se relativiza, todo o debate dos últimos anos sobre estatização e privatização, sobre as “alternativas ao neoliberalismo” precisa ser revisto, pois estávamos sendo enganados. 

 

Como atrair o investimento privado

 

Uma das maiores frustrações do atual governo é a débil evolução do investimento privado no Brasil. A formação de capital fixo sobre o PIB, em torno de 17%, não chega nem aos pés do que seria necessário sustentar nosso crescimento. O mais intrigante é que essa estagnação ocorreu simultaneamente a diversas medidas do governo que, à primeira vista, deveriam ter impulsionado os investimentos. O BNDES passou a emprestar (e tomar emprestado do governo) como nunca. Embora negligenciada sob Lula, a agenda de concessões à iniciativa privada foi retomada no governo Dilma. Como tanta carência em infraestrutura e tantas possibilidades de parceria público-privada nessa área, oportunidades para investimento no Brasil não deveriam faltar.

O que deu errado? A leitura do governo é que o cenário externo afugentou investimentos. Fala-se também de uma suposta má vontade dos investidores privados mesmo com tantos benefícios à sua disposição. Mas já é quase consenso que um dos principais fatores que tem represado os investimentos é o próprio governo. No primeiro mandato de Dilma, apesar da retomada das concessões, buscou-se tabelar o retorno dos projetos e forçar reduções de tarifas a contragosto dos investidores privados. Como consequência, a atratividade dos projetos se deteriorou via queda na lucratividade esperada e aumento nas incertezas sobre o seu fluxo de caixa futuro.

Para compensar os investidores pelo aumento de risco que ele próprio criou, o governo abriu a torneira e aumentou o volume de capital subsidiado via BNDES e outros mecanismos de investimento estatal (como o FGTS). Nem mesmo assim os investimentos reagiram. É só perguntar a qualquer empresário o que mais o preocupa em projetos com o setor público e a resposta continuará sendo o “risco governo” ou alguma variação sobre esse mesmo tema. 

Se aceitarmos esse diagnóstico, há uma série de ações que poderiam ser executadas e que poderiam animar os empresários a investir em projetos de interesse público. Primeiro, é preciso deixar o mercado funcionar. O governo, nem ninguém, tem capacidade de saber com exatidão qual deve ser o retorno de um dado projeto. Os leilões existem justamente para revelar esse tipo de informação por meio de um processo competitivo. E isso só é possível por meio de regras claras e estáveis, que tornem o projeto mais atrativo e com mais participantes. Nesse âmbito, é também fundamental uma ação antitruste ativa.

Segundo, e relacionado à necessidade de estabilidade de regras, é preciso reconstruir a capacidade governamental de regular projetos de concessão. Agências reguladoras devem ser fortalecidas, com mandato claro, blindagem política e gestão executada por técnicos de renome e reputação ilibada. O governo federal e os Estados devem também constituir agências especializadas na modelagem e monitoramento de projetos. Uma dissertação de mestrado que tive oportunidade de orientar, de Rogerio Thamer, encontrou que a presença dessas agências especializadas reduz significativamente o tempo entre o início de um projeto de PPP e a assinatura final do contrato. 

Terceiro, é preciso criar mecanismos que atem as mãos dos governantes de forma a evitar renegociações contratuais adversas e preservar a programação de todos os pagamentos devidos. Na lei das PPPs, já existe a figura dos fundos garantidores, criados pelos governos, que servem justamente a este propósito. Para aumentar a percepção dos investidores de que as garantias serão efetivas e executadas de forma célere, é também importante que esses fundos sejam compostos por ativos líquidos (por exemplo, títulos públicos) que permitam um pagamento automático ao investidor caso ocorra qualquer tipo de interrupção. 

Quarto, como forma de reduzir a dependência de capital público subsidiado, cuja conta aumenta a cada ano, é preciso buscar modelos inovadores de financiamento. Atualmente, qualquer que seja o projeto, a participação do BNDES é como que automática. Mas existem projetos que poderiam ser financiados unicamente com recursos privados ou com participação mínima de capital público. O modelo chamado de “project finance” se baseia no princípio de que o próprio fluxo de caixa do projeto poderia ser uma forma de garantia. Por exemplo, em uma concessão de aeroporto, as próprias receitas futuras com tarifas e atividades acessórias garantem o pagamento dos investidores. Para que esse mecanismo funcione, é só tirar de cena o risco governo e efetivamente garantir que não haverá intervenção adversa aos termos do contrato.

Finalmente, os governos podem inteligentemente aumentar a rentabilidade dos projetos remunerando os investidores caso consigam trazer impacto efetivo.