Título: A inclusão dos miseráveis
Autor: Silva, Ruy Martins Altenfelder
Fonte: Correio Braziliense, 25/06/2011, Opinião, p. 19

Presidente do Conselho Diretor do CIEE Nacional e do Conselho de Administração do CIEE/SP

Num primeiro olhar, as notícias são extremamente boas. Os novos dados do censo dão conta de que, na última década, a renda dos moradores de 95% dos municípios cresceu acima da inflação, numa média nacional de 87%. Num segundo momento, após reflexão mais acurada, nota-se que, na maior parte, o aumento ocorreu em municípios mais pobres ¿ sem surpresa, já que, por ser extremamente baixa a renda, a injeção de uma Bolsa Família, por exemplo, poderia duplicar o ganho mensal. Avançando na análise, chega-se à amarga realidade dos 10,5 milhões que vivem com até R$39 por mês, "os miseráveis entre os miseráveis" identificados em reportagem do Estadão.

O cenário coloca a sociedade diante de dois problemas. Um é a busca de solução emergencial para a chocante situação de quem sobrevive com um máximo de R$1,3 por dia e que, adicionalmente, é vítima de extrema carência de serviços públicos básicos, como energia elétrica, água tratada, coleta de esgoto e de lixo.

Outro problema, bem mais complexo, exigirá grande esforço nacional para promover a inclusão dos 10,5 milhões de marginalizados. Como abrir oportunidades para que possam galgar novos patamares de condição de vida e usufruir os direitos e cumprir os deveres que a Constituição garante, em tese, a todos os cidadãos? Eis a grande questão, que inevitavelmente acaba desaguando nos persistentes gargalos que emperram a sustentabilidade do desenvolvimento, aqui compreendido em sua dimensão econômica e social.

Quase tudo será prioritário num programa de resgate dessa sofrida parcela da população. Mas, logo de início, algo se impõe como a prioridade das prioridades: a educação. Pois sem capacidade para entender o que lê, realizar algumas operações aritméticas básicas ou estruturar um raciocínio lógico, dificilmente uma pessoa poderá conquistar um lugar decente nesta era do conhecimento.

O segundo pilar do resgate é a manutenção do ritmo saudável de expansão da economia, condição essencial para a geração dos milhões de empregos capazes de absorver essa mão de obra emergente e que passa pela reforma fiscal e pela adequação da infraestrutura. Um terceiro caminho a ser aberto é o da capacitação profissional, tornando os excluídos aptos a se inserir num mercado de trabalho que se mostra cada vez mais exigente e competitivo.

Com isso, a meu ver, estará assentado o alicerce do processo que permitirá retirar milhões de brasileiros da linha de miséria extrema, libertando-os paralelamente da submissão a programas assistencialistas que, apesar dos inegáveis méritos, correm o risco de se tornarem perniciosos, caso não sejam substituídos por ações efetivas de promoção social. É evidente que um esforço de tal magnitude deve, necessariamente, ser capitaneado pelo governo, em especial num país de tão pesada carga tributária e tão abrangente presença do Estado, como o Brasil.

Entretanto, há largo espaço para a contribuição da sociedade, principalmente com os esforços canalizados por meio das entidades do terceiro setor, já com forte presença na redução das desigualdades sociais, como é o caso das Santas Casas na saúde, das Apaes no tratamento de pessoas com deficiência e nos milhares de exemplos de ação efetiva que pipocam em todo o país, suprindo carências naquele território de ninguém, onde está ausente a ação do governo e da iniciativa privada. Referência no terceiro setor, o CIEE coleciona testemunhos da importância de alavancar o desenvolvimento dos jovens com a conjugação ensino e trabalho. Contando com a parceria de 250 mil empresas e órgãos públicos, ao longo de seus 47 anos de atuação encaminhou 11 milhões de estudantes para estágio, com resultado altamente positivo: pesquisa comprova que 64% dos estagiários são efetivados.

Sensibilizado para a importância da escolaridade, o CIEE também assume sua responsabilidade social e mantém cursos de alfabetização e suplência que já beneficiaram mais de 50 mil jovens e adultos em 15 anos. Mais recentemente, em 2003, aderiu aos objetivos da Lei da Aprendizagem e, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, registra um total de 52 mil jovens em capacitação ou já capacitados para atuação no comércio, na indústria e em serviços. Números que, mais do que orgulhar o CIEE, valem como prova de que entidades socialmente responsáveis fazem sua parte, sem se limitar a esperar (mas sempre cobrando) ações do governo.