Parece que tomar papéis de empresas na bolsa de valores emprestados está "fora de moda". Após quatro anos consecutivos de crescimento, as operações de aluguéis de ações caminham para sua primeira queda. O volume financeiro movimentado pelos empréstimos no acumulado do ano até outubro alcançou R$ 640,2 bilhões, uma queda da ordem de 24% em relação ao mesmo período de 2013. Em número de operações, a redução é menor, de 9%, para cerca de 1,3 milhão. O ritmo era de crescimento ininterrupto do giro desde 2010. 

A comparação com o ano passado, quando os aluguéis aumentaram 28% em volume, fica distorcida por conta das operações envolvendo ações do grupo EBX, do empresário Eike Batista, mas o desaquecimento visto em 2014 tem outras justificativas, segundo especialistas. 

Incertezas vinculadas às eleições presidenciais e a realização da Copa do Mundo, que esfriou os negócios na bolsa como um todo, elevaram a volatilidade do mercado acionário, o que prejudicou as operações com empréstimos de papéis, avaliam corretoras. A menor previsibilidade e a bolsa mais barata deixaram os investidores com maior aversão a abrir posições "vendidas", ou seja, em que apostam na baixa de uma ação. 

E há outro fator em jogo. A partir de 1º de janeiro de 2015, os gestores de fundos que se utilizam de estratégias "long and short" - quando são casadas apostas de alta em alguns papéis e de baixa em outros ou no próprio Ibovespa - deixarão de ter uma vantagem tributária que ainda hoje resulta em aumento no valor das suas cotas. Chamada de "barriga de aluguel" - ou operação de juros sobre capital próprio (JCP) -, a estratégia adotada pelo fundo consiste em alugar ações de pessoas físicas antes do pagamento dos proventos, recebê-los e depois devolver os papéis para o doador pagando o JCP já com o desconto do imposto de renda. A operação gera lucro devido à diferença tributária no recebimento do JCP, já que, até agora, enquanto os fundos são isentos, as pessoas físicas pagam alíquota de 15%. Desta forma, ao fazer a operação, o fundo embolsa a diferença do imposto. 

O diretor da Bradesco Corretora, Anibal César dos Santos, ressalta que a atuação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) ao longo do ano, que indicou aos associados que essa era uma prática que não deveria ser adotada, já teve efeito inibidor nas operações de aluguéis. 

Ele destaca, contudo, que os empréstimos de ações têm um uso muito mais amplo, seja para operações de "cash and carry" (que consistem em buscar ganhos com apostas de alta no mercado à vista e queda no mercado futuro) ou arbitragem, via estratégia long and short. Essa categoria de fundos, inclusive, é uma das que têm se destacado em 2014. Segundo dados da Anbima, as carteiras do tipo long and short neutro, que fazem parte da categoria multimercados, acumulavam retorno de 11,05% no ano até o último dia 12, acima da variação do CDI, que subiu 9,35% no mesmo período. 

Apesar do desempenho, Claudio Delbrueck, gestor do fundo long and short da Solana Capital, afirma que o ano tem sido mais complicado para os fundos multimercados de forma geral, dada a volatilidade nos mercados. Mas a tendência, diz, é que, a partir deste mês, o nível de oscilação se reduza significativamente. Os eventos de 2014 pesaram sobre a implementação da estratégia na gestão do fundo long and short. 

"Houve momentos, como no início do ano, em que a alocação setorial [com posições compradas em um setor e vendidas em outro] gerou um bom retorno. No meio do ano e, antes das eleições, optamos por concentrar nossas posições em estratégias dentro dos mesmos setores para diminuir nossa exposição aos riscos eleitorais", explica Delbrueck. 

Segundo o gestor, a definição do substituto do ministro da Fazenda, Guido Mantega, será fundamental para a definição das estratégias para 2015 e 2016. 

Para o investidor que tem uma carteira de ações e não pretende se desfazer dos papéis neste momento, por conta do mercado em baixa, há oportunidades para ganhar com o empréstimo. O operador da Votorantim Corretora João Victor Caccese chama atenção para papéis do setor elétrico, que costumam ter taxas mais altas de aluguel, inclusive pela dificuldade de tomar as ações emprestadas, dada a concentração por parte de fundações. 

Conforme dados da BM&FBovespa, as ações preferenciais da AES Tietê, por exemplo, apresentavam taxa média anual de 5,73% para o doador ao fim do ano passado, bem abaixo dos 14,66% atuais, considerando um período de três dias úteis até 17 de novembro. Na mesma base de comparação, destaque também para o aumento das taxas dos papéis Light ON (3,93% para 9,39%), CCR ON (1,00% para 8,36%), Natura ON (3,25% para 8,32%) e Usiminas PNA (0,99% para 5,09%). 

Na direção oposta, chama atenção a redução da taxa de aluguel de ações como da Eletropaulo PN (22,90% para 0,97%), Gafisa ON (48,87% para 1,54%), Marfrig ON (28,25% para 4,75%) e MRV ON (12,87% para 2,36%). 

Com o ano mais calmo em termos de negócios, Caccese destaca ser natural uma queda das taxas de aluguel. Assim como Delbrueck, da Solana, ele aponta o peso das incertezas relativas ao cenário macroeconômico sobre o desaquecimento do ritmo de empréstimos de ações em 2014. 

"Começando 2015, vejo os gestores com os dados que precisam para fazer projeções e análises macroeconômicas, e voltar a ter esse fluxo de long and short, que é o que movimenta os aluguéis. É natural a diminuição de fluxo e agora começa a haver uma retomada de posições em aberto", afirma o operador da Votorantim. 

Caccese entrou na Votorantim em maio justamente para desenvolver a mesa de aluguel de ações. A corretora tem estratégias long and short para clientes pessoas físicas e institucionais, sendo esses últimos os principais tomadores. O investidor de varejo tem maior atuação na ponta doadora, ou seja, emprestando o papel em troca de uma remuneração, com uma fatia de 23% sobre o volume movimentado na bolsa no ano. Os fundos respondem por 38% dos empréstimos e os estrangeiros, por 34%. Do lado tomador, os investidores institucionais concentram as operações, com 59% do volume total, seguidos pelos estrangeiros, com 33%. A pessoa física ainda tem uma atuação contida para tomar empréstimos, com participação de apenas 2,7%. 

Na visão do operador da Votorantim Corretora, é natural a preferência do pequeno investidor pelas doações, dado o olhar mais voltado ao longo prazo, menos especulativo. Ainda que o conhecimento da pessoa física pelas estratégias long and short aumente aos poucos, ele destaca que o mercado de aluguéis ainda é sofisticado, o que limita a maior participação do público de varejo. "Mas o mercado de ações como um todo tem muito espaço no Brasil ainda e o aluguel, na minha visão, cresce junto", diz. 

Na comparação com 2013, os fundos aumentaram a participação na ponta doadora, e perderam na tomadora. "Com os mercados difíceis nos últimos anos, os gestores têm procurado novas formas de agregar retorno", diz Gabriel Boselli, responsável pela mesa de aluguel de ações da XP Investimentos. 

Com o contrato reversível ao doador (que permite que ele receba de volta o papel antes do prazo acordado), assinala Carlos Ferreira, diretor institucional da XP, os próprios gestores de fundos têm hoje muito mais conforto para emprestar ações. "Hoje, 99% das operações é feita dessa forma", aponta. 

Boselli assinala que, na corretora, muitos clientes resolveram esperar as eleições para voltar a operar na parte "short". Em outubro, o número de negócios atingiu o maior nível desde março. 

A XP também espera mudanças no mercado com a mudança na tributação incidente sobre juros sobre capital próprios nos fundos a partir de janeiro, com uma possível redução do volume. Para Boselli, com a alteração, o mercado vai ficar mais linear, sem distorções causadas por eventos corporativos, como a própria distribuição do JCP. À medida que as datas de corte para ter o direito de recebimento do juro pago por determinada empresa se aproximavam, muitas vezes as taxas de aluguel das respectivas ações disparavam com o aumento na procura. 

Dentre as oportunidades atuais, a XP também enxerga potencial em papéis de energia, como AES Tietê PN, e destaca que Sabesp chamou atenção recentemente. "Era um ativo que negociava a uma taxa de 2% e que chegou a 20%, 30%", diz. Pelos dados mais recentes da bolsa, a taxa média anual da companhia de saneamento para o doador está em 8,29%. 

A corretora do Bradesco diz que o ano tem sido de crescimento nos empréstimos de ações e que conseguiu desenvolver um trabalho com clientes pessoas físicas que tinham posições paradas. No Brasil, é preciso ter uma autorização dos investidores para que a corretora ofereça seus papéis para aluguel. "Também conseguimos desenvolver um trabalho muito grande com os próprios clientes institucionais para fazer internamente as operações de aluguel", afirma o diretor da instituição. 

A queda das taxas de aluguel, afirma Adilson Tanabi, superintendente da corretora do Bradesco, está naturalmente vinculada à menor procura por parte dos tomadores, o que pode estar atrelado ao próprio nível de preço da bolsa. A taxa média anual para quem quer alugar hoje a carteira do Ibovespa (via ETF BOVA11) corresponde a 2,69%, ante os 4,53% do fim de 2013. 

"No primeiro semestre de 2014 o índice estava trabalhando bem abaixo dos 50 mil pontos, o que inibiu a vontade do mercado de ficar vendido. E o espaço para queda de determinados papéis pode estar muito pequeno", assinala Tanabi. É por isso que a corretora opta por operações casadas, de long and short, porque a exposição do investidor à perda com determinada ação fica menor.