O Estatuto do Desarmamento inspirou a reforma de leis de controle de armas em dezenas de países, devido aos seus efeitos positivos. Se nos anos seguintes à promulgação, em 2003, reduziu os homicídios por arma de fogo em 11%, em 10 anos reduziu a taxa de 27,4 para 18 homicídios por 100 mil habitantes. Isoladamente, foi a medida mais eficaz contra a violência já adotada no país, como revela o anuário Mapa da Violência.

Pelo fato de o Estatuto contar com 81% de apoio dos brasileiros (Ibope, 2005), a bancada da bala no Congresso Nacional busca derrubá-lo na calada da noite, neste final conturbado de legislatura, sem passar pelas comissões devidas. Processo sem transparência e oposto ao que votou a lei, debatida por cinco anos na sociedade, em audiências públicas, na mídia, e até em novela de televisão. Querem substituí-lo pelo Projeto de Lei nº 3.722/2012, feito por encomenda da indústria e comércio de armamento, que é apresentado como “novo”, quando nada mais é que um retorno à situação anterior ao Estatuto, época em que os homicídios por arma de fogo atingiram o auge: 39.184 em 2003.

Pela “nova” proposta, reduz-se a idade mínima para compra de arma de 25 para 21 anos, desprezando o fato de serem os jovens as maiores vítimas e autores de homicídios (no país, as mortes de jovens de 15 a 29 anos têm taxas de 44,2 por 100 mil, enquanto a população em geral, de 20,4). Se os especialistas consideraram 450 balas por ano mais que suficientes para autodefesa, previsto no Estatuto, quer-se aumentar para 5.400, para alegria dos fabricantes e dos assaltantes à espreita de botar a mão nesses estoques. 
Com a compra de armamento hoje proibida para quem “estiver condenado ou respondendo a inquérito ou processo criminal”, pelo projeto, mesmo os condenados culposos poderão comprar. As penas para porte ilegal de armas serão reduzidas, e o coração do Estatuto, que é a proibição do porte de arma, será ferido de morte. Facilita-se a concessão do porte, quando 78% dos brasileiros se manifestaram contra a que civil ande com arma na rua (Instituto Vox Populi).

Vai-se afrouxar os já insuficientes controles sobre as empresas de segurança privada, uma das fontes de armas para a bandidagem (CPI da Câmara). Entre os 93 projetos contra o Estatuto existentes no Congresso, vários concedem porte a todo tipo de categoria, por pressão dos vendedores de armas, e voltaremos ao faroeste anterior à lei vigente. Conforme declarou Frei Betto, revogar o Estatuto é um tiro no pé. Se com ele há tanta violência, imaginem sem.

O projeto reduz a indenização de R$ 450 para R$ 150 para quem entregar arma, visando desestimular quem quer voluntariamente desfazer-se da sua. Mais de 40 países já realizaram campanhas de desarmamento voluntário, e seus efeitos na redução dos homicídios, principalmente interpessoais, são elogiados pela ONU.

A bancada da bala diz que “o povo está desarmado”, quando pesquisa de Pablo Dreyfus revelou que 90% das armas em circulação no Brasil estão nas mãos da sociedade, e 48% delas são ilegais. Segundo o Ministério Público de São Paulo, 83% dos homicídios foram cometidos por motivos fúteis. “Mais armas, mais mortes”, dizem as pesquisas. Por isso, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirma: “Quanto mais armas, mais acidentes, mais roubo de armas, que serão usadas por meliantes, maior a possibilidade de quem reagir a um assalto ser a vítima”.

No que foi aplicado, o Estatuto reduziu a violência armada. Mas importantes artigos seus continuam no papel, frente à resistência de fortes interesses. Indústria e comércio de armas têm fiscalização quase nula, conforme comprovou CPI da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e as exigências para compra de armamento nem sempre são respeitadas. Alguns clubes de tiro, com pouco controle, se prestam a desvio de armas e munições para o crime organizado (CPI da Câmara). Os estados continuam, em boa parte, a não enviar informações sobre armas apreendidas para a Polícia Federal, a quem caberia rastreá-las.

E por aí vai, sem que a lei seja cumprida. Em vez de se buscar implementar a lei democraticamente votada, um grupo de parlamentares, cujas campanhas foram financiadas pela indústria de armamento, conforme registra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), age na surdina e às pressas, buscando o retrocesso. O risco é a segurança dos brasileiros ser sacrificada em benefício de uns poucos empresários e comerciantes sem compromisso com a sociedade.