O governo da presidente Dilma Rousseff conseguiu aprovar na sessão do Congresso Nacional, ontem de madrugada, apenas a parte principal do projeto que libera o governo de fazer economia para o pagamento da dívida pública, mas não conseguiu concluir a votação da manobra fiscal. Numa sessão que se estendeu por quase 19 horas, faltou quorum para a votação de um último destaque do projeto que altera a meta fiscal de 2014, o que só deverá ocorrer na próxima terça-feira.

A votação do texto-base, no entanto, revelou insatisfações na base do governo. Houve ausências significativas, até mesmo de petistas, e votos contrários de deputados de vários partidos, como PMDB, PP, PSD. No Senado, o que mais pesou foram as ausências de senadores do PMDB, PTB, PP e PDT. Na bancada do PT na Câmara foram 16 ausentes, 18% do total de 87 deputados. Todos os 71 presentes votaram pela aprovação do projeto. Os 14 senadores petistas estavam presentes e avalizaram a proposta.

Na Câmara, quase metade dos peemedebistas e mais da metade dos deputados de PP e PSD não votaram com o governo: a maioria estava ausente, mas alguns presentes fizeram questão de registrar voto contrário à proposta. No PMDB, dos 71 deputados, 40 votaram com o governo, 4 votaram contra e 31 estavam ausentes. Entre os 40 deputados do PP, 14 se ausentaram e, dos 26 que permaneceram durante a madrugada para votar, apenas 17 disseram sim à proposta.

No PTB, dois votos contra

No PSD, de Gilberto Kassab, que tem 45 deputados, 21 votaram a favor da proposta. O PTB da Câmara, que conquistou a indicação do senador Armando Monteiro (PTB-PE) para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, garantiu 13 votos ao governo. Dois deputados votaram contra e três estavam ausentes. O desempenho do PTB no Senado desejou a desejar: dos seis senadores da legenda, apenas dois compareceram, entre eles Armando Monteiro.

Na oposição, o governo conquistou um voto no DEM, do deputado Mendonça Prado (SE), que apoiou o governador eleito do estado Jackson Barreto (PMDB) e, por tabela, a eleição de Dilma Rousseff. Também votaram a favor do governo quatro deputados do Solidariedade, três do PSC e dois do PV, partidos que se declaram independentes.

Mesmo votando a favor do governo, parlamentares de partidos aliados, inclusive do PT, admitiam o desconforto em aprovar o projeto. O deputado Marcos Rogério (PDT-RO) resumiu o sentimento de muitos governistas:

- Votei a favor, mas constrangido, envergonhado. Precisamos dar exemplo no cumprimento da lei. Porém, votei a favor de forma pragmática, para evitar um mal maior.

O deputado do PDT recebeu diversos torpedos e mensagens nas redes sociais criticando sua atitude. Desde cedo, líderes da oposição espalharam mensagens com as listas dos deputados que votaram a favor do projeto, o que provocou a reação de eleitores.

Líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP) minimizou a falta de quorum para encerrar definitivamente a votação, afirmando que será possível votar de forma mais célere na próxima semana porque resta apenas um destaque.

- Foi uma vitória importante. Os investimentos e programas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida, estão assegurados. Não posso dizer que (a ausência e a falta de quorum na última votação) foi saída deliberada ou manobra de partido da base para algum tipo de chantagem - disse Vicentinho.

"Morreram na praia!"

A falta de quorum de madrugada inviabilizou a conclusão da votação. Depois de votar o texto principal, o governo derrubou com facilidade três destaques, mas não conseguiu manter em plenário os parlamentares para uma última votação. Falta votar um destaque à proposta apresentado pela oposição. O presidente Renan Calheiros encerrou a sessão por volta de 5 horas da manhã e convocou outra para terça-feira.

- A democracia exige sobretudo que tenhamos paciência. É evidente a falta de quorum, vamos encerrar a sessão e marcar uma nova sessão para terça-feira, ao meio-dia - disse Renan Calheiros

Diante do resultado, alguns integrantes da oposição brincaram: "Morreram na praia!"

O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), afirmou:

- A oposição mostrou organização e força. Seguramos três semanas de tramitação no Congresso, e hoje mais de 18 horas.

 

 

Café e jogos no celular contra sono

Em votação que entrou pela madrugada e foi das mais longas dos últimos anos, houve parlamentar que não resistiu e deu bons cochilos; filha de senadora dormiu em plenário

Cristiane Jungblut
 

Durante as quase 19 horas de duração da sessão do Congresso Nacional para votação do projeto que altera a meta fiscal para 2014, deputados e senadores tentaram vencer o cansaço e o tédio no plenário tomando muito café, comendo biscoitos, fazendo selfies e usando os celulares para jogar ou consultar as redes sociais. No final da noite e durante a madrugada, a sessão foi marcada por bocejos, reclamações de frio e manifestação de irritação e impaciência, principalmente de deputados da base aliada com as manobras de obstrução da oposição.

Como a sessão começou às 10h da manhã de quarta-feira e terminou às 5h da madrugada de quinta-feira, muitos parlamentares não resistiram e tiraram cochilos sentados ou apoiando-se nas bancadas, tentando atender o pedido dos líderes da base para que permanecessem em plenário. Nos últimos tempos, só a votação da MP dos Portos, em maio de 2013, foi ainda mais longa: durou 22 horas.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) levou a filha para a votação, e a menina adormeceu nos braços dela. A ex-ministra da Cultura, senadora Marta Suplicy (PT-SP) ofereceu biscoitos para os colegas, enquanto o ex-marido, senador Eduardo Suplicy (PT-SP) se distraia no celular. Por volta de 2h da madrugada, parlamentares aliados começaram a externar sua impaciência:

- Vá dormir! - gritou o deputado Sílvio Costa (PSC-PE) para o tucano Mendes Thame (PSDB-SP), que insistia em discursar.

Até mesmo o frio do ar condicionado do plenário foi motivo de reclamação nos microfones.

- Está muito frio aqui dentro! - disse o deputado Giovani Cherini (PDT-RS).

Irritados com as manobras da oposição, os parlamentares governistas gritavam: "Chega! Chega!"

Integrante do PMDB, o deputado Osmar Terra (PMDB-RS) anunciou às 3h35m que estava votando contra o governo por questão de princípio. Quatro destaques foram apresentados pelo DEM como forma de tentar obstruir e arrastar ainda mais a votação.

Mas, diferentemente do que aconteceu na semana passada, a base aliada conseguiu segurar o quórum durante muito tempo. Até mesmo o senador José Sarney (PMDB-AP) entrou pela madrugada aguardando a votação em plenário. Foi ajudado a marcar o voto pelo aliado Lobão Filho (PMDB-MA) e por um assessor.

- Não sai ninguém (do plenário)! - implorava o líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP), às 4h30m.

Para vencer o cansaço, os parlamentares recorriam a lanches no cafezinho da Câmara, comendo biscoitos e tomando muito café. Caciques do PMDB, como o senador Eunício Oliveira (CE), comiam sobre a bancada da Mesa Diretora. Às 4h, ainda passavam bandejas de café na Mesa, onde, além de Eunício, estavam Renan Calheiros e o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Um dos poucos manifestantes que entrou no plenário, o cantor Lobão não resistiu à maratona. Antes das 22h, indagado se iria dormir no Congresso, avisou:

- Não. Vou para o hotel porque sou coxinha!

 

'Houve aumento do poder da oposição'

Políticos contrários ao governo se aproximam do modelo petista na gestão FH e ficam mais aguerridos

Carolina Benevides

Desde que a presidente Dilma Rousseff foi reeleita com a diferença de pouco mais de três milhões de votos, a oposição não ficou apenas mais aguerrida, mas teve, segundo cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO, uma mudança de comportamento. Professor da FVG-SP, Oscar Vilhena diz que o resultado que quase a levou ao poder fez com que a " natureza" da oposição passasse por uma transformação, o que pode levá-la ao modelo que o PT exercia durante os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

- No Congresso, houve aumento de poder da oposição. Com isso, nas áreas administrativas, acredito que vá agir como o PT agia no governo FH, com muita dureza. Na área econômica, como o PT fez uma agenda de convergência, acho que vai ser dura, mas não uma oposição sistemática, não da forma irresponsável que o PT fazia. Acredito que possa haver distinção - diz Vilhena, destacando que em alguns casos a oposição se mostrará "contundente e ambígua": - Em relação à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), parte da oposição viu que era preciso pensar na governança e que colocar a presidente no fogo podia afetar os governos oposicionistas. Mas é preciso ainda lembrar que existem duas oposições. A majoritária, com PSB e PSDB, e uma mais voltada à direita, com (Jair) Bolsonaro, (Ronaldo) Caiado. Mesmo com a nova composição do Congresso, a partir de fevereiro, esses blocos vão ter que dialogar. E é cedo para saber como isso vai se dar.

Mas nem só a oposição tem criado dificuldades e imposto derrotas ao Planalto. A base aliada, desde a reeleição, também pouco deu trégua.

- Dilma ter ganho com pouca diferença faz com que a base veja o PT e ela enfraquecidos. Com a questão econômica e as denúncias da Petrobras, o PMDB e os demais partidos sabem que Dilma vai precisar de apoio e, por isso, barganham. Na votação da LDO, o PMDB deu um voto de confiança ao Planalto, mas vai querer ter seus pleitos atendidos - diz Ricardo Ismael, da PUC-Rio.

Professor da UnB, David Fleischer diz que o "toma lá dá cá deve diminuir depois do anúncio do Ministério":

- Mas como nem todos serão contemplados, é provável que a eleição do peemedebista Eduardo Cunha para a presidência da Câmara vire motivo de barganha. Com a oposição mais dura, o novo mandato vai ser um desafio.