A presidente Dilma Rousseff se antecipou às pressões de parlamentares e resolveu, ela própria, chantagear a sua base de sustentação, para que deputados e senadores aprovem o projeto que altera as regras de superavit primário, na sessão de hoje no Congresso. Em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) de sexta-feira, o governo ofereceu R$ 10,032 bilhões de recursos discricionários (eram R$ 7,8 bilhões), dos quais R$ 444 milhões em emendas parlamentares. Mas condicionou a liberação dos recursos à aprovação do projeto do superavit, cuja meta de superavit primário caiu de R$ 80,8 bilhões para R$ 10,1 bilhões, o que significa 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) - no início do ano, o percentual era de 3,1%. 

O DOU extra circulou antes de a presidente se reunir, pela primeira vez, com os líderes dos partidos que dão sustentação ao governo e que a ajudaram na campanha pela reeleição - exceção feita ao PTB, que, oficialmente, apoiou a candidatura presidencial do tucano Aécio Neves (MG). Estiveram no começo da noite de ontem no Palácio do Planalto os líderes do PT, PMDB, PSD, PP, PR, PTdoB, PRP, PROS, PDT, PTB, PCDOB, PRB e PSC. 

Dilma pediu empenho para a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e do projeto que altera o superavit. O decreto publicado no DOU ressaltou que a não aprovação da mudança forçará o Ministério do Planejamento a elaborar um novo relatório de receitas e de despesas, além de encaminhar nova proposta. O último balanço fiscal já considerou a meta adaptada de superavit prevista no projeto em tramitação no Congresso. 

Com as contas no vermelho, o governo enviou um projeto alterando a LDO permitindo ao Executivo descontar da meta, uma poupança para pagar juros da dívida, todo o valor gasto anual com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com desonerações tributárias. Com a proposta, a meta fiscal, hoje de ao menos R$ 81 bilhões, deixa de existir na prática, e o governo fica autorizado até mesmo a fechar o ano com as contas no vermelho. 

OPlanalto tem tido dificuldades para aprovar a manobra no Legislativo. Dilma chegou a adiar em uma semana a confirmação dos nomes da nova equipe econômica, à espera da aprovação da LDO. Na semana passada, o projeto foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento (CMO), numa sessão tumultuada. Mas não houve quórum na quarta-feira para votação na sessão do Congresso. 

Adiamento 
Sem a aprovação do texto, o Planalto anunciou, na última quinta-feira, os futuros ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento), além da manutenção de Alexandre Tombini como presidente do Banco Central (BC). Esta semana, o Executivo voltou à carga pois, sem a aprovação da alteração na regra de superavit, pode ser acusado de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

Na reunião com os líderes ontem, Dilma defendeu as desonerações tributárias promovidas pelo governo ao longo do ano. Segundo ela, se as medidas não tivessem sido tomadas, o PIB teria encolhido 1,5%, com reflexos graves no emprego. Além disso, lembrou as medidas para aliviar a folha de pagamento de diversos setores empresariais, que auxiliaram a manutenção dos postos de trabalho.

O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ) - desafeto do governo, mas que tem se alinhado com o Planalto na questão do equilíbrio fiscal -, propôs no encontro um pacto para que projetos com repercussão na economia, a chamada "pauta-bomba", não sejam aprovados. A mesma sugestão foi feita no ano passado, última vez que a presidente se reuniu com integrantes da base para discutir pautas políticas e econômicas. 

Segundo parlamentares presentes ao encontro, a presidente afirmou que recebeu um telefonema do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pedindo ajuda "para fechar as contas". "Então, peça para a oposição parar de obstruir a votação do superavit", teria respondido ela, segundo aliados. 

A oposição não se sensibilizou com o apelo presidencial. O candidato derrotado à Presidência Aécio Neves afirmou ontem, em Florianópolis, que, se a base não aprovar o projeto, as consequências serão gravíssimas. "O que estamos vendo é uma presidente da República iniciando, de forma extremamente frágil, o seu segundo mandato, refém do Congresso. Imagina a força que essa base ou o partido dessa base passam a ter em definir a sua participação desse governo. Infelizmente, um governo recém-eleito, mas já com cheiro de fim de governo", atacou. 

O tucano previu ainda o risco de o país ter a sua nota de crédito rebaixada pelas agências de classificação de risco. "Não se espantem se, em pouco tempo, tivermos uma diminuição da nota de crédito no Brasil, impactando na vinda de investimentos estrangeiros", emendou. 

Defesa 
O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), minimizou o custo para a imagem do país. "No G20, há 17 países com deficit fiscal. Somos um dos poucos que está pedindo licença do governo para fazer um superavit menor", afirmou ao fim da reunião no Planalto. Mas, sem os descontos autorizados na LDO, o país teria deficit primário. As deduções com obras de infraestrutura e com desonerações fiscais concedidas a empresas somam R$ 139 bilhões. 

Responsável pela articulação política com o Congresso, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Ricardo Berzoini, negou que o decreto do DOU tenha sido uma forma de pressionar deputados e senadores. "É um valor muito baixo, que não passa de R$ 700 mil por parlamentar, o que representa 15% a 20% do total de emendas contingenciadas. Se fosse para ser algo realmente atrativo, o governo deveria liberar todo o montante", ironizou. 

Para o deputado José Guimarães (PT-CE), é uma vergonha o Congresso ter chegado a dezembro e não ter votado ainda a LDO de 2014. "Com o orçamento impositivo, ficou impossível barganhar votações com emendas parlamentares, já que todos deputados e senadores, inclusive da oposição, terão seus recursos liberados." Ele admitiu, contudo, que a reação preventiva do governo é efetiva. "Foi uma maneira de o Planalto se proteger contra pressões indevidas e exageradas dos aliados", arrematou.