Há dois anos, a professora Andrea Oliveira, 33 anos, e a operadora de telemarketing Wilma Lopes, 48 anos, ouvem pregações em um pequeno templo no Setor de Diversões Sul, o Conic. Batizado de Comunidade Athos, oferece cultos três vezes por semana e segue a linha evangélica, com direito aos mesmos cânticos, orações e bênçãos das demais comunidades do segmento religioso. A diferença está no público: 99% são homossexuais. Apenas quatro das 400 pessoas que visitam o local semanalmente se interessam pelo sexo oposto.

Nesse reduto ou em pontos tradicionais, os 18,5 milhões de homossexuais que moram no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), podem frequentar atos de louvor, respeitar os ensinamentos religiosos e contribuir com as necessidade materiais da doutrina escolhida. Mas ainda que a demanda seja grande e existam milhares de templos em uma cidade, como Brasília, nem sempre os gays são considerados parte do rebanho.

A tradicional Igreja Batista, por exemplo, é contrária a seguidores assumidamente homossexuais, embora não proíba ninguém de assistir aos cultos. “Não se trata de discriminação de gênero, afinal, recebemos todo mundo. Mas não vamos ter sócios batizados e praticantes, verdadeiramente membros, que não sigam o que acreditamos”, alega o pastor Ricardo Espíndola, da Igreja Batista Central de Brasília.

Uma das regras da doutrina é filiar apenas praticantes do chamado “sexo abençoado”, ou seja, depois do casamento. E, vale lembrar, o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo é terminantemente proibido por todas as igrejas. “São posicionamentos que a Igreja assume. Entretanto, certa vez, Jesus disse: ‘Venha como estás’, alegando que todos poderiam entrar em sua casa. Quem sou eu para impedir?” pondera Ricardo, que não barra nenhum fiel, mas nega a bênção a alguns, como os gays.

Casais

As fiéis Andrea e Wilma são casadas oficialmente há quatro anos, mas têm registro civil há apenas um. Andrea é de família católica não praticante. Já Wilma, antiga integrante da Assembleia de Deus, conheceu a Comunidade Athos por meio de uma amiga, há quatro anos, mas passou a frequentá-la apenas depois de convencer a esposa.

 Elas devem se tornam mães em janeiro, graças a uma inseminação artificial. De acordo com ambas, a Athos as ajudou a lutar pelo sonho da maternidade. “A igreja nos deu muito apoio. Fico imaginando como tem gente que ainda diz que Deus não existe ou que ele não olha para nós. Se não fosse o Senhor, não teríamos encontrado esse local de libertação e respeito”, ressalta Andrea. Namorados, Hudson de Oliveira e Monassés Pereira Gomes são precursores da Comunidade Athos. Eles são muito atuantes e lutam por mais espaço para os homossexuais em outros segmentos da religião. “Eles são um casal muito dedicado, buscam a fé e tentam diminuir os preconceitos contra os gays”, elogia a pastora Márcia Dias.

Outro templo que também se declara aberto a todos os filhos de Deus é o Ministério Sara Nossa Terra, com 1,3 milhão de seguidores espalhados pelo mundo. Em Brasília, existe um grupo com cerca de 10 homossexuais que frequenta semanalmente as cerimônias. Entre eles, um funcionário público de 30 anos, que não quis se identificar. Apesar da aceitação, ele afirma ter presenciado discriminação. “Não vejo necessidade de fazer isso. Constrange as pessoas”, diz. A Sara informou em nota que mantém em seu corpo de funcionários alguns pastores — mas não bispos — declaradamente “ex-gays”.

Descrença

Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 8% da população brasileira não segue nenhuma religião. Mas não se levou em conta o motivo dessa descrença. Para alguns, como o salgadeiro Derivaldo Silva, 34 anos, ela acabou. Criado em berço evangélico, ele crê em Deus, mas deixou de frequentar qualquer templo há mais de uma década. Ele percebeu que, conforme mudava a imagem, o pastor se distanciava. “Descobri que, só porque eu sou gay, a mulher dele começou a maldizer minha figura. O homossexual é muito demonizado na religião. Existe um forte discurso de ódio que eu simplesmente me recuso a ouvir”, afirma.


Para saber mais

Religiosos contra a homofobia


Segundo a pesquisa realizada em 2013, aproximadamente 16% dos católicos do Brasil são contra uma lei para punir a homofobia. Significa que a grande parte dos frequentadores da Igreja Católica é a favor de criminalizar atitudes negativas contra homossexuais. Entre os evangélicos pentecostais — que creem que o Espírito Santo continua a se manifestar —, foram 24%. Os evangélicos não pentecostais somaram 21%, entre os espíritas kardecistas, apenas 11% são contra a punição da homofobia por lei específica. Os números indicam que os religiosos, em sua maioria, não concordam com a discriminalização de gays.

Discurso liberal

Conhecido pelas simplicidade e modernidade, o papa Francisco fez uma declaração ousada sobre a homossexualidade, em 2013. Ele disse que os gays “não devem ser marginalizados, mas integrados à sociedade” e que não se sente em condição de julgá-los. “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, afirmou. De acordo com o santo padre, “o catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade.” As declarações serviram de resposta para revelações de que um assessor próximo ao pontífice argentino seria homossexual e a uma frase atribuída a ele no início de junho, de que havia um “lobby gay” no Vaticano.