O governo brasileiro está apresentando uma proposta revolucionária de diferenciação dos países por metas de redução de emissões de gases-estufa. A proposta, se aprovada, pode superar um dos impasses na negociação do novo acordo climático global a ser fechado em Paris, em 2015. Quebra, também, um tabu nas negociações climáticas internacionais: pela primeira vez propõe-se uma diferenciação no grupo dos países em desenvolvimento, com os emergentes descolando dos mais pobres.
A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 25-11-2014.
O impasse existe desde 1997, quando o Protocolo de Kyoto dividiu o mundo entre países com metas obrigatórias de corte - os ricos - e todo o resto, o chamado mundo em desenvolvimento, com compromissos voluntários. Os países ricos se opõem a esse conceito binário e não querem mais arcar sozinhos com o ônus da mudança do clima. OsEstados Unidos, por exemplo, não se conformam em ter metas obrigatórias e a China, que emite mais que os EUA, não.
Manter a divisão binária é inviável para o novo acordo, que deve vigorar a partir de 2020. Mas abandonar totalmente a ideia também é difícil, porque há as responsabilidades históricas pela mudança do clima. O Brasil propôs uma divisão concêntrica, que coloca os países em gradações distintas. Cada país diz onde estará (a não ser os ricos, que estão no centro do diagrama), e não permite que se recue em compromissos assumidos.
Pela proposta brasileira, todos os países estariam dentro de um de três círculos. No central estariam os ricos, com metas obrigatórias de redução em níveis absolutos (quantidade de gases-estufa) e cobrindo toda a economia. Os países que optarem por estar no círculo do meio teriam metas de corte em toda economia, mas poderiam adotar critérios de redução per capita, de intensidade energética ou por desvio de curva do que seria "business as usual" (sem nenhum esforço de redução). No último círculo, as metas podem ser só setoriais. A ideia é que, com o tempo, todos migrem para o círculo do centro e os cortes sejam maiores, como a ciência diz ser necessário.
"O Brasil quer compromissos globais, legalmente vinculantes e sob o guarda-chuva da convenção do clima", disse a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, ao contar ao Valor, com exclusividade, as propostas brasileiras para o novo acordo. "O Brasil depositou a sua contribuição, que agora será discutida. Pode ser a base de um diálogo com vistas a um acordo."
A proposta brasileira avança, também, ao sugerir que poderiam existir iniciativas de cooperação Sul-Sul na questão climática. E, inspirada em uma proposta do deputado federal Alfredo Sirkis (PSB-RJ), que preside a Comissão Mista Permanente sobre Mudança Climática no Congresso, o Brasil sugere ainda que os países reconheçam o "valor social" de reduzir carbono. É um passo para a criação de incentivos financeiros que estimulem a redução de emissões.
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A conferência do clima do Peru começa na segunda-feira, em Lima, sem um texto de negociação à mesa. Mas terá que terminar com os elementos do acordo a ser assinado em Paris, em dezembro de 2015. A CoP-20, como se chama o encontro que reunirá delegados de mais de 190 países durante duas semanas, é tida pelo governo brasileiro como uma reunião fundamental: tem que preparar o caminho para o acordo que irá vigorar a partir de 2020.
A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 25-11-2014.
"O relógio está correndo. Temos pouco tempo, praticamente só o ano que vem para trabalhar", disse ao Valor o embaixador José Marcondes de Carvalho, negociador-chefe do Brasil nos processos de mudança do clima.
O governo brasileiro espera três resultados da CoP-20. O primeiro é a definição dos elementos do acordo de 2015, que abordem os cinco tópicos acordados em reuniões anteriores - mitigação, adaptação, meios de implementação (recursos, transferência de tecnologia e capacitação), transparência de ações e transparência de apoio - sob a convenção do clima.
"Elementos podem ser apenas os títulos de partes do acordo, como se fossem capítulos, ou podem detalhar mais como tratar a mitigação, a adaptação e os meios de implementação, por exemplo", explica o embaixador. O Brasil prefere a versão mais detalhada.
Outro ponto que espera-se saia da reunião é a definição sobre como cada país apresentará as "contribuições nacionalmente determinadas" (NDC, na sigla em inglês). São os compromissos de cada nação no acordo. A CoP-20 deve definir um padrão para que as iniciativas sejam comparáveis. Lima também tem que encontrar meios para aumentar a ambição dos compromissos no período pré-2020. "Esperamos sair de Lima com esse conjunto de decisões debaixo do braço", diz o embaixador.
Pela regra das Nações Unidas, o rascunho do acordo climático de Paris tem que estar pronto até 31 de maio, seis meses antes da reunião - o tempo para que o texto seja traduzido e distribuído nas seis línguas oficiais da ONU.