Reunião da comissão criada para debater o Estatuto da Família. Relator, Ronaldo Fonsecva (Pros-DF), quer proibir a adoção por casais homossexuais (Lucio Bernardo Jr. /Câmara dos Deputados) 
Reunião da comissão criada para debater o Estatuto da Família. Relator, Ronaldo Fonsecva (Pros-DF), quer proibir a adoção por casais homossexuais

Protesto contra o PL 122: criminalização da homofobia parada nas eleições (Monique Renne/CB/D.A Press - 1/6/11) 
Protesto contra o PL 122: criminalização da homofobia parada nas eleições 

Além da gazeta generalizada e da falta de produtividade em 2014, parlamentares não hesitaram em arrastar assuntos polêmicos em comissões do Congresso. Em ano eleitoral, deputados e senadores abusaram de recursos regimentais para adiar a apreciação de propostas que poderiam custar votos. Assuntos como a criminalização da homofobia e a legalização do porte de armas prometem esquentar o debate na próxima legislatura, principalmente, com o aumento da entrada de parlamentares da linha conservadora. No ano que vem, a Câmara, por exemplo, terá o maior número de novos representantes desde as eleições de 1998. Foram eleitos 198 deputados que nunca exerceram mandato, o que corresponde a 38,6% do total de 513 parlamentares. 

Mesmo na última semana de atividades do Congresso, quando parlamentares correram para aprovar preposições, as pautas polêmicas continuaram estacionadas nas comissões sem avançar para a Mesa Diretora. Na última quarta-feira, por exemplo, houve o cancelamento pela terceira vez da reunião da comissão especial que analisa a proposta do Estatuto da Família. O Projeto de Lei 6.583/13, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), define família como o núcleo formado pela união entre homem e mulher, inclui a disciplina Educação para a Família no currículo escolar e modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) para proibir a adoção de crianças por casais homossexuais.

A maioria dos integrantes da comissão especial aprova o texto do relator Ronaldo Fonseca (Pros-DF), favorável ao projeto. A resistência parte das bancadas do PT e do PCdoB. As deputadas Erika Kokay (PT-DF) e Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) usaram vários recursos para obstruir os trabalhos, como pedidos de leitura da ata e questões de ordem. Erika apresentou 11 emendas por meio das quais tenta retirar do texto os pontos mais polêmicos. “(As emendas são) para tirar o caráter absolutamente homofóbico que o projeto tem. Esse parecer do relator é um verdadeiro manifesto a favor do ódio homofóbico e da exclusão de parcela significativa da sociedade brasileira. Nós temos vários arranjos familiares e todos têm de ser considerados”, disse a deputada. O deputado Ronaldo Fonseca já adiantou, no entanto, que não acatará nenhuma das emendas apresentadas a seu substitutivo. “Vou me manifestar recusando todas porque ferem o mérito. Vou rejeitar todas”, declarou.

Para o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, o Toninho, os parlamentares “enrolaram” para não se manifestar sobre assuntos polêmicos. “Isso é o que acontece em ano eleitoral. Ninguém quer se comprometer”. Toninho avalia que diante do aumento de bancadas de perfil conservador, debates sobre a descriminalização do aborto, a criminalização da homofobia e o casamento gay têm pouca chance de serem retomados pelo Congresso que toma posse em fevereiro de 2015.

Parte consistente do conservadorismo, segundo o diretor, virá da bancada evangélica. Ele estima que o número de religiosos desta corrente deve crescer em relação aos 70 deputados eleitos em 2010. “A bancada evangélica vai ficar um pouquinho maior, mas com uma diferença: nomes de maior peso dentro das igrejas para melhor coordenar e articular os interesses desse segmento junto ao Congresso”, diz. Entre essas lideranças, o Diap já identificou 40 bispos e pastores.

Máscara eleitoral
Preocupado com o risco de ficar sem nenhum apoio de evangélicos na campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014, o governo também orientou a base no Senado a ceder ao desejo dos religiosos e não votou neste ano o projeto que criminaliza a homofobia. Ainda mais porque a candidata competia com Marina Silva (PSB) e com o Pastor Everaldo, que atraiam mais os votos deste público. 

No fim de 2013, a proposta foi vinculada ao projeto de criação do novo Código Penal para dificultar a tramitação. “O PL 122 não foi aprovado na CDH (Comissão de Direitos Humanos) e foi apensado à discussão do Código Penal. Para mim, uma manobra procrastinatória. Fica evidente que foi apensado para não ser votado. Enquanto isso, milhares de pessoas são vilipendiadas”, protestou a senadora Marta Suplicy (PT-SP), na semana passada.

Com o fim das eleições, o entendimento da base aliada. O relator do Código Penal na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), recomendou na última quarta-feira que o projeto que criminaliza a homofobia (PLC 122/2006) volte a tramitar de forma independente.

Barrados 

Confira projetos polêmicos que não conseguiram nem chegar a votação nos plenários da Câmara e do Senado nesta Legislatura:

Estatuto do desarmamento
» O Projeto de Lei 3.722/2012, de autoria do deputado Rogério Peninha (PMDB-SC), retira as restrições do atual estatuto ao porte particular de armas por civis e cria normas para a comercialização delas e das munições. Ainda não foi feita a apreciação do relatório na comissão especial, criada para discutir o projeto, na Câmara.

Estatuto da Família
» O Projeto de Lei 6.583/2013, de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), cria uma definição de família como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher. O relator Ronaldo Fonseca (Pros-DF) inseriu no texto outro dispositivo polêmico: o substitutivo proíbe que casais gays adotem crianças. O parecer do relator não foi sequer lido na comissão especial na Câmara.

Novo Código Penal
» O projeto de Lei 236/2012 trata de temas como a descriminalização do uso de drogas; a ampliação das possibilidades de aborto pela mulher e o aumento de penas para assassinatos motivados por homofobia. Ainda não foi feita a votação do relatório na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado.

Natal em família para Cunha
Condenado a 6 anos e 4 meses no processo do mensalão e preso em Brasília, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) poderá viajar a São Paulo para passar as festas de fim de ano com a família. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu no último sábado um pedido movido pela defesa de Cunha e autorizou o petista a passar sete dias na residência de familiares para o Natal ou para o ano-novo. O endereço deverá ser informado à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, que também estabelecerá as condições para o deslocamento.

Campanha premiada
No fim de novembro, a equipe da editoria de Cidades do Correio foi anunciada como vencedora da categoria Reportagem Regional Centro-Oeste/Norte do 15º Prêmio Imprensa Embratel/Claro pela série de reportagens Vai trabalhar deputado. Durante cerca de um mês, o jornal apontou o descaso dos deputados distritais que se ocupavam apenas com agendas eleitorais e pouco produziam. Em pleno ano eleitoral, e dedicando mais tempo às campanhas, os parlamentares locais oficializaram a “gazeta” e definiram as terças-feiras como único dia da semana para votações. O Correio passou a noticiar, então, a baixa produtividade: o desempenho dos deputados era o pior em um início de ano desde o começo da legislatura, em 2011. A campanha #vaitrabalhardeputado se espalhou pelas redes sociais e os distritais acabaram desistindo da ideia.

"Esse parecer (do Estatuto da Família) do relator é um verdadeiro manifesto a favor do ódio homofóbico e da exclusão de parcela significativa da sociedade brasileira. Nós temos vários arranjos familiares e todos têm de ser considerados” 
Maria do Rosário, deputada (PT-RS)