Título: Juros corroem o orçamento
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2011, Economia, p. 12

Taxas de mais de 200% ao ano cobradas no cartão de crédito e no cheque especial levam milhões de pessoas às listas de maus pagadores

Não é preciso ser nenhum especialista em economia para perceber o quanto as taxas de juros cobradas dos consumidores brasileiros são elevadas e que o excesso de dívidas pode levar à destruição financeira. Enquanto, no país, os encargos dos cartões de crédito são, em média, de 237,69% ao ano (10,69% ao mês), nos Estados Unidos e na Inglaterra estão, respectivamente, em 14,84% (1,16% mensais) e 16,80% (1,30% ao mês) anuais.

Supondo que, ao longo de um ano, o consumidor pague apenas 10% da dívida por mês ¿ mínimo permitido pelo Banco Central para quem já tem cartão de crédito; nos novos, o piso é de 15% ¿, ao fim do prazo a pessoa continuará devendo praticamente o valor inicial da fatura. Ou seja, um débito de R$ 1 mil, depois de 12 meses de consecutivas amortizações, continuará em R$ 953,03. Na Inglaterra, seguindo a mesma regra, o saldo final do cartão será de R$ 361,71 e, nos EUA, de R$ 356,25. Caso os mesmos R$ 1 mil deixem de ser pagos no cheque especial, em um ano, a fatura mais que dobrará, atingindo R$ 2.426.

Diante desse quadro, Geraldo Tardin, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), não tem dúvidas: os juros abusivos praticados no Brasil, somados à falta de planejamento financeiro, são os maiores vilões do superendividamento das famílias. Para ele, os consumidores que só pagam o valor mínimo do cartão de crédito são os mais prejudicados. Não à toa, o BC elevou para 15% o valor mínimo para pagamento desde 1° de julho, piso que subirá para 20% em dezembro. "Já recebi mais de mil clientes com problemas. Se parássemos para analisar como os juros corroem o orçamento deles, todos estariam em situação falimentar", afirma.

Na Justiça Para os especialistas, é preciso deixar claro que pegar um empréstimo ou comprar um bem financiado, como um carro, não tem nada de anormal. O crédito, ao contrário, é vital para estimular o crescimento econômico, desde que sem exageros. "Portanto, basta ter bom senso. Comprar com cartão de crédito, por exemplo, só se for para pagamento integral da fatura no vencimento", ensina Ione Amorim, economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). "Em qualquer outra situação, o consumidor estará fazendo um péssimo negócio. Isso porque os juros do cartão são um caminho certo para a inadimplência", avisa.

As dicas para sair do atoleiro são muitas. No caso de quem se enrolou com as prestações de um financiamento ou contraiu empréstimos impagáveis, renegociar os débitos pode ser uma opção para tirar o nome dos cadastros de maus pagadores. Em casos extremos, a Justiça pode ajustar a dívida ao orçamento do devedor. O advogado especialista em direito do consumidor Milton Cleber Lopes conta que o número de pessoas que acionam os tribunais para renegociar os débitos vem aumentando.

"Infelizmente, o consumo desenfreado está sendo incentivado. Qualquer pessoa consegue um cartão de crédito ou um cheque especial com limites bem superiores ao salário. Só não se dão conta dos juros altíssimos", diz. "Quando recorre a um crediário, o consumidor analisa apenas se a prestação cabe no seu orçamento, não vê o quanto a mais terá de pagar em taxas", acrescenta. A consequência disso são contas enroladas.

O advogado ensina como contestar os juros altos na Justiça. "Se a pessoa achar que são abusivos, pode entrar com uma ação. São muitos os casos vitoriosos", garante. Mas é importante, também, reclamar nos órgãos de defesa do consumidor. "Os Procons não podem punir, mas oferecem cálculos para serem usados nas perícias judiciais, o que ajuda nas decisões", alerta. Quanto às negociações, ele aponta que 99% dos casos têm êxito. "Após cinco anos de dívida, o credor é obrigado a retirar o nome do devedor dos serviços de proteção ao crédito (SPCs). Por isso, prefere receber uma quantia menor do que perder tudo."

Corda no pescoço O vendedor Gilmar Alves Pereira, 30 anos, deve mais de R$ 5 mil, fruto do financiamento de uma moto, que não consegue renegociar. Seu nome está sujo há seis meses. "Eu ligo para o vendedor toda semana e, na loja, me pedem para eu ligar depois, pois vão analisar o caso", conta. Ele reconhece que avançou o sinal ao não se dar conta de que, com as taxas de juros cobradas nas prestações, não teria como pagá-las.

Não é a primeira vez que Pereira fica com a corda no pescoço. "Sempre gasto demais e acabo tendo de renegociar. Mas são valores pequenos, de até R$ 200. Desta vez, exagerei", assume. Apesar do aperto, faz novos planos. "Quero trocar de carro", afirma.

Com dezenas de bolsas em sua casa, a estudante Rachel Scott, 19, não resiste à tentação de consumir. "É a minha paixão", admite. Alguns exemplares ela usou apenas uma vez. "O prazer está mesmo em ter e guardar", relata. A jovem, entretanto, não se considera uma consumidora compulsiva. "Não me acho consumista, mas gosto muito de comprar. Quem é não assume", diz. Seu cartão de crédito teve de ser bloqueado para que ela não passasse dos limites. "Cancelei, porque sabia que ficaria endividada."