Países árabes reveem investimentos e gastos devido a queda do petróleo
25/11/2014 • Valor Econômico
Por Asa Fitch | The Wall Street Journal
A queda nos preços do petróleo está ameaçando reduzir os investimentos a que os principais países exportadores do Golfo Pérsico vêm recorrendo desde a Primavera Árabe para preservar o apoio de seus cidadãos.
A queda continuada dos preços pode diminuir a compra de ativos estrangeiros pelos governos do Bahrein, Omã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Catar e Kuait e prejudicar o crescimento pós-Primavera Árabe que beneficiou empreiteiras multinacionais.
Essa mudança pode ter consequências para o mercado global de ativos, as políticas regionais e a velocidade do boom de desenvolvimento em que governos aplicaram centenas de bilhões de dólares, beneficiando muitas empresas estrangeiras. Líderes do Golfo Pérsico começam a falar mais abertamente sobre ajustes nos gastos e diversificação econômica para além do petróleo.
O ministro de Petróleo e Gás de Omã, Mohammed al Rumhi, disse este mês que o declínio nos preços é "um desafio porque o país depende do petróleo", segundo o jornal "Muscat Daily". "A queda dos preços do petróleo afetará o orçamento do governo."
Preços mais altos do petróleo ajudaram os governos da região a evitar os tipos de agitações que derrubaram regimes na Tunísia e Egito em 2011. Para manter seus cidadãos satisfeitos, as famílias reais usaram seu poderio fiscal, sustentado pelo petróleo, para começar a construir escolas, hospitais, casas populares, estradas e outros projetos sociais.
Os gastos dos países exportadores de petróleo do Oriente Médio saltaram para mais de US$ 700 bilhões em 2011 e cresceram a uma taxa anual de cerca de 15% até este ano, quando as estimativas mostram uma desaceleração na taxa de expansão, segundo o Instituto de Finanças Internacionais.
"Se o dinheiro não entra, alguma coisa tem que ceder", diz John Sfakianakis, diretor regional para o Oriente Médio da Ashmore, uma gestora britânica de ativos de mercados emergentes. "Em algum momento, esses grandes projetos terão que diminuir a marcha."
Se os preços do petróleo, que caíram de US$ 100 o barril em julho para menos de US$ 80, continuarem baixos, essa desaceleração pode persistir.
A escala desse futuro problema orçamentário é maior na Arábia Saudita, a principal economia do Golfo. O país investiu US$ 265 bilhões no ano passado, estima o Fundo Monetário Internacional. Se não alterar a sua política de gastos, a Arábia Saudita estará a caminho de um déficit orçamentário de 1,4% do PIB em 2015, apesar se sua riqueza enorme.
A Arábia Saudita precisa que o preço do petróleo fique em torno de US$ 97,50 por barril este ano para sustentar seus investimentos sem incorrer em déficit ou ter que usar as suas reservas financeiras, segundo o FMI.
Os preços do petróleo caíram abaixo do limite de equilíbrio fiscal da Arábia Saudita em julho e ficaram nesse patamar desde então. Os níveis de equilíbrio fiscal dos países do Golfo - exceto Catar e Kuait - estão todos acima dos atuais preços do petróleo.
O preço do contrato futuro de petróleo para entrega em janeiro recuou mais 0,95% ontem, para US$ 75,78 o barril, na Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex). Em comparação, o petróleo Brent, a referência mundial, foi negociado a uma média de US$ 110 o barril entre 2011 e 2013.
Os gastos públicos também dispararam nos Emirados Árabes Unidos, que prometeram investir US$ 90 bilhões em projetos até 2017 - muitos deles com ajuda de empresas estrangeiras. Bahrein, Catar, Omã e, numa escala menor, Kuait, também experimentaram surtos de gastos.
É verdade que os grandes exportadores de petróleo do Golfo, incluindo Arábia Saudita, Kuait, EAU e Catar, podem tentar conter a queda nos preços do petróleo.
Estando alguns deles entre os membros mais influentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), poderiam concordar em reduzir a produção, numa tentativa de elevar os preços.
Mas o grupo ainda não chegou a nenhum consenso sobre tais medidas e, mesmo que venha a agir, a influência que elas teriam nos preços não está clara.
Os países também podem emitir dívida ou usar as economias do governo se a receita atual com petróleo não puder pagar os investimentos planejados, dando continuidade aos projetos enquanto ajustam o orçamento.
Os governos, porém, estão relutantes em recorrer a seus fundos soberanos (que juntos têm ativos estimados em mais de US$ 1 trilhão), tornando os cortes nos investimentos a única alternativa depois de empréstimos.
Tais cortes, por outro lado, podem colocar em riscos investimentos que tanto têm beneficiado empresas e investidores estrangeiros. No ano passado, a construtora americana Bechtel Group e a alemã Siemens ganharam contratos para um projeto de linhas de metrô em Riad, a capital da Arábia Saudita, orçado em US$ 23,5 bilhões. Já a petrolífera anglo-holandesa Royal Dutch Shell assinou um acordo com a estatal Qatar Petroleum em 2012 para construir um enorme complexo petroquímico no Catar.
Se os países do Golfo decidirem usar os seus fundos soberanos, isso poderia preocupar alguns dos investidores institucionais mais ativos do mundo.
Os fundos soberanos da região investiram bilhões de dólares nos últimos anos, de imóveis no Reino Unido a projetos de infraestrutura na Austrália e nos Estados Unidos, e foram essenciais para os grandes bancos ocidentais durante a crise financeira. Fundos de Abu Dhabi e do Catar ajudaram a resgatar o Citigroup e o Barclays em 2007 e 2008.
Numa época em que se prega a austeridade, esses fundos ainda poderiam fazer novos investimentos usando dividendos e lucros com investimentos, mas o fluxo de capital do Golfo Pérsico para os mercados internacionais deve diminuir.
A guinada para investimentos domésticos já provocou mudanças nas alocações de fundos soberanos no Catar, onde as receitas com petróleo estão indo agora direto para o governo, contornando o principal fundo soberano do país, o Qatar Investment Authority.
O FMI, por sua vez, exortou recentemente os países do Golfo a controlar os seus gastos. "Acredito que as economias do Golfo terão que projetar uma disciplina fiscal", diz Sfakianakis, diretor da Ashmore. "Eles não querem ser vistos como perdulários."