O avanço progressivo da inflação ao longo dos últimos anos, sempre próxima a estourar o limite prometido pelo governo, tem pesado no bolso de quem paga aluguel e corroído o orçamento familiar. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 25,7% das pessoas que não têm casa própria comprometem mais de 30% do orçamento familiar com o imóvel. No universo de todos os domicílios particulares, 5,2% das famílias têm o chamado "ônus excessivo", ou seja, despendem muito mais do que o recomendado com a despesa.

A perspectiva não é boa. O ônus excessivo atinge diretamente o bolso da parcela mais pobre da sociedade. Em 16,4% dos domicílios do país, vive-se com meio salário mínimo por pessoa. Outros 21,7% vivem com dois salários. Além disso, com o avanço dos preços, cada vez mais famílias devem ter de se apertar com a despesa do aluguel. Entre 2004 e 2013, a quantidade de pessoas que não conseguem comprar a casa própria saltou de 17,8% para 20,3%.

A paraense Maria do Socorro, 54 anos, destina, todo mês, R$ 500 do instável dinheiro ganho como ambulante ao pagamento da casa em Ceilândia, onde vive com os dois filhos. "A maior parte do orçamento vai para o aluguel. Sempre acaba faltando alguma coisa, a geladeira, por exemplo, pifou e não tem como comprar outra, mas a gente leva a vida desse jeito", conta.

A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE mostra que essa parcela mais pobre deve continuar tendo dificuldades ao longo dos próximos anos. Apesar de a concentração de renda e a desigualdade terem diminuído nos últimos nove anos medidos pelo instituto, a parcela mais rica da sociedade ainda detém 41,7% de toda a renda per capita do país.

O valor, considerado elevado pelo IBGE, era mais alto em 2004, 45,8%. "Tivemos queda da distribuição de renda nos últimos anos, mas essa queda ainda não foi importante a ponto de mudar a estrutura desigual da distribuição de renda no país", explicou a coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE, Bárbara Cobo.

O economista da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, explica que reduzir a desigualdade é uma tarefa de longo prazo. "E a forma mais eficiente é a educação", afirmou. A evolução vista nos últimos meses, contudo, deve sofrer uma interrupção nos próximos anos, à medida que a economia do país precisará de um corte de gastos para se reerguer. "Existe uma clara tendência de piora dos indicadores sociais, de emprego, de renda e de desigualdade. Infelizmente, foram criados muitos desequilíbrios na economia brasileira. Para reduzir esses desequilíbrios, a consequência será um aumento da taxa de desemprego, menos crescimento da renda, o que atinge as classes mais baixas", completou.

Avanço

A maior parte dos cidadãos que compromete mais de 30% da renda com aluguel está nas regiões Sudeste (27,7%) e Norte (25,8%). E os preços não devem ceder. O governo já sinalizou que a inflação deve seguir, em 2015, próxima à desse ano. O Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), conhecido como inflação do aluguel, avançou 0,98% no mês passado. O número de casas, segundo o levantamento do IBGE, tem crescido em um ritmo muito superior à evolução da população brasileira. Enquanto a quantidade de cidadãos do país cresceu 9,8% entre 2004 e 2013, a de domicílios subiu 25,1%.

"Tivemos queda da distribuição de renda nos últimos anos, mas essa queda ainda não foi importante a ponto de mudar a estrutura desigual da distribuição de renda no país"

Bárbara Cobo, coordenadora de População e Indicadores Sociais do IBGE

"Existe uma clara tendência de piora dos indicadores sociais, de emprego, de renda e de desigualdade"