A Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, apreendeu na sede da Camargo Corrêa, em São Paulo, um contrato da empreiteira com uma das empresas do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, condenado no julgamento do mensalão. O documento foi publicado pelo site da revista "Época", mas ainda não consta dos autos dos processos na Justiça Federal de Curitiba. Assinado em 21 de fevereiro de 2010, o contato previa prestação de consultoria na "integração dos países da América do Sul" e análise de aspectos sociológicos e políticos do Brasil.
Segundo o contrato, Dirceu deveria ainda divulgar o nome da empresa dentro e fora do Brasil, ministrar palestras e participar de conferências, além de estar à disposição da empreiteira sempre que solicitado para os serviços mencionados. O contrato, marcado como sigiloso, previa o pagamento de R$ 75 mil por mês. Os comprovantes apreendidos mostram que a JD Assessoria recebeu R$ 886,5 mil. O primeiro pagamento foi retroativo, equivalente a três meses de consultoria.
Procurada pelo GLOBO, a Camargo Corrêa confirmou a existência do contrato com Dirceu, mas informou que não faria comentários. A assessoria de Dirceu também confirmou o documento, mas afirmou que o objeto do contrato nada tinha a ver com a Petrobras, mas com serviços que o ex-ministro prestaria fora do país. Alegou sigilo contratual para não comentar sobre como foi feita a prestação de serviços.
Em 2010, quando foi contratado pela empreiteira, Dirceu já atuava como advogado e consultor. Ele foi ministro da Casa Civil no governo Lula até 2005. Em 2007, foi um dos denunciados no mensalão, por crimes como corrupção ativa, lavagem de dinheiro e peculato. O ex-ministro foi considerado chefe do esquema ao lado de outros petistas, como José Genoino. Ou seja, ao ser contratado pela empreiteira, já era conhecida sua participação no esquema de compra de votos no Congresso Nacional
contrato firmado em 2010
No mesmo endereço, a Polícia Federal apreendeu contratos assinados entre a Camargo Corrêa e outras empresas de consultoria. Entre elas, estão a Treviso, de R$ 18 milhões, e a Piemonte, de R$ 6,1 milhões. As duas empresas pertencem a Júlio Gerin Camargo, que contou ao Ministério Público Federal que vários contratos foram assinados apenas para justificar a saída de dinheiro dos consórcios que prestavam serviços à Petrobras. O dinheiro destinado aos políticos do PP eram depositados em contas controladas pelo doleiro Alberto Youssef, no Brasil, em Hong Kong e na China.
A Camargo Corrêa está no grupo principal das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato. O contrato com Dirceu foi firmado em abril de 2010. Em fevereiro, a empresa havia fechado contratos milionários com a Petrobras para as obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Apenas um deles chegou a ter 16 aditivos. No total, foram 383 aditivos contratuais.
O valor da obra alcança pelo menos US$ 18,5 bilhões. Além de acusada de ser uma das articuladoras do cartel de empreiteiras que dividiam as obras da Petrobras, a Camargo Corrêa é a única a ter um executivo de primeiro escalão apontado como beneficiário de propina. Júlio Camargo, da Toyo Setal, afirmou, em delação premiada, que pagou R$ 2 milhões a Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa. Parte desse dinheiro, teria sido depositado na conta da mulher do Leite. Júlio Camargo disse ainda que pagou compras feitas por Leite em Miami. Os advogados de Leite negam as acusações.
Em depoimento à Justiça Federal do Paraná, o doleiro Alberto Youssef, que assumiu ser o operador da distribuição da propina de obras da diretoria de Abastecimento da Petrobras, afirmou que Paulo Roberto Costa só assumiu o posto na estatal, em 2004, depois que parlamentares travaram a pauta do Congresso, deixando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enlouquecido. Costa era uma indicação do PP, presidido pelo então deputado José Janene. Cabia ao então ministro da Casa Civil ajudar a acalmar os ânimos e restabelecer os trabalhos na Câmara dos Deputados e no Senado.
Na Operação Lava-Jato, é dado como certo que Dirceu foi quem colocou Renato Duque na diretoria de Engenharia e Serviços da Petrobras. Pedro Barusco, gerente da área e braço-direito de Duque, assinou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal para contar o que sabe. Segundo Costa, a área levava 2% da propina na Diretoria de Abastecimento, e Duque comandava a arrecadação, entre 2% e 3%, da propina cobrada na Diretoria de Serviços.
Augusto Mendonça Neto, da Toyo Setal, afirmou que Duque mandou depositar parte da propina diretamente na conta do PT. E contou que o dinheiro vivo para entregar aos políticos chegava de carro-forte ao escritório da empresa, na Chácara Santo Antonio,em São Paulo.
As contas de Duque no exterior já foram identificadas; a principal delas seria na Suíça, onde os procuradores da Lava-Jato já negociaram colaboração das autoridades.
Ex-ministro vivia como consultor já em 2008
O Globo - 09/12/2014
Três anos depois de cassado, petista tinha ao menos 15 clientes no Brasil e no exterior
Em janeiro de 2008, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu já havia sido cassado pela Câmara dos Deputados, por conta de seu envolvimento com o mensalão, mas mantinha uma vida profissional ativa e pujante como consultor de empresas.
Naquele mês, a "revista piauí" acompanhou Dirceu em uma viagem de trabalho que se estendeu por pelo menos quatro países: Portugal, Espanha, República Dominicana e Panamá. Em seguida, publicou um perfil detalhando, em que mostrava o alcance de sua atuação como consultor e o tipo de cliente que parecia interessado em recrutá-lo.
Na época, Dirceu reconhecia ter pelo menos 15 "bons clientes" e dizia que a maioria deles era estrangeira. Não dava valores para seus contratos internacionais, mas afirmava que os brasileiros pagavam-lhe entre R$ 20 mil e R$ 30 mil por seus serviços de consultoria.
Entres as pessoas cujos interesses o petista defendia formalmente ou informalmente, estavam os mexicanos Ricardo Salinas, do Banco Azteca, e Carlos Slim. Entre as entidades que prospectavam seu trabalho, estavam a Universidade de Lisboa, que na época queria estabelecer um parceria no Brasil para oferecer cursos de MBA, e a Coteminas, do ex-vice-presidente José Alencar, então disposta a construir uma fábrica na República Dominicana. Dirceu também conversava com o empresário dominicano Johnny Cabrera, dono da Petroconsa. A empresa de petróleo e construção havia mostrado interesse no etanol brasileiro, e Dirceu se articulava para ajudá-lo.