A falta de competitividade está afastando cada vez mais a indústria detransformação de novos investimentos capazes de revigorá-la. Estudo produzidopela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que o setorestá perdendo participação nos desembolsos do BNDES este ano. Depois de terchegado a 46% em 2010 - último ano em que a indústria nacional cresceusignificativamente, acima dos 10% -, a participação do setor de transformaçãorecuou para 25% dos recursos liberados no primeiro semestre deste ano, conformelevantamento do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp(Decomtec). De 2009 para cá, a margem líquida da indústria caiu de 7,7% emmédia para 2,6% (em 2012, último dado disponível).

A queda do investimento foi puxada pelas grandes empresas industriais, quefecharam o semestre com 19% de participação nos desembolsos. "A culpa nãoé do BNDES", explica José Ricardo Roriz, diretor do Decomtec. "Se nãofosse o banco, a queda dos investimentos seria ainda maior." Roriz culpa ocenário econômico especialmente danoso para o setor. "Os juros são altos,o spread bancário é elevado, isso tudo inviabiliza o investimento, junto com aburocracia e a insegurança jurídica", diz.

O câmbio desfavorável - pelo menos durante o primeiro semestre, com acotação do dólar em torno de R$ 2,30 - e o custo Brasil aparecem, como sempre,entre as principais causas da perda de competitividade na visão da Fiesp. Aárea técnica do Decomtec estima que o real passou o primeiro semestre comvalorização de 13%. O departamento utilizou o "índice Big Mac", darevista "The Economist" com parâmetro.

O BNDES admite que os números da Fiesp refletem a realidade. Os dados dedesembolso divulgados pelo banco na sexta-feira indicam que de janeiro asetembro o volume de recursos destinado à indústria caiu 13% em relação aomesmo período de 2013. Para o diretor de Planejamento do banco, João CarlosFerraz, a indústria perder participação no PIB não é uma situação diferente doque ocorre em outros países. "O Brasil passou por um processo recente deinclusão social e tem um nível de emprego elevado, com 78% de trabalhadoresformalizados", diz Ferraz. "Isso tem um peso no custo de mão de obra.Não explica totalmente, mas dado o perfil de qualificação da mão de obra, écompreensível a perda de competitividade." Segundo ele, o país vem de umademanda por serviços de baixa produtividade - o que impulsiona o segmento - epor bens duráveis.

A situação tem feito com que o crescimento da renda observado nos últimosdez anos tenha sido inócuo para a indústria nacional, diz Roriz. A maior partedo crescimento de renda foi apropriada por importados. Pelas estimativas doDecomtec, o consumo de bens duráveis importados subiu 89,3% em 2013, levando aimportação a responder por 25% do total dos bens duráveis consumidos no país.

Ferraz, do BNDES, concorda que o consumo de bens duráveis vem sendo supridopor importações e acredita que as condições de competição da indústria deoutros países, principalmente asiáticos - em especial China - está dando aoconsumidor acesso que antes ele não tinha a uma série de produtos. Mas, na suavisão, "a capacidade competitiva da indústria brasileira foi comprometidadentro das próprias empresas", com baixos níveis de produtividadedecorrentes, entre outros fatores, da idade média elevada dos bens de capital edo baixo volume de investimentos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação."Tudo isso deixou a indústria brasileira muito limitada", comenta. Deacordo com a Associação Brasileira daIndústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a idade média das máquinasem operação no Brasil é de 17 anos - ante quatro a sete anos nos paísesdesenvolvidos e menos que isso em parte da indústria chinesa.

"Para a indústria voltar a investir, é preciso retomar acompetitividade", defende Roriz. "O problema da indústria é que ocusto de produzir no brasil é 34,2% maior que lá fora. Exportar fica caro. Comovocê vai atender o mercado doméstico e exportar com esses custos?",questiona. De acordo com o diretor da Fiesp, o que o setor tem feito são gastos"defensivos", para reduzir custos pontualmente e baratear a produção.Com esse cenário, a Fiesp projeta para o ano uma queda da participação daindústria no Produto Interno Bruto (PIB) dos 13% de 2013 para algo entre 12% e12,5%. A taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) deve recuar de18,2% em 2013 para 17,1% este ano, projeta o estudo.

"A indústria já vem perdendo participação relativa no PIB há oito ounove anos", comenta Margarida Gutierrez, professora do Coppead, a escolade negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "É umprocesso normal que decorre em parte do fato de a economia estar fragilizada eem parte pela perda de competitividade."

Segundo ela, o Brasil vive o fenômeno da "desindustrializaçãoprecoce", porque a perda de competitividade da indústria está se dandoantes de o país ostentar renda média suficientemente elevada para justificar amigração da produção para outros mercados. "O país vem de um longo períodode apreciação cambial, o que expõe a indústria aos importados com maisrigor", comenta. Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se mantém comapenas 1% das exportações mundiais - e perdendo terreno -, enquanto a China,que há 30 anos tinha 1%, hoje tem 17%.

O aumento recente da renda, diz, acabou sendo desviado para fora do país."Quem capturou o aumento do consumo ocorrido no Brasil nos últimos dezanos foram os produtos importados", afirma Roriz. "Basta ver ocrescimento das vendas do varejo versus a produção. As vendas cresceram, asimportações cresceram e a produção caiu." Pelo estudo da Fiesp, aparticipação dos importados no crescimento do consumo foi de 40% entre 2008 e2010. Os importados absorveram 100% do crescimento em 2011. Na estimativa quefez para o ano passado, a Fiesp calcula que 89,3% do crescimento do consumo foidestinado a importados.

Com esse conjunto de fatores, a Fiesp não vê possibilidade de crescimentofuturo da indústria. A perspectiva é de encolhimento de aproximadamente 2% aoano.

"Financiamento pelo BNDES pode ser importante caso a caso, mas não é asolução para a falta de investimento na indústria transformadora a nívelmacro", comenta Carlos Braga, professor da escola de negócios suíça IMD eex-diretor do Banco Mundial. "Na verdade, a principal contribuição que ogoverno pode fazer nessa área é dar mais agilidade aos financiamentos pararesolver os gargalos de infraestrutura e manter o ajuste do ambiente macro(como inflação sob controle e transparência nas contas públicas)".

De acordo com ele, falta principalmente confiança ao setor privado parainvestir. Braga acredita que a questão cambial é crucial. Em suas contas,"o real continua relativamente sobrevalorizado, na faixa de 5% a 15% emcomparação com parceiros comerciais relevantes, mas a situação temmelhorado".

Na visão de Margarida, do Coppead, de 2011 para cá a produtividade nãocresceu, mas os salários aumentaram, resultando em mais perdas deprodutividade. Para ela, a indústria brasileira tem até demorado a cortarpessoal face a situação. Começou a demitir este ano, com corte de cerca de 3%do pessoal empregado, mas ainda não cortou tanto quanto precisava. Um dosmotivos é o alto custo de contratação e qualificação no setor. Segundo estudoda própria Fiesp, demitir um funcionário e depois recontratá-lo erequalificá-lo equivale a até nove vezes o valor do salário desse profissional.

Braga considera que a reversão do quadro passa por um choque de competição:é preciso aumentar a exposição brasileira à economia mundial - com o queMargarida concorda -, reorientar a política industrial, melhorar ainfraestrutura e o acesso ao crédito.

Ferraz acredita que é hora de rever o modelo de incentivo à indústria. Eleentende que o país tem uma oportunidade única de investir em atividadesindustriais que atendam a necessidade, como a área de insumos básicos paracomunicação (internet, cuja baixa velocidade no Brasil abre perspectiva para a melhoria do serviços, e telefonia 4G).