Com problemas de caixa, a Petrobrás optou por cortar investimentos, principalmente na perfuração novos poços, que consomem muito capital, e concentrou-se na produção de poços já existentes. Segundo executivos do setor, que não querem ter os nomes revelados, a medida pegou de surpresa fornecedores: provocou prejuízo em empresas que fizeram grandes investimentos, levou a demissões de profissionais qualificados e está desmantelando a ampla cadeia de negócios voltada à prospecção de novos poços.

A freada na perfuração fica clara quando se acompanha as sondas em alto mar - também chamadas de plataformas offshore. Os relatórios de operação das sondas de perfuração, divulgados pela Petrobrás e obtidos pelo Estado, mostram que 20 chegaram a perfurar novos poços de petróleo em janeiro de 2013. Na semana que passou, apenas 7 estavam nessa atividade. A maioria das sondas, 37 delas, atuavam na chamada completação, atividade que prepara o poço para produzir.

No relatório, constata-se que o número total de sondas de perfuração vem caindo. Chegaram a ser 80 em janeiro de 2013. Agora são 60. Muitas atuam em "outras operações", designação genérica que, para especialistas, sinaliza que elas podem estar paradas. Na semana passada, 14 faziam "outras operações".

Para a Petrobrás, manter os equipamentos parados pode ser uma boa economia. Por dia, apenas o aluguel da sonda varia de US$ 300 mil (para equipamentos mais antigos) a quase US$ 1 milhão (no caso de navios sondas mais modernas). Quando estão operando, os custos dobram. Para o prestador de serviço, porém, a locação pura e simples não é boa. Na maioria dos casos, o contrato prevê que o equipamento deve equivaler a 20% dos custos. Assim, se a sonda parar, o prestador de serviço fica sem 80% do valor previsto.

Pujança. A perfuração, principalmente em alto mar, é um dos segmentos mais dinâmicos do setor de petróleo. Inclui fabricantes e fornecedores de grandes equipamentos e centenas de pequenas peças, como brocas, válvulas, mangueiras e bombas, além de uma ampla estrutura de transporte, operação e manutenção das sondas.

A Petrobrás chegou a sinalizar a intenção de perfurar mil poços no País e atraiu as maiores do setor, como Schlumberger, Baker Hughes, Halliburton e NOV, que fizeram investimentos milionários, tiveram prejuízo e passaram a demitir. Ninguém previu que a estatal restringiria um setor de tamanha pujança. "Não sei se foi por planejamento ou falta dele, mas Petrobrás e governo - porque a decisão não foi técnica, mas política - está desmobilizando a cadeia de perfuração", diz Vandré Guimarães, secretário de Desenvolvimento Econômico de Macaé, município símbolo do setor de petróleo e que agora sente a retração da atividade.

A estratégia de focar na produção e frear a perfuração teve início em meados de 2012. Na época, o lucro líquido da Petrobrás caía e a estatal já sentia os efeitos do congelamento do preço do combustível, iniciado em 2011. De lá para cá, expectativas de contratos se frustraram e licitações foram adiadas. "Funcionários da Petrobrás explicam que é preciso produzir o máximo para fazer caixa com a venda de petróleo e trocar o óleo cru por gasolina", diz um executivo com 30 de atuação na área.

A estatal, de fato, elevou a produção, mas os indicadores financeiros não melhoraram e o futuro da cadeia está em xeque. "Sondas foram enviadas a outros países, pessoal qualificado está migrando e a Petrobrás perdeu credibilidade: vai ser mais difícil e caro remontar a cadeia no futuro", diz um executivo.

Emprego. No setor, estima-se que mais de 5 mil tenham sido demitidos na área de perfuração. O Sindicato dos Trabalhadores Offshore do Brasil não consolidou os dados, mas faz 20 rescisões por dia. Entre os demitidos mais qualificados, sair do Brasil é uma opção. Um deles diz que há consenso entre os colegas que o escândalo da Lava Jato vai retardar a recuperação do setor e tenta uma vaga em Houston, no Texas.

Em nota, a Petrobrás informou que aumentou a demanda por serviços de intervenção em poços, "compensando eventual redução cíclica dos serviços utilizados para as atividades de investimentos da produção (perfuração e completação de poços)." Destacou que o plano de negócios de 2014 a 2018 prevê investimento de US$ 23,5 bilhões na atividade exploratória e de US$ 130,4 bilhões no desenvolvimento da produção.

 

Macaé é retrato das perdas que o setor de petróleo vem sofrendo

 

Macaé, cidade do litoral do Rio de Janeiro, conhecida como capital do petróleo, tornou-se uma espécie de síntese da crise vivida pela cadeia de fornecedores da Petrobrás. “Aqui empresas fecharam as portas. Mesmo com o preço dos imóveis caindo, o número de placas de aluga-se e vende-se aumentaram. Bares, restaurantes e hotéis registram queda no movimento”, resume Vandré Guimarães, secretário de Desenvolvimento Econômico do município.

Um dos negócios mais afetados é o de hospedagem. Macaé tem a segunda mais rede hoteleira no estado. Com 5 mil leitos, só perde para a capital. Historicamente, desde que foi elevada de vila de pescadores a polo de operações da Petrobrás, nos anos 80, conseguir um quarto de hotel sempre foi uma dureza. Há um ano, quem não fizesse reserva corria o risco de dormir na rua porque as empresas reservavam hotéis inteiros de segunda a sexta-feira. “O movimento caiu 25% neste ano e hoje é fácil encontrar vagas em qualquer dia da semana”, diz Marco Aurélio Gomes Maia, proprietário do Glória Garden e diretor de hotelaria do Macaé Convention & Visitors Bureau.

Na orla, os restaurantes e bares do Polo Gastronômico da Praia dos Cavaleiros, ponto preferido pelos funcionários de empresas que passam a semana na cidade, a queda do movimento é estimada entre 8% e 10%. Só não foi maior porque, com a chegada dos meses quentes, o turismo de lazer agora cobre parte dos prejuízos do tradicional turismo de negócios.

No varejo, 15% das lojas fecharam e a crise é dupla. O comércio sentiu a perda do movimento na cadeia do petróleo e ainda sofre os efeitos da desaceleração da economia nacional. “O próximo ano pode ser pior, pois muitas empresas do setor de petróleo estão fechando”, diz a empresária Márcia da Costa, proprietária das loja Babuska, na esquina da Rui Barbosa com a Silva Jardim, coração do comércio de rua. O que amenizou as perdas do ano, segundo Márcia, foram as promoções conjuntas, improvisadas por um grupo de 33 lojas. A ideia é manter a agenda de liquidações.

Após o Carnaval. O clima é de expectativa em relação a 2015 principalmente na Praça Veríssimo de Mello. O local é conhecido como “praça dos desempregados” por ser ponto de encontro entre os que busca informações sobre vagas no petróleo. “Dizem que é preciso passar o carnaval para as coisas se definirem”, explicou o baiano Ernesto Ribeiro do Santos, 46 anos, no meio de um grupo de oito desempregados, todos da área de perfuração. Nos 18 anos em que trabalha no setor é a primeira vez Santos que fica seis meses sem emprego. A espera exige paciência e disciplina. O técnico Hassan Iddi Haji, da Tanzânia, há 4 anos em Macaé, é um dos milhares de estrangeiros atraídos pelo petróleo. Foi demitido há cinco meses e espera dias melhores em 2015. Na quarta-feira, estava na fila do restaurante popular, que cobra R$ 1 por refeição, para esticar o dinheiro da rescisão.