Vetado pela presidente Dilma Rousseff mesmo após ampla negociação do Legislativo com o governo, o projeto que define critérios para a criação, emancipação e fusão de municípios volta à pauta como a principal matéria entre os 38 vetos presidenciais que aguardam deliberação no Congresso Nacional.
Mesmo contrariado, o governo liberou sua base aliada para derrubar o veto dado em agosto pela presidente Dilma Rousseff ao projeto, preocupado que está em acelerar a tramitação de outra proposta, a que altera o cálculo da meta do superávit primário para 2014. A mudança na LDO só poderá ser apreciada depois de o Congresso Nacional liberar a pauta, travada pelos vetos pendentes.
Confirmada a derrubada do veto presidencial, do qual são entusiastas tanto parlamentares da base quanto de oposição, o projeto será promulgado e dará início a um movimento que, já num primeiro momento, deve se converter na criação de 357 cidades, um aumento de 6,4% em relação aos 5.570 municípios já existentes, e um consequente movimento de pressão por aumento no montante destinado ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Este é o número estimado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de municípios que poderiam ser criados dentro das novas regras e, ao mesmo tempo, já têm processos de emancipação encaminhados junto às Assembleias Legislativas estaduais.
Bahia (52), Piauí (49) e Minas Gerais (42) são os Estados com maior número de pedidos de emancipação. Em seu parecer sobre a matéria, o relator, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), usou outra estimativa, elaborada pela União Brasileira em Defesa da Criação de Novos Municípios (UBDCNM), de que 188 cidades poderiam ser criadas com as novas regras.
Para o diretor de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Ipea, Rogério Boueri, o número será muito maior: "Ao respaldar os pedidos de emancipação já em curso, a promulgação do projeto vai desencadear um processo de grande pressão por aumento no repasse do FPM", avalia.
Boueri explica que, como o FPM é formado por 23,5% do montante arrecadado pelo Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - percentual que irá de forma escalonada a 24,5% nos próximos dois anos -, o desmembramento de um município afeta as finanças de todo o conjunto do Estado. "Como o FPM é fixo e distribuído por faixas de população, onde as menores cidades recebem proporcionalmente mais, a redistribuição desses recursos com novos municípios vai afetar principalmente cidades grandes que não são capitais. Elas por sua vez passarão a pressionar a União por um FPM maior. É um efeito cascata", avalia. Pelas regras atuais do FPM, uma cidade de 15 mil habitantes, por exemplo, recebe menos do que dois municípios de 7,5 mil habitantes somados.
Se a distribuição do FPM é motivo de preocupação, a possibilidade de que distritos distantes possam finalmente possuir uma administração própria é o principal argumento de parlamentares favoráveis à medida. Exemplo supracitado pelo autor do projeto, senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Altamira (PA) tem extensão territorial maior do que vários países da Europa (Portugal, Suíça e Irlanda). Seu território agrega distritos cujo alcance desafia a lógica, como Castelo dos Sonhos, que conta com 15 mil habitantes e está a incríveis 1,1 mil quilômetros da sede administrativa. Uma distância equivalente ao trecho São Paulo-Brasília.
O assunto não é novo. A proposta original, de 2002, buscou preencher um vácuo legal existente desde 1996, quando foi aprovada uma emenda constitucional que exigiu a aprovação de lei federal para disciplinar a criação de novas cidades. Aprovada no Congresso em 2013, a medida foi integralmente vetada pela presidente no fim do ano, sob a justificativa de que permitiria "a expansão expressiva do número de municípios no país, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa" e que não havia receita prevista para tal.
Um substitutivo ao projeto foi elaborado e negociado com o governo, com regras mais duras para a emancipação, como número mínimo de população tanto do município criado quanto do restante na cidade à qual pertencia, existência de um núcleo urbano, tamanho mínimo do território estar fora de terras indígenas ou de preservação ambiental.
Ainda assim, a presidente optou por novo veto, com as mesmas alegações. Segundo parlamentares, a real justificativa era que a presidente, então em campanha pela reeleição, não queria se indispor com prefeitos que batalhavam pela manutenção do território e população sob seu comando, com vistas a não diminuir sua parte no FPM.