A população do Distrito Federal sofre com a ausência de serviços básicos, como saúde, transporte público e educação. Há dois meses, os moradores enfrentam a inconstância dos ônibus. Sair de casa para esperar em uma parada não é sinônimo de chegar ao trabalho. Nos hospitais, a falta de dinheiro reflete no fornecimento das refeições a servidores e acompanhantes de pacientes internados. O estoque de alguns remédios está zerado, e o salário de 30 mil empregados não entrou na conta. Ontem, os alunos da rede pública de ensino foram pegos de surpresa. Ficaram sem aula em plena semana de provas enquanto os professores reivindicavam, em frente ao Palácio do Buriti, o pagamento da remuneração. 

Acostumados a receber até o quinto dia útil do mês, os empregados da saúde e da educação estão com as contas atrasadas. Eles reclamam não ter dinheiro para quitar financiamentos bancários, aluguéis, prestação de carro, entre outros. No entanto, de acordo com a Secretaria de Administração Pública do DF, o repasse da verba, cerca de R$ 700 milhões, foi feito na noite da última sexta-feira e deve estar na conta dos servidores hoje. Caso contrário, os trabalhadores prometem parar os serviços até que o dinheiro seja depositado. 

A pasta justificou, por meio de nota, que o atraso ocorreu porque “as operações de transferência dos recursos para a efetivação do crédito referente à folha de pagamento das respectivas áreas somente foram finalizadas no início da noite dessa sexta-feira (dia 5)”. A falta de receita do Executivo neste fim de ano também é uma das justificativas da pasta. Os moradores ouvidos pela reportagem do Correio definem como ‘caos’ e ‘desrespeito’ a situação vivida na capital da República desde o fim de outubro. “Hoje, fui deixar minha filha na escola e encontrei a porta fechada. Sofremos o ano todo com a falta de professores, o excesso de atestados, a falta de lanche. Agora, neste fim de mandato, a cidade está um caos. A gente paga imposto e para onde vai isso tudo?”, questiona Sinval Ferreira Gusmão, 51 anos, supervisor de obras da construção civil.

No transporte público, a situação é ainda pior. Cerca de 700 mil usuários sofrem com falta de ônibus desde a última sexta-feira. Os rodoviários de três empresas e duas cooperativas pararam de rodar porque não receberam os salários de novembro. Para reverter a situação, o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) efetuou ontem o repasse de R$ 30 milhões para todas as empresas que ofertam o serviço. Somente depois disso, funcionários da Urbi e da Pioneira retiraram os veículos das garagens e voltaram a circular no fim da tarde. 

No entanto, hoje, os trabalhadores da Marechal permanecem com os braços cruzados. Moradores de Taguatinga, Park Way, Ceilândia, Guará e Águas Claras seguirão sem ônibus. Os rodoviários afirmam só retornar às ruas quando os vencimentos estiverem na conta. Ao todo, 17 regiões administrativas ficaram sem transporte público. Ontem, a auxiliar de copa Ivânia Português, 48 anos, ficou quase duas horas na parada do Centro de Taguatinga, à espera de um ônibus para a W3 Sul. Sob frio e chuva, ela contou que deixou o marido doente em casa para trabalhar, e que considera uma desfeita a falta de ônibus. “É muita falta de respeito. O governo não deveria fazer isso com a gente”, lamentou.

 

Articulados também vão parar

 

Após mais um dia de dificuldades para os usuários de ônibus de 17 regiões do DF, rodoviários da Pioneira e da Urbi decidiram retomar as atividades. Ontem, o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) repassou R$ 30 milhões para as empresas que operam o serviço na capital. O valor possibilitou que as duas operadoras efetuassem o pagamento dos salários atrasados. Porém, hoje, os passageiros de Ceilândia, Guará, Águas Claras e parte de Taguatinga e Park Way ainda devem enfrentar a falta de coletivos. A Marechal não conseguiu fazer as transferências para os trabalhadores. E eles são enfáticos: só retornarão quando o dinheiro cair na conta bancária. 

Para piorar, os rodoviários prometem parar, hoje, a circulação de ônibus articulados, incluindo os do Expresso DF. A categoria reivindica um acréscimo de 10% no salário de motoristas desses coletivos. 

A paralisação de cerca de 8 mil motoristas e cobradores prejudica a população desde a última sexta-feira e deixou milhares de passageiros reféns de vans, coletivos e veículos piratas. Os motoristas irregulares invadem as baias destinadas aos ônibus convencionais e cobram de R$ 5 a R$ 10 por passagem. 

No início da manhã de ontem, uma manifestação de 50 passageiros na Estrada Parque Indústria e Abastecimento Sul (Epia), na altura do Km 26 da DF-003, sentido Plano Piloto, atrapalhou o trânsito. De acordo com a Polícia Militar, o congestionamento de veículos chegava a Santa Maria, com aproximadamente cinco quilômetros de extensão. O protesto começou às 7h50 por causa da paralisação dos ônibus e terminou meia hora depois com a chegada da Polícia Militar. A maioria das pessoas esperavam ônibus para o Lago Sul havia mais de duas horas. 

Sem piratas 

A estoquista Maria Sá Dias, 46 anos, aguardava um coletivo para o bairro nobre da capital há uma hora e meia. Moradora de Luziânia, ela conseguiu desembarcar na Epia Sul em um ônibus do Entorno, mas não tinha perspectiva de quando chegaria ao trabalho. A situação é um verdadeiro absurdo. Pagamos passagem cara para enfrentar um descaso sem igual. O chefe não entende o motivo de a gente chegar atrasada ao trabalho. A alternativa é enfrentar o transporte pirata, mas hoje nem os irregulares estão passando, lamentou. 

Daiana Alves, 23 anos, mora no Riacho Fundo I e trabalha como vendedora no ParkShopping. Mesmo sabendo dos riscos, após duas horas de espera, ela pegou um transporte pirata. Apesar do desconforto, Daiana concorda com o movimento dos rodoviários. Eles estão lutando para receber em dia. É fácil entendê-los. Difícil é compreender os empresários e o governo, alfinetou. Mesmo quem pegou metrô teve a vida complicada pela greve dos rodoviários. As filas aumentaram, e os vagões estavam lotados. 

Contas a pagar 

Segundo Marcos Júnior Duarte, um dos diretores do Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal, o governo e os empresários provocaram o caos no transporte público. Ele explica que os trabalhadores nunca sabem exatamente o dia em que receberão o salário. Não estamos brigando por aumento, e sim por um direito básico de receber após trabalhar. Da mesma forma que a população é prejudicada, nós também somos. O governo e as empresas estão sendo irresponsáveis com os trabalhadores de todo o DF, argumentou.