Uma parte da ferramenta on-line do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que analisa os gastos informados pelas escolas que recebem dinheiro da União, está travada — situação que representa, alertam especialistas ouvidos pelo Correio, um prato cheio para fraudes. Isso porque o programa, chamado oficialmente de Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC), recebe as prestações de contas, mas não as analisa. Resultado: repasses orçados em quase R$ 20 bilhões do governo federal para cerca de 150 mil escolas têm sido verificados manualmente por servidores.

A situação foi apontada pelo procurador da República no Rio de Janeiro Sérgio Luiz Pinel Dias. Segundo ele, o problema acontece porque o SiGPC, criado em 2012, não implementou ainda ferramentas chamadas “críticas”, que são rotinas computacionais destinadas a avaliar inconsistências, dados incompletos e erros nas prestações de contas. “Em um levantamento recente, mostramos que a maioria absoluta dessas prestações de contas possui falhas”, disse ele, que integra o Grupo de Trabalho Educação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do MPF.

Devido à grande quantidade de prestações recebidas todos os anos, acrescenta, fica praticamente impossível verificar adequadamente todo o material enviado pela rede de ensino. “Hoje são mais de 150 mil escolas recebendo esse tipo de repasse, então, fazer manualmente a análise das prestações de contas de todas elas é algo realmente difícil”, disse Dias ao Correio. “O objetivo era justamente que o SiGPC fizesse a primeira triagem nas contas. Como isso não ocorre, hoje esse trabalho tem de ser feito manualmente pelos servidores do FNDE.”

Para piorar, cada verba recebida exige o envio de uma prestação diferente. Dias avalia ainda que o FNDE conta com uma quantidade insuficiente de servidores diante do volume de recursos manejados pela autarquia, ligada ao Ministério da Educação (MEC). Além disso, segundo o procurador, o FNDE tem um acervo de “dezenas de milhares” de prestações de contas e de processos de tomada de contas especiais (TCEs) feitas em papel, anteriores à implementação do sistema informatizado, pendentes de avaliação. “É um passivo considerável com o qual eles têm de lidar”, diz ele.

Tentação
Segundo o economista especializado em orçamento público Gil Castello Branco, a falta de análise das prestações de contas está diretamente relacionada às fraudes ocorridas nesses programas. “É um facilitador para o gestor que tenha a intenção de cometer um crime. Se ele percebe que não há qualquer análise das informações que ele está prestando, pode se sentir tentado a desviar”, diz ele. “Falta uma sistemática para a análise das prestações. Poderia ser feita, por exemplo, a análise de uma parte delas, por meio de amostragem. Mas seria importante que o gestor soubesse que as contas poderiam ser analisadas.”

Gil explica que, além dos programas educacionais, o problema afeta outros tipos de repasses da União e dos estados. “Na realidade, a falta de análise das prestações de contas é um dos grandes gargalos da Esplanada como um todo. Todos os anos, o Relatório sobre as Contas do Governo, do TCU, dedica algumas páginas a esse problema, no que diz respeito aos convênios com entidades privadas”, informa ele, que é fundador da ONG Contas Abertas.

Em nota enviada à reportagem, o FNDE disse que o SiGPC está sendo “constantemente atualizado”. “O Sistema de Gestão de Prestação de Contas (Sigpc) vem funcionando e sendo constantemente atualizado, com a incorporação de novos módulos conforme as necessidades. O FNDE busca constantemente aperfeiçoar a gestão do processo de prestação de contas dos recursos transferidos pela Autarquia. Desde 2012, é obrigatória a utilização do SiGPC para registro e envio das prestações de contas pelas entidades beneficiárias”, diz o texto.


O peso dos programas
Considerados essenciais por diretores de escolas, programas da União 
para a educação básica somaram quase R$ 20 bilhões em 2014

Complementação para o Fundeb – R$ 10,3 bilhões
Pnae (alimentação) – R$ 3,6 bilhões
PDDE – R$ 2,6 bilhões
Livros didáticos – R$ 1,9 bilhão
Pnate (Transporte Escolar) – R$ 594 milhões
Total aproximado – R$ 19,2 bilhões

Fonte: Levantamento elaborado com base em informações do portal Siga Brasil, do Senado Federal