O laudo da perícia dos restos mortais do ex-presidente João Goulart não encontrou qualquer vestígio comprovatório de que Jango morreu envenenado em 1976, de acordo com a Polícia Federal. Especialistas brasileiros e estrangeiros não descartam, contudo, a possibilidade de o líder trabalhista ter sido vítima de um atentado. Eles alegam que as substâncias podem ter desaparecido, já que se passaram 37 anos desde a morte de Jango.

Os peritos analisaram laudos produzidos por três laboratórios distintos sobre os restos mortais do presidente, cuja deposição deu início à ditadura militar (1964-85). À época exilado, Jango morreu em casa, na Argentina. A causa oficial da morte foi infarto. No entanto, parentes e amigos do ex-presidente sustentam que ele foi uma das vítimas da Operação Condor, montada pelas ditaduras militares do Brasil, da Argentina e do Uruguai para perseguir opositores. A suspeita era de envenenamento por uma cápsula colocada no frasco de medicamentos que ele tomava para controlar problemas no coração.

Nenhum medicamento tóxico ou veneno foi identificado nas amostras analisadas, afirmou o perito criminal da PF Jeferson Evangelista. No total, 700 mil substâncias foram testadas nas amostras. Evangelista detalhou que foram investigados, por exemplo, 15 elementos químicos citados pelo ex-agente da repressão uruguaia Mario Neira Barreiro, que afirmou ter acontecido uma troca nos medicamentos. Estas foram todas descartadas, disse.

O perito cubano Jorge Perez, designado pela família de Jango para acompanhar os trabalhos, disse que não é possível comprovar se a morte do ex-presidente decorreu de um infarto ou envenenamento. Do ponto de vista científico, as duas opções se mantêm. É importante a continuidade de investigação por outros meios, reforçou.

A família de Jango filhos e netos estava presente, com exceção da viúva Maria Thereza Goulart. João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, afirmou que tinha noção de que seria difícil, 37 anos depois, o resultado apontar a presença de algum veneno. A família decidiu por um passo doloroso. Sabíamos que era remota a possibilidade de se encontrar alguma substância. Entendemos que não pode pairar sobre um ex-presidente da República, o único que morreu no exílio, qualquer dúvida sobre o que ocorreu. Temos um laudo que diz que ele não faleceu de forma natural, nem se pode provar que existiu alguma substância que o teria levado a morte. Vamos continuar lutando, disse. O processo foi iniciado pela família de Jango, que pôde acompanhar as etapas do processo, como a exumação dos restos mortais, em novembro do ano passado. O Ministério Público Federal ainda tem uma investigação aberta sobre a morte do ex-presidente.

Democracia
A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvatti, destacou que somente em uma democracia seria possível uma investigação dessa. Um laudo pericial também faz parte de um resgate histórico. Só numa democracia é possível dar andamento a um processo desse, de uma morte ocorrida na ditadura. A ditadura pôde matar sem qualquer processo de investigação, disse a ministra.

Apesar de em 2008, ter elogiado o período de repressão, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, também esteve presente na cerimônia. Ele contou sobre a convivência com Jango. Questionada, a ministra Ideli afirmou que só o próprio Lobão poderia explicar o motivo da participação. João Vicente também se disse surpreso com a presença de Lobão. Mas são coisas da democracia. Melhor ele do que o outro Lobão, brincou ele, sobre o músico de mesmo nome, crítico contumaz do governo.

 

Memória

Honras atrasadas
Os restos mortais do ex-presidente foram exumados em 13 de novembro do ano passado, na cidade de São Borja (RS), terra natal da família Goulart. Todo o processo foi acompanhado pela então ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Em 14 de novembro, o ex-presidente recebeu honrarias de chefe de Estado, em Brasília. A cerimônia que recebeu o caixão com os restos mortais de Jango teve a participação da presidente Dilma Rousseff e dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Collor de Mello e José Sarney, além de ministros de Estado. A viúva do ex-presidente, Maria Tereza Goulart, chorou algumas vezes durante o evento, principalmente, ao receber a bandeira do Brasil que cobria o caixão.

Quando morreu, nos anos 1970 auge da ditadura , Jango foi enterrado às pressas. Maria do Rosário disse que o corpo foi recebido pelo povo nas ruas, mas, por ordens dos militares, o caixão foi transportado de maneira desrespeitosa.


Em 18 de dezembro de 2013, Congresso devolveu de maneira simbólica o mandato de presidente da República a João Goulart. A devolução ocorreu depois de os parlamentares aprovarem um projeto que anulou a sessão legislativa que destituiu o ex-presidente do cargo em 1964.