Um grupo de procuradores e policiais federais se reuniu em segredo, durante cerca de três meses, para tentar negociar um acordo que acabasse com as divergências recorrentes entre o Ministério Público e a PF quanto à condução de investigações criminais no país. O objetivo era chegar a um acerto em torno de um dos casos mais importantes em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF): o poder investigatório do MP.

A ideia de buscar uma solução conjunta veio da cúpula das duas instituições e foi mantida a sete chaves. Inicialmente, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entrou em contato com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Depois, a ideia foi levada ao diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra. A Procuradoria-Geral da República e a PF indicaram então representantes para buscar uma saída própria para o assunto. "Nós tentamos um diálogo maduro sobre o sistema de investigação para que ele tenha funcionalidade", disse ao Valor uma fonte que acompanhou as negociações. "Várias propostas foram feitas para superar as disputas entre as duas classes. Não se trata apenas de uma disputa corporativa entre as instituições. É um caso maior. Poucas questões são mais sensíveis numa sociedade do que o processo de investigação criminal."

A intenção era evitar que uma solução fosse imposta diretamente pelo Congresso, através de proposta de emenda constitucional ou projeto de lei, ou pelo STF, por meio de um julgamento. O grupo de policiais e procuradores chegou a traçar um esboço definindo parâmetros de atuação de cada órgão nas investigações criminais. Mas ao fim de três meses, não se chegou a um acordo. "O diálogo não andou", limitou-se a dizer uma fonte.

Essa foi a segunda vez que procuradores e policiais tentaram uma saída para o impasse - a diferença foi que a investida mais recente ocorreu em sigilo entre a cúpula das duas instituições.

No ano passado, o Ministério da Justiça já havia tentado intermediar, sem sucesso, um consenso entre policiais e membros do MP quanto ao papel de cada órgão na investigação criminal.

Um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério durante as discussões no Congresso da polêmica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que limitava o poder do MP de apurar crimes. Representantes de associações de delegados e de procuradores integraram o grupo.

Os representantes chegaram a produzir um texto final que permitia a investigação do Ministério Público em situações "extraordinárias". Mas as negociações pararam quando não houve consenso quanto às situações que seriam classificadas dessa forma, e os integrantes do Ministério Público rejeitaram a proposta final.

Paralelamente, a PEC 37 acabou rejeitada em junho pelo plenário da Câmara, em meio a manifestações populares que adotaram como bandeira o pleito do MP contra a emenda. A esperança quanto a uma solução sobre o assunto foi jogada novamente nas mãos do STF.

Neste ano, integrantes do Supremo chegaram a ser comunicados sobre as conversas entre a cúpula do Ministério Público e da Polícia Federal para buscar uma saída para o sistema de investigação criminal do país. Caberá ao presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, recolocar na pauta do tribunal dois processos que discutem como deve ser a atuação do Ministério Público na apuração de crimes.

A decisão terá implicações em todas as investigações do país e, por isso, os ministros do STF estão discutindo inclusive como modular os efeitos da sentença - se valerá para todos os casos passados ou apenas para os futuros.

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Julgamento depende de indicação ao STF

Valor Econômico - 24/11/2014

Juliano Basile e Maíra Magro

O julgamento do poder investigatório do Ministério Público ficará suspenso até a presidente Dilma Rousseff fazer a indicação de um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF). A avaliação interna na Corte é a de que o caso é muito complexo e que há pelo menos três correntes divergentes nos votos proferidos até aqui, razão pela qual a definição deve ser feita com o quórum completo do tribunal, que é de 11 integrantes. Só assim seria possível uma decisão mais sóbria e menos dispersa num tema que é um dos mais importantes da Corte.

O STF está desfalcado desde julho, quando o então presidente da Corte, Joaquim Barbosa, decidiu antecipar a sua aposentadoria. Naquela ocasião, a presidente Dilma Rousseff não fez a indicação de um substituto para a vaga de Barbosa porque preferiu aguardar o término da campanha eleitoral. Agora, o nome do futuro ministro do Supremo não foi decidido, pois o governo está no meio da formação do novo ministério na qual vários cargos permanecem em discussão.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, é um dos mais fortes candidatos do Palácio do Planalto para o STF, mas, dados os desdobramentos da Operação Lava-Jato, pode ser convocado pela presidente a permanecer no cargo de modo a auxiliar o governo frente aos avanços das investigações.

O STF está há mais de dez anos para decidir se o Ministério Público tem o poder de fazer investigações complementares à polícia. Essa decisão será tomada em vários processos, mas um deles tem fortes implicações políticas. Trata-se de um habeas corpus de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, suspeito de participação na morte de Celso Daniel, então prefeito de Santo André, em janeiro de 2002. Sombra estava no carro de Daniel, quando ele foi perseguido e morto. Na época, o prefeito era cotado para coordenar a campanha presidencial do PT naquele ano, função que foi transferida a Antonio Palocci.

A polícia concluiu que houve crime comum: sequestro seguido de morte. O MP reabriu o caso. Os advogados de Sombra alegaram que a atuação do MP no processo teria sido ilegal por ter refeito um trabalho que seria de competência da polícia.

No STF, o caso entrou e saiu da pauta várias vezes. O julgamento está ocorrendo a contas gotas, com vários pedidos de vista e contém votos de ministros que já se aposentaram há anos, como Sepúlveda Pertence. A última vez que entrou na pauta foi em 19 de dezembro de 2012, quando o tribunal estava concluindo o julgamento do mensalão.

Os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello defendem que o MP pode fazer investigações criminais, mas deve seguir as regras do inquérito policial. Cezar Peluso, que já se aposentou, alegou que o MP só pode investigar em casos excepcionais, como crimes cometidos por policiais ou em falhas dessa corporação. Por fim, Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto, que também se aposentaram, votaram a favor da concessão de amplos poderes ao MP para fazer investigações criminais.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, pediu vista para analisar o caso de Sombra e Marco Aurélio Mello fez o mesmo para avaliar outro processo sobre o mesmo assunto. Com isso, a tese sobre o poder de investigação do MP não foi definida por dois pedidos de vista em processos diferentes.

A indefinição de Dilma quanto à vaga no STF também impede a conclusão de outros julgamentos importantes, como as ações em que correntistas pedem ressarcimento de bilhões de reais ao governo por causa da edição de planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, não há quórum para votar a constitucionalidade dos planos - situação que só será alterada com a indicação do substituto de Joaquim Barbosa.