Negociadores de 195 países que participam da 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, ou simplesmente COP 20, chegaram ontem a um rascunho do documento final, que deverá ser apresentado no domingo e servir de base para a COP 21, a ser realizada no ano que vem em Paris. É na França que governos do mundo todo esperam, finalmente, substituir o já expirado Protocolo de Kyoto — jamais ratificado pelos Estados Unidos —, estabelecendo metas de redução de emissão dos gases de efeito estufa e sanções para as nações que as descumprirem. A meta da ONU é limitar o Aquecimento Global a 2ºC até o fim do século em comparação à era pré-industrial — a temperatura média da Terra já subiu 0,8ºC até agora.

Depois de uma semana de debates, os delegados internacionais rascunharam 33 páginas que ainda precisam ser debatidas, antes da assinatura. O texto fala sobre políticas de reparação de danos, transferência de tecnologia para enfrentar o Aquecimento Global, metas de redução, mitigação e financiamento, entre outros pontos. A partir de hoje, com a chegada de ministros e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, os debates devem ganhar um tom menos técnico e mais político.

As questões polêmicas da conferência envolvem a definição de quem deve, obrigatoriamente, apresentar um plano de cortes de Emissões. Enquanto os países ricos exigem que todos tenham metas fixadas pela ONU, as nações em desenvolvimento, como o Brasil, se negam a assumir esse compromisso, alegando que não podem atrasar seu processo de desenvolvimento para pagar um débito acumulado pelos Estados ricos, que, desde a Revolução Industrial, vêm lançando dióxido de carbono na atmosfera.

Promessas
O grande desafio até dezembro de 2015 é justamente superar esse debate e adotar medidas práticas realmente eficazes que evitem uma série de consequências originadas com o aumento do calor. “Se continuarmos agindo como fizemos até agora, poderemos mudar drasticamente a relação entre os seres humanos e o planeta. Poderíamos assistir a migrações maciças de centenas de milhões de pessoas”, exemplificou, em um informe, o economista Nicholas Stern, especialista em mudanças no Clima. Segundo ele, o nível atual das Emissões de gases levaria a um aumento nas temperaturas entre 4°C e 5°C até 2100, uma perspectiva que pode causar problemas de segurança alimentar e acesso à água potável, assim como eventos climáticos extremos.

Antes da conferência, Estados Unidos, China e União Europeia ofereceram tomar medidas adicionais para reduzir suas Emissões. Contudo, de acordo com relatório da organizaçãoClimate Action Tracker (CAT), divulgado ontem, mesmo com a adoção dessas ações, o aumento das temperaturas até o fim do século atingiria 3°C. A entidade ambientalista diz que, agora, outros grandes emissores de carbono, como a Índia, deveriam anunciar seus planos de redução e adverte que, de 22 países que foram analisados, “muito poucas promessas são consistentes com a limitação do Aquecimento Global abaixo dos 2ºC”.

Depois de uma semana de discussões em Lima, as organizações não governamentais se mostram inquietas diante da lentidão para desenhar uma visão compartilhada das ações que serão realizadas. “Infelizmente, os negociadores parecem ter esquecido que estão aqui para enfrentar uma emergência planetária”, disse Tasneem Essop, do WWF. “Este é o momento para que os negociadores passem para a ação e impeçam que o debate se afunde”, assegurou Romain Benicchio, da associação Oxfam Internacional.

Desafio da adaptação
A espinhosa questão do financiamento já prometido até 2020 complica as discussões, pois o mapa do caminho para que os países desenvolvidos aportem US$ 100 bilhões para conter os efeitos do Aquecimento Global que eles geraram ainda está por definir. Além disso, um estudo das Nações Unidas, difundido há poucos dias, alertou que os custos de adaptação dos países em desenvolvimento para enfrentar as mudanças são muito mais elevados que o calculado e “poderiam ser aumentados para US$ 150 bilhões entre 2025 e 2030, e entre US$ 250 bilhões e US$ 500 bilhões para 2050”, segundo a ONU.

No domingo, um relatório da ONG britânica Overseas Development, divulgado em Lima, indicou que os países mais pobres ficaram de fora do fundo de financiamento de mitigação das Mudanças Climáticas, criado em 2003. De acordo com o documento, metade dos US$ 8 bilhões que compunham os recursos arrecadados chegou a apenas 10 nações, incluindo Brasil, México e Marrocos. Cada uma recebeu US$ 500 milhões para investir em ações que minimizem os danos causados pela alteração do Clima no planeta.

O estudo inclui o gasto realizado por nove fundos internacionais e dois nacionais ao longo de 10 anos em 135 países. “México e Brasil figuram entre os principais emissores de gases de efeito estufa, mas ao mesmo tempo têm um enorme potencial em matéria de energias renováveis”, indica o relatório. No entanto, países como Costa do Marfim ou Sudão do Sul, “com Estados frágeis e afetados por conflitos, receberam menos de US$ 350 mil e US$ 700 mil, respectivamente”. Países de renda média e vulneráveis ao impacto das Mudanças Climáticas, como El Salvador, Guatemala e Namíbia, obtiveram menos de US$ 5 milhões cada um. A ONG destacou como um fato positivo que o montante destinado anualmente para mitigar os efeitos da mudança climática tenha aumentado de US$ 3,8 milhões, em 2003, para US$ 2 bilhões, em 2014.