Pouco mais de um mês após a deflagração da sétima fase da Operação Lava-Jato, os 39 suspeitos, grande parte executivos das maiores empreiteiras do Brasil, viraram réus em seis diferentes ações penais. Na manhã de ontem, o juiz federal Sérgio Moro, à frente dos processos referentes ao esquema de corrupção na Petrobras, acolheu a última denúncia proposta pelo Ministério Público Federal (MPF). Com a decisão, o ex-diretor da área Internacional da estatal, Nestor Cerveró, o lobista Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, e o executivo da Toyo Setal Júlio Camargo passam a responder processo por corrupção e lavagem de dinheiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) deve autorizar a abertura de inquérito contra dezenas de políticos ligados à organização criminosa no começo do próximo ano.

Ontem, a Justiça também aceitou a denúncia contra o doleiro Alberto Youssef, que, a exemplo do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, já virou réu em outras ações. De acordo com o Ministério Público e a Polícia Federal, Fernando Baiano e Nestor Cerveró teriam recebido, entre 2006 e 2007, US$ 40 milhões de suborno para agilizar a contratação de navios-sonda utilizados na perfuração de águas profundas na África e no México.

No despacho, o magistrado declara que o MPF "narra que, em julho de 2006, Julio Camargo, agindo como representante do estaleiro Samsung Heavy Industries Co, conseguiu junto da Petrobras que a empresa em questão fosse contratada para o fornecimento de um navio-sonda para perfuração em águas profundas. O contrato teria sido obtido mediante o pagamento de vantagem indevida de 15 milhões de dólares a Nestor Cerveró, então diretor Internacional da Petrobras, com a intermediação de Fernando Soares".

Mais adiante, o juiz explica que o ex-diretor da área Internacional da petroleira intermediou a transação. "Nestor Cerveró, em vista da vantagem indevida, recomendou à Diretoria Executiva da Petrobras a contratação da Samsung, o que foi feito, em 14 de julho de 2006, pela subsidiária Petrobras International Braspetro BV pelo preço de

US$ 586 milhões", ressalta.

A denúncia do Ministério Público atesta ainda que, em maio de 2007, Julio Camargo, agindo como representante do estaleiro Samsung Heavy Industries Co, conseguiu junto da Petrobras que a empresa em questão fosse contratada para fornecimento de um segundo navio-sonda. "O contrato teria sido obtido mediante o pagamento de vantagem indevida de US$ 25 milhões a Nestor Cerveró, então diretor Internacional da Petrobras, com a intermediação de Fernando Soares", assegura o MPF.

Em sua decisão, Moro ressaltou que "reuniu o MPF um número significativo de documentos que amparam as afirmações constantes nas denúncias, especialmente o envolvimento direto de Nestor Cerveró nas contratações dos navios-sondas e as dezenas de transações financeiras relatadas pelo criminoso colaborador e que representariam atos de pagamento de propinas e de lavagem de dinheiro".

Na terça-feira, havia acatado mais duas denúncias contra 17 pessoas, incluindo os presidentes da Camargo Correa, Dalton Santos Avancini, da UTC, Ricardo Ribeiro Pessoa, e Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro das Cidades Mario Negromonte.

Vem por aí

A expectativa é de que as acusações formais à Justiça contra o ex-diretor de Serviços Renato Duque só devem ser encaminhadas no próximo ano. Outras empreiteiras que participaram do esquema e ficaram de fora deste primeiro momento também vão ser enquadradas. Há ainda a proposição de ações de improbidade contra as pessoas jurídicas das empresas do cartel e o aprofundamento das investigações nos negócios da petroleira no exterior.

Duque apresentou, por meio de seus advogados, pedido para sacar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), referente às atividades realizadas na D3TM - Consultoria e Participações Ltda. Ontem, o Ministério Público fechou mais um acordo de delação premiada. Desta vez, quem decidiu abrir o jogo em troca de redução de pena foi Rafael Ângulo Lopes, ligado ao doleiro Alberto Youssef, apontado como integrante do esquema de disque-propina.

 

 

Foster põe cargo à disposição

 

A presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, informou ontem, durante café da manhã com jornalistas na sede da estatal, no Rio de Janeiro, que colocou o cargo à disposição da presidente Dilma Rousseff (PT) após denúncias de corrupção na petroleira. Ela declarou também que uma possível demissão coletiva de toda a diretoria foi discutida na reunião do Conselho de Administração. No entanto, salientou que permanece à frente da empresa enquanto Dilma desejar. A situação de Foster ficou insustentável após denúncia de que ela teria sido alertada, desde 2009, sobre o esquema criminoso na petrolífera.

"O mais importante é a Petrobras. Conversamos sim (com a presidente Dilma) uma, duas, três vezes. A motivação é não travar o balanço da Petrobras. Então, hoje estou aqui enquanto contar com a confiança da presidente", afirmou à imprensa. Há duas semanas, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sugeriu a demissão de toda a diretoria da estatal.

No café da manhã, Foster defendeu ainda um posicionamento do governo em relação às empreiteiras e demais grupos empresariais envolvidos no escândalo. "Empresas com evidências em práticas de corrupção não podem ser contratadas. É preciso que o governo se organize e resolva a situação com as empresas, porque o mercado se fecha e elas não conseguem se financiar. Sem isso, vamos ter de fazer licitação internacional toda hora", alertou.

Ela declarou que a Petrobras decidiu não publicar o balanço na semana passada porque esperava ter acesso ao depoimento do ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco, citado pelos delatores como recebedor de propinas em nome do ex-diretor de Serviços Renato Duque.

Foster avaliou que a Lava-Jato é um episódio triste, mas que pode ser motivador. "A Petrobras tem uma Lava-Jato nas costas, e a gente tem que resolver isso. Só uma coisa me motiva mais do que curva de produção. É acabar com esse descrédito. Essa Lava-Jato me motiva mais do que a curva de produção", atestou.

A presidente da estatal comentou, pela primeira vez, o alerta de irregularidade que teria sido emitido, segundo o jornal Valor Econômico, pela ex-funcionária da Petrobras Venina Velosa da Fonseca. "Recebi e-mails de 2009 de Venina, no momento em que ela teve uma briga com Paulo Roberto Costa, não sei por quê. O assunto era a comunicação. Eu falei para o Paulo que eles deveriam conversar", relatou. Foster disse que as mensagens eram cifradas. "Depois, em 2011, veio um novo e-mail. Ela fala em esquartejamento de projeto. Não sei o que é. Licitação ineficiente. Também não sei", salientou.