As mais de 10 horas da sessão do Congresso ontem resultaram no cancelamento em cascata de uma série de comissões da Câmara e do Senado. Para discutir o impasse da meta fiscal do governo, as duas Casas tiveram praticamente de paralisar as atividades. Isso porque, de acordo com o regimento, enquanto há ordem no dia nas Casas, nenhuma comissão está autorizada a votar outro assunto. Um dos principais prejuízos foi o depoimento colhido informalmente pela CPMI da Petrobras do ex-diretor de gás e Energia da estatal Ildo Sauer. Os detalhes sequer vão constar dos autos.

Apesar de convocado e de comparecer pontualmente ao Senado para ser ouvido, Sauer recebeu a notícia de que não poderia falar. A sessão do depoimento oficial durou cinco segundos: tempo para que o senador Gim Argello (PTB-DF) abrisse e encerrasse os trabalhos. Para aproveitar a ida ao Congresso, Sauer aceitou uma proposta de parlamentares da oposição e falou informalmente a três deputados. Mas as informações não podem constar da investigação formal. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) avisou que tentará inserir trechos do depoimento no relatório final da CPMI.

Aos deputados, Sauer negou que a diretoria que comandou tenha feito parte do esquema de corrupção, como sustenta Paulo Roberto Costa, também ex-diretor da estatal. "Repudio esse tipo de afirmação. Nunca ouvi falar disso lá dentro, e, se ouvisse, tomaria as providências que me caberia". Sauer também criticou a presidente Dilma Rousseff, que "tem mais habilidade em buscar culpados do que buscar soluções".

"Todo mundo sabe das condições nas quais eu fui demitido. Tinha feito várias críticas internas e algumas públicas por divergências político-administrativas com a orientação que vinha da ministra que comandava a Petrobras, em vários campos", lembrou. Sobre a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, Sauer diz que "revisitou" os documentos do negócio, e que chegou à mesma conclusão: o negócio valia a pena. Ele deixou na CPMI um calhamaço de papel com a versão sobre a compra da Pasadena.

Prejuízo

Além da CPMI, outras comissões ficaram paradas. A reunião da Comissão Mista de Orçamento (CMO) que previa discutir e votar o relatório da receita de R$ 21,2 bilhões apresentado na semana passada pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) foi novamente ser adiada. O mesmo ocorreu com a comissão externa de investigações sobre a SBM Offshore e a Petrobras, que votaria o relatório final de atividades do deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL). Ele já leu o relatório, mas não houve votação por falta de quórum.

A estimativa matemática do prejuízo nas duas Casas pelo esvaziamento das comissões só ontem é de R$ 24 milhões, calculou o economista e fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco. "Em tese, toda a Casa estava funcionando, com luz ligada, vigilância, cafezinho. Mas a única coisa que aconteceu foi a discussão em torno do "entulho" deixado pela área econômica que está saindo do governo", criticou Gil.

Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa, a culpa da falta de tramitações de projetos relevantes é da oposição, que obstruiu as votações da LDO. "Infelizmente, esse processo que a oposição desencadeou, de obstrução à votação das mudanças na LDO, fez com que nós tivéssemos que concentrar todos os nossos esforços aqui", disse. "Isso prejudicou, sem dúvida, a discussão e a tramitação de projetos importantes que estão nas comissões da Câmara e do Senado."

Porém, o líder da Minoria na Câmara, deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), rebateu criticando o descaso com que o governo deixou de votar a LDO em junho, como deveria, arrastando-a para o fim do ano. "O governo tem, de maneira obstinada, concentrado todos os esforços e estabelecido como única prioridade a aprovação desse PLN 36, que muda indiretamente a LRF. Ao fazer isso, o governo deixou de lado a LDO do ano que vem. E vêm adotando uma prática de evitar que a Câmara vote, há alguns meses. Já denunciei isso, e denuncio novamente", criticou.

Cancelados

Compromissos adiados por causa da sessão do Congresso Nacional ontem:

Petrobras

» A comissão externa de investigações sobre a SBM Offshore e a Petrobras na Câmara previa apreciar o relatório final de atividades, elaborado pelo deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL).

CPMI da Petrobras

» A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Petrobras colheria depoimento do diretor de gás e Energia da Petrobras de 2003 a 2007, Ildo Luís Sauer. O depoimento ocorreu informalmente no Senado após a sessão ser oficialmente encerrada.

Trabalho infantil

» A Comissão Parlamentar de Inquérito pretendia discutir e votar o relatório final, elaborado pela deputada Luciana Santos (PCdoB-PE).

Terras indígenas I

» A comissão mista sobre a consolidação da legislação federal e a regulamentação de dispositivos da Constituição iria apresentar os relatórios do senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre a demarcação de terras indígenas; e sobre a defesa do usuário de serviços públicos, no Senado.

Terras indígenas II

» A comissão especial sobre a demarcação de terras indígenas (PEC 215/00) previa apresentação do parecer do relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Comissão Mista de Orçamento

» A reunião da Comissão Mista de Orçamento (CMO) pretendia discutir e votar o relatório da receita apresentado na semana passada pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

"Em tese, toda a Casa estava funcionando, com luz ligada, vigilância, cafezinho. Mas a única coisa que aconteceu foi a discussão em torno do "entulho" deixado pela área econômica que está saindo do governo"

Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas

Vargas tenta se livrar no STF

O deputado André Vargas (sem partido-PR) recorreu ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender processo de cassação. O recurso pretende derrubar decisão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, que rejeitou reverter a recomendação de cassação do mandato feita pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. O mandado de segurança impetrado no STF será relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso. No recurso à CCJ, Vargas sustentava que o conselho cerceou seu direito de defesa, baseou-se em provas ilícitas e trocou deputados no dia da votação para garantir o quórum e o número de votos.