Marcelo Stipp, 39, investe em ações da Petrobras desde 2006 e segue otimista com a empresa: "Se o preço bater em R$ 10,00, penso em dobrar a posição" Vender, manter ou comprar? Há recomendações para todos os gostos e estilos de investidores. Em meio aos escândalos de corrupção e uma crise sem precedentes na história da principal empresa brasileira, detentores de papéis da Petrobras se debruçam agora sobre o que fazer com os ativos. E a tarefa não é nada simples. As ações da companhia caminham para o quinto ano seguido de baixa. Até ontem, os papéis preferenciais caíam 20,4% em 2014 - maior recuo anual desde 2010 (-22,95%) -, para R$ 12,78. E a base de pessoas físicas que apostam na Petrobras, ainda que muito menor que no passado, segue expressiva. Conforme os dados mais recentes, em abril, 278.953 investidores tinham papéis da estatal e mais de 250 mil aplicavam via fundos abertos ou mútuos de privatização, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Marcelo Stipp, 39 anos, começou a investir na bolsa em 2006, quando comprou justamente as ações da Petrobras e também da Vale, as chamadas "blue chips" do mercado. Desde então, pegou algumas crises da empresa, com destaque para a capitalização de 2010, mas nunca pensou em vender os papéis. E agora não é diferente. "Venho comprando constantemente Petrobras e ainda aposto bastante nela. A ação está muito barata", diz Stipp, formado em ciência da computação e administração de empresas. De olho principalmente na cotação dos papéis, o investidor pensa em inclusive engordar o portfólio com novas compras. "Se o preço bater em R$ 10,00, penso em dobrar a posição." Estudioso da análise técnica, Stipp ainda aumentou o patrimônio durante as eleições com operações especulativas, elaboradas por meio de opções de ações. Mas essa estratégia é voltada apenas ao curto prazo. Ele conta com outras duas carteiras diversificadas, montadas com base nos fundamentos das empresas: uma de ações de primeira linha, formada por nomes como Petrobras, Vale, BM&FBovespa, CSN e Banco do Brasil, e outra de dividendos, com papéis como os da Sabesp, AES Tietê, Odontoprev e Marcopolo. Como investidor aplicado, o olhar de Stipp está voltado ao longo prazo, com carteiras para a sua aposentadoria. Hoje, ele tem cerca de R$ 500 mil aplicados em bolsa, via ações diretas e fundos. "Invisto em Petrobras pensando em 10, 15 anos. É a maior empresa do país, o governo não vai deixar quebrar, e tem uma matéria-prima que vai sobreviver por um bom tempo", comenta o investidor, cujo preço médio das ações da estatal na carteira corresponde a R$ 23,00, quase o dobro da cotação atual. Enquanto alguns seguem otimistas com a Petrobras, há quem já tenha entregado os pontos. É o caso de Sérgio Romano, 65, executivo aposentado que perdeu a confiança na companhia. "Ela pode até apresentar melhores resultados em função da exploração do pré-sal, mas, por princípio, não tenho mais nenhuma disposição para investir", afirma. Segundo o engenheiro e administrador de empresas, a questão vai além do aspecto racional e envolve um desapontamento com o controlador da companhia, no caso o governo brasileiro. "Além de estar com uma gestão péssima, a Petrobras é utilizada pelo governo para controle de preços. Não há motivação para investir numa empresa como essa", avalia. Romano diz ter hoje uma posição residual nas ações da companhia, apenas por vê-la como simbólica no mercado. Investidor de bolsa há mais de dez anos, ele começou a aplicar em Petrobras atraído pela grandiosidade da companhia e de olho nos preços internacionais do petróleo, elevados na ocasião. Romano também aderiu à capitalização de 2010, quando a empresa captou cerca de R$ 120 bilhões em uma oferta de ações para financiar a exploração no pré-sal. Na época, o investidor diz ter pagado R$ 26,00 pelas ações da estatal e, posteriormente, mesmo com a derrocada das cotações, passou a vender os papéis e realizar o prejuízo. A maior liquidação foi feita em 2011, quando já estava desencantado com a empresa. E esse desânimo sobrou para outras companhias listadas em bolsa. "Não coloco mais nenhum centavo em empresa estatal", diz o investidor, que tem cerca de 13 papéis em carteira, como de Ambev, CCR, Souza Cruz e Bradesco. Roberto Saboya, 74, também integra o grupo dos desmotivados com a Petrobras, mas não perdeu todas as esperanças. Com a primeira ação da estatal adquirida em 1959, ele liquidou a última posição em setembro e não tem planos de voltar tão cedo. Além de esperar por um aumento do preço do petróleo no cenário externo, por considerar o atual patamar artificial, Saboya ressalta que é preciso esperar a crise passar e ficar atento ao movimento dos investidores estrangeiros. Quando eles voltarem a comprar os papéis, diz, ele poderá acompanhar a toada. "O escândalo a longo prazo é bom, porque vai arrumar a empresa. Ela vai ser mais eficiente, ganhar mais dinheiro e, após uma subscrição e com a volta do preço do petróleo à normalidade, a Petrobras vai voltar a ser uma empresa espetacular", diz o investidor, que espera um cenário mais claro até o fim de 2015. Escândalo da empresa poderá surtir efeitos positivos no longo prazo, com mudanças estruturais de gestão O professor de governança corporativa Alexandre Di Miceli, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), ressalta que há mesmo dois lados da moeda no atual contexto da Petrobras. "Você pode ter uma perspectiva de mudança radical e para melhor, em vez da manutenção de indefinição e má qualidade de gestão. E, pelo lado negativo, a reputação é algo que se demora muito para recuperar", diz. O desgaste da reputação da Petrobras é o principal aspecto dessa crise, na visão do professor, o que engloba incertezas no plano financeiro, como em relação a endividamento, planos de investimento, expectativas de receitas e a rentabilidade de determinados projetos. Mas há também uma questão vinculada à gestão da companhia. "É um momento em que chegamos ao fundo do poço e alguma coisa vai ter que acontecer, não se pode mais empurrar com a barriga. Num melhor cenário, a empresa até poderia mudar a estrutura de gestão de pessoas, com trocas de lideranças, e mitigar a questão da influência política, o que teria um grande impacto de percepção do mercado como um todo", observa Di Miceli. A situação é bastante incerta e confusa especialmente para o pequeno investidor de longa data, que tem dificuldades naturais de reconhecer prejuízos. O professor também chama atenção para o lado ético da turbulência, diante da falta de compromisso da Petrobras com os investidores e seu uso sistemático para gerar recursos para o mundo político, assinala. Apesar dos pontos elencados, Di Miceli não espera que os investidores deixem de olhar para a Petrobras de um dia para o outro. "Esse tipo de reflexão vai ser exceção em vez da regra", afirma. E especialmente considerando como a pessoa física atua em efeito manada. "Quando o papel começar a subir de novo, é natural que as pessoas voltem a entrar, sem nenhum tipo de questionamento." "Dinheiro não guarda rancor", endossa um diretor de fundo de pensão, que pediu para não ser identificado. Mas a empresa terá que fazer a lição de casa, complementa, e, além de reanimar os investidores, terá o trabalho de recuperar a autoestima dos próprios funcionários. De toda forma, a piora na reputação da estatal cruzou o oceano e foi parar no mercado americano, no qual a Petrobras também negocia ações (no caso, ADRs) e onde está sendo investigada pela Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana. E se no Brasil o investidor tem um escopo limitado para alocar os recursos em bolsa, no exterior, o mercado de capitais oferece mais oportunidades, o que pode levar ao desinteresse de estrangeiros pelas ações da empresa, indica o professor. "A Petrobras é muito mais importante para a carteira do investidor local que para o estrangeiro. O impacto pode ser diferenciado", aponta Di Miceli. O fato é que o episódio é ruim como um todo e afugenta mais uma vez investidores da bolsa, que no ano passado já saíram bastante "machucados" pela crise das empresas do grupo EBX. Na semana passada, o diretor-presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, admitiu que as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras e que levaram a estatal a adiar a publicação do balanço trimestral poderão ter reflexos na imagem do mercado de capitais brasileiro. E num contexto em que a bolsa tem sofrido com a perda de aplicadores. Após alcançar o pico em fim de período de 610 mil contas de pessoas físicas em 2010, o mercado conta com hoje com aproximadamente 557 mil. Para Di Miceli, a bolsa está andando para trás ao retomar discussões do fim da década de 90 e tem perdido credibilidade. "O problema hoje é que a bolsa é uma empresa e, como tal, num momento de crise de mercado, não sofre problemas de curto prazo, porque o episódio gera muita volatilidade e, consequentemente, receita. Mas, com certeza, em termos de formação de mercado, no longo prazo, [o episódio] é muito ruim", destaca o professor. "A bolsa tem que repensar seu papel no sentido de formar o mercado e muitas vezes tem que ser rigorosa", diz, referindo-se, entre outros, à continuidade de listagem de empresas que tiveram sérios problemas, como as do grupo X, em níveis de governança. Na avaliação de Herbert Steinberg, sócio-fundador da consultoria Mesa Corporate Governance, a situação atual enfrentada pela Petrobras mostra uma falta de controle. "Nem é questão de competência, mas ela está sob fogo cruzado. A situação é grave e a impressão é de que a empresa está reagindo tempestivamente ao que acontece", afirma. Eliane Lustosa, vice-presidente do conselho de administração do Instituto de Governança Corporativa (IBGC), ressalta a importância da transparência e da prestação de contas pela empresa ao longo do processo. "O mercado não pode ficar às cegas." Há três pontos principais a serem informados nessa crise, segundo Eliane: a empresa deve reconhecer os problemas e anunciar sua investigação; rever os processos de maneira diligente para que as questões não continuem a acontecer; e, em relação ao passado, à medida que as investigações avançarem, recuperar os recursos desviados. Ver também: CVM abre 17 processos para averiguar Petrobras Estatal ainda coleciona "compra"