Um dia após a divulgação da notícia de que Augusto Mendonça Neto, executivo da Toyo Setal, em sua delação premiada, ter afirmado que parte da propina por desvios em obras na Petrobras virou doação oficial para o PT entre 2008 e 2011, o governo defendeu a legalidade dos recursos usados nas campanhas eleitorais. A presidente Dilma Rousseff, eleita em 2010, cobrou respeito às urnas, enquanto dois ministros - José Eduardo Cardozo (Justiça) e Luís Inácio Adams (Advocacia Geral da União) - defenderam a regularidade das eleições vencidas pelo PT. A oposição quer responsabilizar Dilma, se comprovados desvios na campanha.

As declarações de Dilma foram feitas em solenidade no Palácio do Planalto, com a presença do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que deve disputar com o senador Aécio Neves (MG) o posto de candidato tucano para as eleições presidenciais de 2018. Dilma disse que, passadas as eleições, é preciso respeitar a vontade do eleitor brasileiro, que reelegeu o PT no âmbito federal, mas deu a vitória ao PSDB no maior estado brasileiro.

Dilma e Alckmin participaram da assinatura de convênios no valor de R$ 3,24 bilhões para obras de abastecimento de água e de mobilidade urbana em São Paulo.

- É fato que, durante a campanha, é natural divergir, é natural criticar, é natural disputar. E, mesmo em alguns momentos, é, diríamos assim, compreensível que as temperaturas se elevem. No entanto, depois de eleito, nós temos de respeitar as escolhas legítimas da população brasileira em um país que preza a democracia, que está em processo, inclusive, de construir cada vez mais, e de aprofundar a sua democracia, que está ficando cada vez mais madura - afirmou a presidente.

"querem ganhar no tapetão"

Horas depois, o ministro da Justiça fez uma defesa enfática das campanhas da presidente de 2010 e deste ano. Segundo o ministro, não houve uso de recursos ilegais nas duas ocasiões. Ele afirmou que a oposição está distorcendo trechos do depoimento de Mendonça para criar um clima de instabilidade e, por vias tortas, voltar ao poder. Cardozo chegou a classificar os movimentos da oposição como tentação golpista:

- Não há nenhum indicativo de que a campanha de 2010 e 2014 tenha recebido recursos em situação indevida. Algumas pessoas, parece, não assimilaram a derrota (nas eleições). Perderam no campo e querem ganhar no tapetão. O Brasil quer a verdade. Não quer pessoas que, com aspiração revanchista ou golpista, construam verdades a partir de seus desejos - disse Cardozo.

Em um dos depoimentos que prestou após o acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, Mendonça disse que pagou propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e que parte do dinheiro (R$ 4,5 milhões) teria sido registrado como doação oficial ao PT. Os pagamentos teriam ocorrido entre 2008 e 2011 - dentro do período em que Dilma se candidatou à Presidência pela primeira vez.

Ao contrário de Aécio, que tem adotado tom agressivo, Alckmin usou um tom conciliador. Citou o líder indiano Gandhi, que colocou, entre os motivos da barbárie, "a política sem princípios". Alckmin listou ações em parceria com o governo federal para reduzir a miséria, no âmbito do programa Brasil Sem Miséria; a construção de cem mil moradias no estado, parte do Minha Casa Minha Vida, e da hidrovia Tietê-Paraná; a implantação do monotrilho de São Bernardo do Campo; e a construção do Rodoanel Norte e do Ferroanel.

- A nossa palavra é de agradecimento. Temos aqui um excelente exemplo de relação federativa, entre o governo federal e o governo estadual. Tenho certeza de que o bom diálogo e bom trabalho vão continuar. Quero reconhecer a agradecer o esforço da presidente Dilma, republicano e louvável, na análise dos projetos extremamente importantes para os brasileiros de São Paulo. Conte conosco - disse.

No evento foram assinados contratos para as obras do Sistema Produtor São Lourenço, que levará água à Região Metropolitana de São Paulo, e para a extensão da Linha 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.

- Vou dar sequência à forma de relacionamento que construímos ao longo dos quatro anos do meu governo e do governo Alckmin - afirmou Dilma.

planalto quer desmerecer denúncia

Mais cedo, o ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, disse estar confiante de que a campanha petista foi cuidadosa para evitar o recebimento de dinheiro de corrupção. Segundo ele, em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez, a campanha petista contava com uma equipe jurídica para evitar ilegalidades.

- Tem que terminar a investigação, ver exatamente o que aconteceu, se há responsabilidade, dolo. Mas, em princípio, tenho confiança de que o trabalho de campanha foi o mais cuidadoso, mais atento possível às questões legais. Tinha uma equipe de campanha jurídica que procurava analisar tudo e evitar qualquer tipo de situação, e acho que não vai haver problema na apuração disso aí - disse, após participar do Seminário Internacional Ética na Gestão.

No Planalto, a estratégia adotada é de desmerecer as denúncias. A avaliação é que as novas denúncias permitem o discurso de que as mesmas empresas que doaram legalmente para o partido governista, também doaram para os partidos da oposição.

 

 

Aécio diz que não cabe a ministros do governo explicarem doações ao PT

 

Para tucano, quem deve esclarecimentos é o tesoureiro do partido

 

A oposição reagiu depois que duas autoridades do governo defenderam as doações à campanha da presidente Dilma Rousseff. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), derrotado em outubro, afirmou que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, estão fazendo "defesa prévia" e atuando como advogados do PT.

Para Aécio, ambos estariam assumindo o papel que caberia a João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, citado na delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa como um dos operadores do esquema de distribuição de propinas na estatal. Vaccari se nega a dar entrevistas sobre o assunto.

- Acho extremamente preocupante quando o ministro da Justiça, que é chefe da Polícia Federal, e o advogado-geral da União assumem um papel que deveria ser do tesoureiro do PT. Essa defesa prévia feita pelo ministro da Justiça e pelo advogado-geral mostra uma proximidade e familiaridade muito grande deles com a contabilidade do partido. E isso pode gerar problemas para eles no futuro. Não me parece adequado que eles se transformarem em advogados de um partido político - afirmou Aécio ao GLOBO.

O senador cobrou explicações do PT sobre as denúncias e disse que, se comprovadas, o mandato da presidente Dilma perde "legitimidade":

- Não sabemos ainda a extensão dessas denúncias, mas é um alerta que fica. Se comprovado que houve dinheiro de propina da Petrobras para pagar a campanha petista, isso é extremamente grave e o atual mandato da presidente fica sem legitimidade. O PT tem que dar explicações sobre como chegou ao poder do ponto de vista político, legal e explicar essas denúncias sobre o financiamento das campanhas - disse o tucano.

O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) também foi para o ataque e afirmou que, se houver comprovação da denúncia, Dilma terá de sofrer as "penalidades" previstas no Congresso para crime de caixa dois - mesmo que as doações sob suspeita tenham ocorrida na campanha da eleição de 2010.

- É jurisprudência nesta Casa que os políticos respondem pelos crimes praticados neste mandato ou em mandatos anteriores. Sendo provado que teve propina na campanha, Dilma sofrerá todas as penalidades a que está sujeito quem faz uso de caixa dois em campanha eleitoral. Se a presidente estivesse convencida de que isso era apenas um terceiro turno, como eles gostam de chamar, não teria loteado seus ministérios, baixado decreto para se livrar de crime de responsabilidade e, muito menos, mandado seu ministro da Justiça e o advogado-geral da União defendê-la - disse Caiado.

Assim como Aécio, o deputado frisou que a responsabilidade para dar explicações sobre o financiamento da campanha petista é do tesoureiro do partido, não de Adams e Cardozo.

- Essas pessoas não estão credenciadas a falar sobre financiamento de campanha. Quem deveria responder sobre isso é o Vaccari. Pelo que me consta, eles não foram arrecadadores nem responsáveis pela prestação de contas. Com todo respeito à polivalência deles, não é assunto para explicarem, e, sim, para o tesoureiro, que conhece profundamente como as doações foram feitas - pontuou Caiado.

Segundo informações dadas pelo executivo Augusto Ribeiro Mendonça Neto, que negociou acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato, parte da propina cobrada por Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, foi paga na forma de doação oficial ao PT. Segundo o executivo, o valor alcançou cerca de R$ 4 milhões entre 2008 e 2011, e foi pago por meio das empresas PEM Engenharia, SOG e Setec Tecnologia.