O juiz Sérgio Moro, responsável pelas ações da Lava-Jato, exortou ontem o Judiciário a discutir o papel dos doleiros em crimes de lavagem de dinheiro. Em seminário sobre o tema no Rio, o magistrado disse que a alegação de desconhecimento da origem do dinheiro lavado, álibi recorrente em casos do gênero, não é suficiente para afastar a responsabilidade criminal do operador de câmbio. Com o cuidado de não tratar de casos específicos, Moro disse que a legislação brasileira acolhe a hipótese de dolo quando fica provado que o lavador profissional tinha elevada probabilidade de conhecer a atividade criminosa, mas persistiu na conduta criminosa e abdicou da possibilidade de saber mais sobre ela.

Sérgio Moro, principal convidado do 1º Seminário Nacional sobre Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, disse que não vê obstáculos morais ou jurídicos para levar ao banco dos réus os doleiros, "profissionais do câmbio negro", ainda que aleguem ignorância, recurso conhecido como "teoria da cegueira deliberada", para escapar da responsabilidade penal. Além da Lava-Jato, corrupção sistêmica na Petrobras descoberta com a prisão do doleiro Alberto Youssef, Moro, titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, também julgou o caso Banestado, outro escândalo que envolveu a remessa ilegal de dinheiro público para o exterior:

- No caso da Ação Penal 470 (mensalão), essa discussão foi meramente incidental, sem que houvesse um pronunciamento explícito, da maioria dos ministros, no sentido de admitir a responsabilidade do crime de lavagem a título de dolo eventual. O entendimento da maioria dos ministros foi que, ali, a responsabilidade era de dolo direto. Alguns ministros fizeram a referência específica a essa possibilidade, deixando a questão pelo menos apontada como tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) a admitir essa responsabilização.

Vestido de preto e acompanhado de três homens com ternos da mesma cor, ele pediu para não dar entrevistas após a palestra. Na saída, assediado pelos repórteres, pediu desculpas por não falar sobre o caso Lava-Jato. Um repórter perguntou se ele se sentia um ídolo nacional. A caminho do elevador, Moro sorriu:

- Não, não.

No mesmo evento, o desembargador federal Fausto De Sanctis, que conduziu o processo da Operação Satiagraha como juiz da 6° Vara Federal de São Paulo, defendeu a revisão da súmula 24, jurisprudência do STF que condiciona o andamento de processos de lavagem de dinheiro oriundo do crime de sonegação fiscal à confirmação do delito pela autoridade administrativa, no caso a Receita Federal. O desembargador disse que essa interpretação tem atrasado processos. No caso dos crimes de corrupção, como é o caso da Lava-Jato, essa exigência não é feita em relação ao TCU, por exemplo.

De Sanctis rebate advogados

De Sanctis rebateu as críticas recorrentes dos advogados de defesa de investigados em crimes financeiros contra supostos abusos dos magistrados na condução dos processos. Ele afirmou que a natureza complexa dos crimes financeiros exige dos juízes a iniciativa de sair dos métodos convencionais de produção de provas e de punição.

- Multa, prestação de serviços à comunidade, isso não intimida ninguém, principalmente em crimes econômicos. Então, a prisão tem que ser essa resposta, nem que seja mínima - disse o desembargador.

Embora tenha se definido como "apolítico" para ressaltar que falava de governos específicos, De Sanctis afirmou que o crime organizado só se mantém quando o Estado é omisso e usado para se perpetuar no poder.