Título: Sindicatos nos portos ancorados ao passado
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 25/06/2011, Economia, p. 14

Líderes perdem poder, mas resistem à modernização desde 1993

Uma cultura sindical atracada nos portos brasileiros há 200 anos contrasta com os atuais investimentos bilionários em infraestrutura e tecnologia tocados pelo setor. Quase duas décadas após a edição da Lei de Modernização dos Portos (1993), a gestão privada da mão de obra não conseguiu remover todo o entulho trabalhista e ainda tem de negociar mudanças com 10 tipos de sindicatos profissionais. Depois da movimentação de cargas no país ter mais que dobrado no período e de a mecanização ter se consolidado, o maior impasse agora é a urgência em qualificar o pessoal.

Destronados do poder exclusivo de indicar trabalhadores para o porto, sobretudo avulsos, os líderes sindicais ainda se recusam a aceitar o conceito de atividade multifuncional, previsto pela lei e exigido pelos chamados ogmos, os órgãos gestores de mão de obra, para implementar o treinamento permanente.

Em vez disso, preferem conservar categorias, algumas extintas na prática, como a de consertador de embalagem.

Com 15 mil associados, o Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários de São Paulo (Settaport) lista 75 funções no ambiente de trabalho, que incluem até copeira e calculista de câmbio. "Lidamos com a resistência dos sindicatos em cumprir o que a lei define. Eles consideram o ogmo um intruso, criando dificuldades que levam a infrações e passivos trabalhistas", revela Sandra Gobetti, superintendente do Ogmo do Porto de Santos. Atualmente, 5,2 mil processos judiciais de trabalhadores avulsos tramitam contra o órgão, sendo 500 em execução.

Os representantes dos funcionários reconhecem conquistas obtidas com a automação de serviços, sobretudo na segurança do trabalho, e ainda fazerem coro sobre a necessidade de investir na qualificação profissional.

Mas querem mais garantias. "Reduzimos o número de pessoal por navio a um terço, mas não houve compensações sociais ao desemprego estrutural, contrariamente ao que ocorreu nos países desenvolvidos", queixa-se Eduardo Guterra, presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP).

O número de trabalhadores avulsos recuou de 60 mil em 1993 para os atuais 25 mil.

Marcelo Zepka Baumgarten, advogado especializado em comércio exterior, afirma que a agilidade obtida com a lei de modernização, "ao atacar indiretamente o poderio quase absoluto dos líderes dos grandes sindicatos", já atingiu o seu limite. Para ele, a mera existência do cadastro de avulsos e as dificuldades de o cidadão comum ingressar na área "afrontam o emprego de maneira geral". O professor de logística da Fundação João Pinheiro (MG) Hugo Ferreira Braga reforça a crítica e pede maior competição no mercado de trabalho nos portos. "Continuamos com os mesmos entraves dos vínculos com sindicatos, pois os ogmos não são favoráveis à livre-concorrência. Se fossem, favoreceriam serviços melhores e mais baratos", resume.

Terminais 100% privados O governo planeja transferir ao setor privado a construção de pelo menos 45 portos. Com base em estudos de infraestrutura e de volumes de carga, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) identificou áreas em 12 estados consideradas prioritárias para receber investimentos da livre-iniciativa. Após a definição de parâmetros, o processo deverá iniciar com a licitação de um terminal para Manaus (AM), onde há maior deficiência. Os portos desse modelo de concessão terão gestão 100% privada, sem controles por uma autoridade portuária pública, como as companhias Docas, e terão a supervisão da Antaq. Segundo o governo, dois terços das cargas movimentadas nos portos passam por terminais privativos, geralmente carga própria de empresas, como o minério da Vale e o petróleo da Petrobras.