Na reta final dos trabalhos do Congresso, um grupo de deputados corre para aprovar um projeto que prevê normas sobre o porte, a aquisição, a posse e a circulação de armas de fogo e munições, na tentativa de revogar o Estatuto do Desarmamento, de 2003. A matéria será discutida na quarta-feira, em comissão especial. O relator, o deputado Cláudio Cajado (DEM-BA), favorável do projeto, pretende ler o parecer. Membros do colegiado querem aprová-lo até o fim do ano, uma vez que a comissão será extinta com o início da nova Legislatura, em fevereiro. Durante o recesso de janeiro, não há deliberações parlamentares.

O Projeto de Lei 3.722/2012, de autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), retira as restrições do atual estatuto ao porte particular de armas por civis e cria normas para a comercialização delas e das munições. Para o parlamentar, o fato de a população ter rejeitado a proibição da venda de armas no referendo de 2005 não trouxe "qualquer melhoria". "Enquanto a comercialização de armas caiu violentamente, aumentou a criminalidade na mesma medida", comentou. "Não queremos armar todo mundo, mas, que o cidadão que quiser, tenha a chance de ter a arma para se defender", afirmou. A respeito da tramitação do projeto, o parlamentar avaliou que será preciso fazer um processo de convencimento dos colegas para que a proposta seja aprovada em tempo hábil.

Em audiência pública, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), membro da comissão especial, dirigiu-se ao relator Cláudio Cajado para reclamar que o projeto, na prática, revoga a lei vigente. "Nós temos bons efeitos do Estatuto do Desarmamento. Um dos bons efeitos é que tínhamos uma escalada dos crimes por arma de fogo no Brasil. E, depois do estatuto, paralisamos essa escalada e conseguimos diminuir as mortes praticadas por arma de fogo", disse o petista, para quem a legislação "é um dos vetores de diminuição da violência". "Onde não houve o cumprimento do estatuto e a política de segurança não foi boa, os homicídios continuaram altos."

Procurado pelo Correio, Cajado preferiu não adiantar o teor do relatório. O parlamentar, contudo, tem prestado declarações favoráveis à questão. Em uma rede social, ele afirmou que a "discussão do tema é muito importante, visto que o Estado não consegue amparar a população e essa iniciativa garante aos brasileiros o direito à segurança e defesa pessoal".

Riscos

Mãe de Leonardo Monteiro, 29 anos, assassinado em 29 de janeiro quando chegava em casa, Ana Cleide Almeida, 55 anos, discorda da aprovação do projeto. Para ela, aumentar a possibilidade de as pessoas terem acesso as armas significa uma chance maior de elas pararem em mãos erradas e as pessoas terem um fim parecido com o de Leonardo. "Num momento de tensão, pode acontecer uma desgraça quando se tem uma arma. Ocorre uma briga, a pessoa acaba atirando. Além disso, nossas casas são assaltadas. Se levam a arma, mas uma vez ela vai chegar a pessoa errada", lamentou. Leonardo foi morto durante uma tentativa de assalto logo após estacionar o carro na porta do edifício onde morava, durante a noite. Ele foi atingido por um disparo no pescoço.

Ponto crítico

Você é a favor da revogação do estatuto do desarmamento?

SIM

Ao apagar das luzes de 2003 e sob a sombra do hediondo mensalão, era aprovada a Lei 10.826/03, apelidada, não sem motivos, de Estatuto do Desarmamento. Apenas dois anos depois, sem ter mostrado a mínima eficiência na redução da criminalidade, a população foi convocada para decidir em um referendo se aceitava a proibição da venda legal de armas. O resultado foi inequívoco e incontestável, e quase 64% da sociedade, mais de 59 milhões de eleitores, disseram não.

Ainda assim, a lei seguiu, representando um obstáculo quase intransponível ao direito de legalmente se possuir armas e reduzindo o comércio em 90%. Além de dissociada da vontade popular, revelou-se um fiasco no combate à violência, não impedindo o sucessivo aumento dos homicídios.

Neste cenário, surge o PL 3.722/12, fruto de discussão com a sociedade civil organizada e que visa, essencialmente, reestabelecer o respeito ao que foi decidido pela população. Não se trata, deve-se frisar, de uma lei armamentista ou que permitirá a qualquer um ter armas sem critério. Requisitos rígidos seguem mantidos. É uma proposta baseada em controle e fiscalização, e quem diz o contrário não a conhece ou age com má-fé.

Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil

NÃO

A revogação do Estatuto do Desarmamento é um retrocesso para a segurança pública no país. Não à toa, Secretários de Segurança e gestores de polícia são contrários a ela. Quem a defende sustenta que a população votou contra o estatuto em 2005. O que é uma falácia, já que foi votada apenas a manutenção da venda de armas, um só item do estatuto. Atualmente, pesquisa do Datafolha comprova que 62% da população é contra armas em casa.

Outro mito é de que a violência só aumentou após o estatuto. Depois de 10 anos de aumento ininterrupto, os homicídios caíram pela primeira vez. Com ele, 121 mil vidas foram salvas até 2012.

Outra inverdade é que apenas o cidadão de bem foi desarmado. A CPI da Armas da Câmara dos Deputados e pesquisa com os artefatos apreendidos com o crime em São Paulo comprovam que a maioria delas é nacional e legal, mas acabam abastecendo o mercado ilegal.

O estatuto deve ser aplicado integralmente e não revogado. Quem defende a manutenção quer a melhoria das polícias e da segurança. Do outro lado, está o apoio financeiro da indústria, bastante interessada em ampliar mercado.

Haydée Caruso, professora do Departamento de Sociologia da UnB

O que diz o projeto

» A Polícia Federal controla as armas com auxílio das polícias civis, que serão responsáveis pela posse e pelo porte.

» O registro pode ser estadual ou nacional, é permanente e o interessado não precisa comprovar a necessidade.

» O cidadão comum pode obter o porte.

» A proposta garante ao cidadão, sob certas condições, o direito de adquirir e portar na rua até nove armas de fogo.