Operação Gringo: quando o PCB era a maior ameaça para o regime militar

Ditadura perseguiu e matou líderes comunistas para desmantelar partido e justificar aparato

POR CHICO OTAVIO E RAPHAEL KAPA
25/11/2014 6:00 / ATUALIZADO 25/11/2014 19:39
 

Vladimir Herzog foi uma das vítimas da ditadura militar - Reprodução

RIO - Com a luta armada no campo e nas cidades praticamente extinta em 1974, o Centro de Inteligência do Exército (CIE), um dos mais atuantes órgãos da repressão no regime militar, voltou sua artilharia para um inimigo desarmado: o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que defendia a redemocratização do país pela via pacífica. As motivações que fizeram os militares empreenderem uma verdadeira devassa no partido, perseguindo suas principais lideranças até o desaparecimento de mais de 25 comunistas, eram desconhecidas até então. Informações extraídas do relatório da Operação Gringo, descoberto pelo Ministério Público Federal na casa do tenente-coronel Paulo Malhães e revelado pelo GLOBO no último domingo, mostram que o PCB era visto como a principal ameaça à ditadura após a aniquilação da esquerda armada.

“O Partido Comunista Brasileiro representa, a longo prazo, a organização subversiva que proporciona maior perigo às instituições democráticas brasileiras”, afirma o relatório Operação Gringo/Caco, de 31 de dezembro de 1979.

Uma das justificativas para eleger o PCB como o novo inimigo número 1 é a própria trajetória do partido. Por ter membros com mais experiência e considerados mais “capazes”, os comunistas eram vistos como a principal ameaça. A experiência com a clandestinidade, o apoio externo de Moscou e o alto nível organizacional também são citados como argumentos que justificam a tese dos militares. A penetração que a sigla teve em grupos políticos foi vista com receio pelo CIE.

“Nos últimos anos, em que o peso da repressão recaiu sobre as organizações de esquerda radical, o Partidão soube tirar proveito dessa ação divisionária e ampliar suas bases, particularmente junto aos sindicatos rurais e urbanos”, afirma o relatório.

Os membros da inteligência do Exército pregavam que os comunistas elaboraram uma campanha para dividir os militares, insinuando oposição entre o Alto Comando e a Presidência e pregando que os militares deviam se posicionar entre aqueles comprometidos com os “crimes da ditadura” e aqueles que a negavam.

 

PERSEGUIÇÃO É CITADA EM RELATÓRIO

O desmantelamento das principais lideranças é citado indiretamente no documento: “O fato de o Comitê Central do PCB ter conseguido realizar duas reuniões dentro do prazo estatutário, ainda que no exterior, é um indicativo seguro de que o partido já se refez dos duros revezes sofridos em 1975/1976”, informa.

— A população ficou dividida entre aqueles que apoiavam as ditaduras militares e os que se opunham. Não se fazia distinção entre aqueles que meramente criticavam os regimes e os que pegavam em armas. Toda uma geração de líderes e intelectuais foi, então, dizimada. Partidos políticos, sindicatos, organizações estudantis e organizações de direitos humanos foram banidas e perseguidas — afirma o professor de História das Américas da UFRJ Wagner Pinheiro.

Uma dessas vítimas foi o jornalista Vladimir Herzog, militante do PCB encontrado morto em 25 de outubro de 1975. As autoridades afirmaram que o jornalista teria se enforcado, tese que foi negada posteriormente.

O monitoramento, no exterior, de integrantes do PCB foi o mais extensivo entre os grupos e partidos acompanhados pela Operação Gringo. Por meio de infiltrações, a inteligência brasileira conseguiu seguir as lideranças comunistas brasileiras que estavam na União Soviética, na Tchecoslováquia, na França, na Argentina, na Hungria e na Alemanha Oriental. O relatório conta também a mudança nas infiltrações

“Os infiltrados disponíveis, para atualização dos acontecimentos, estão passando por um período de ‘desqueimação’, face aos erros operacionais do passado”.

A ação de cooperação entre brasileiros e argentinos começou com a prerrogativa de desmantelar bases de oposicionistas da Argentina no Brasil que pudessem elaborar uma contraofensiva ao país. Porém, como demonstra o relatório da operação, a visão sobre a atuação dos estrangeiros mudou drasticamente: “Ainda julgávamos estar trabalhando em um problema de estrangeiros atuando para fora e que éramos sede de uma conspiração internacional. Hoje, sabemos que estrangeiros e nacionais estão operando contra nós, isto é, somos o alvo e o objetivo. Deixamos de ser ponto de irradiação, para ser o centro convergente de toda a situação das esquerdas internacionais”, afirma o documento. A mudança de posição está mais relacionada à situação interna do Brasil do que à externa. Com a aniquilação das lutas armadas urbana e rural no Brasil, era necessário encontrar um novo inimigo que justificasse o alto custo do aparato da inteligência brasileira.

— É a lógica dos serviços de inteligência de todo o mundo. Você infla o inimigo para justificar sua existência — afirma o professor de História do Brasil da Uerj e da UFF Marcus Dezemone.

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MPF vai abrir inquérito para investigar morte de embaixador em 1979

José Jobim foi encontrado morto depois de revelar, na posse do presidente João Figueiredo, que escreveria um livro com denúncias de corrupção na hidrelétrica de Itaipu

POR LETICIA FERNANDES
24/11/2014 18:56 / ATUALIZADO 25/11/2014 8:11
 

RIO - O Ministério Público Federal vai abrir inquérito civil para apurar as circunstâncias da morte do embaixador José Jobim, sequestrado no Cosme Velho, no Rio, em março de 1979. Ele foi encontrado na Barra da Tijuca dois dias depois, com uma corda amarrada no pescoço, os joelhos apoiados em uma pedra e os pés encostados no chão. A abertura de inquérito foi requerida nesta segunda-feira pelo Instituto João Goulart.

Na época, o delegado Rui Dourado, que entrou no caso a pedido do embaixador Pio Correa, concluiu que Jobim tinha se suicidado sem sequer abrir inquérito para investigar o caso. Segundo relato da advogada Lygia Jobim, filha do embaixador, uma semana antes de sua morte, ele foi a Brasília para a posse do presidente João Figueiredo — o amigo Saraiva Guerreiro havia sido nomeado ministro das Relações Exteriores do general. Lá, mencionou estar escrevendo um livro no qual relataria esquemas de corrupção na hidrelétrica de Itaipu. Disse ainda ter fartas provas do que estava dizendo. Anos antes, José Jobim tinha ido ao Paraguai em missão especial para acertar a compra das turbinas da hidrelétrica, fornecidas pela empresa Siemens. Além das turbinas, a Siemens também forneceu outros materiais para Itaipu.

— Eu posso afirmar que quem matou meu pai foi Itaipu. Quem destruiu as provas foram os agentes do estado brasileiro. Eu quero o reconhecimento de responsabilidade. Em Itaipu, foi gasto nove vezes mais ferro e vinte vezes mais concreto do que na construção do euro túnel. Cadê isso? — questionou Lygia Jobim.

RUI DOURADO AJUDOU A MONITORAR EXILADOS BRASILEIROS

A família questiona a relação do delegado responsável pelo caso com Pio Correa, que era presidente da Siemens em 1979. Dourado trabalhou com Correa na embaixada do Uruguai em 1964, ajudando-o na investigação do Centro de Informações do Exterior (Ciex), idealizada pelo embaixador no Itamaraty, e que monitorava exilados brasileiros no mundo inteiro.

Segundo Lygia, a documentação que provava as irregularidades em Itaipu ficava guardada na casa de José Jobim, em uma mala xadrez. Três anos depois, Lygia e sua mãe, a embaixatriz Lygia Collor Jobim, reabriram a mala e viram que os papeis tinham sido roubados.