Título: Entrevista - Alexandre Schwartsman
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2011, Economia, p. 17

Para o economista, manter os preços sob controle é a tarefa mais difícil do governo Dilma

Crítico do controle de gastos públicos na "boca do caixa", um sinal de fragilidade do ajuste fiscal feito pelo Ministério da Fazenda, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, alerta para os riscos de o Comitê de Política Monetária (Copom) ceder às pressões políticas e suspender, antes do necessário, o aumento da taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação. Há, dentro do governo, um movimento com o intuito de convencer a presidente Dilma Rousseff de que os preços já estão sob controle e a economia caminha a um ritmo bem mais lento. No entender do economista, a autoridade monetária deve elevar a Selic dos atuais 12,25% para 13% ao ano, pois só assim a inflação convergirá para o centro da meta de 4,5% ao longo de 2012. Para Schwartsman, o que preocupa é o fato de a atual diretoria do BC ser mais flexível no combate à carestia. Ele reconhece, porém, que vários fatores estão jogando a favor de uma inflação menor, entre eles, a desaceleração da atividade mundial e o recuo dos preços das commodities. "Aliás, esse parece ser o cenário pelo qual o BC mais torce, já que o espaço para subir os juros fica menor a cada dia", afirma. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista do economista ao Correio.

Risco de um BC leniente

A inflação, que caminhava rapidamente para o teto da meta (de 6,5%), perdeu força. Isso abre espaço para o governo relaxar no combate à alta dos preços? Por enquanto não, pois todas as indicações sugerem que o Produto Interno Bruto (PIB) segue crescendo além do seu potencial e, portanto, as pressões sobre o mercado de trabalho e sobre a utilização de capacidade de produção da indústria não dão sinais de alívio. Os salários aumentam mais do que a produtividade, o que se traduz em elevação dos custos para as empresas. Obviamente, o repasse dessas altas para preços depende das condições do mercado consumidor. Em setores muito expostos à competição internacional, não há condições de retransmissão. Mas no setor de serviços, sim. Portanto, no conjunto da obra, a inflação deve ficar muito próxima ao teto neste ano, podendo até superar tal patamar, e permanecer acima da meta ano que vem.

O governo chegou à metade do superavit primário (economia para pagamento dos juros) previsto para o ano em cinco meses, mas deve aumentar os gastos a partir de agora para atender às pressões dos aliados políticos, ávidos por obras vistosas em seus redutos eleitorais. O Brasil conseguirá manter as contas públicas sob controle? Infelizmente, o país só está mantendo as contas equilibradas por conta do aumento das receitas com impostos decorrente do aquecimento econômico. O começo do ano foi bom em termos do desempenho fiscal, mas não parece sustentável. Houve contenção de investimentos e parece ter havido alteração no padrão das despesas. Ainda temos um encontro marcado com um aumento real de 7,5% do salário mínimo no ano que vem. Assim, a questão fiscal aparenta estar longe de uma solução. Não quer dizer, é claro, que teremos problemas de solvência, mas o controle dos gastos públicos não está desempenhando um papel central na desaceleração da economia.

Em que setores devem ser feitos os cortes? Passou a época do controle de gastos na boca do caixa, como o Tesouro tem feito há muito tempo. A efetiva redução das despesas públicas no Brasil não ocorrerá por essa via. Temos que retomar as ideias propostas no chamado "plano rudimentar" apresentado pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci ainda em 2005. Ou seja, adotar um programa de redução planejada do gasto ao longo de anos.

O BC está demonstrando comprometimento em conter a inflação ou atravessa uma crise de confiança? O Banco Central está sendo questionado. A persistência das expectativas de inflação acima da meta (4,5%) em 2012 é sintoma de arranhão na credibilidade. Basta lembrar que, há pouco tempo, as estimativas traçadas para dois anos à frente estavam ao redor da meta. Claro que ninguém sabia o que ocorreria naquele prazo, exceto que, em qualquer caso, o Copom faria o necessário para trazer o índice de volta ao objetivo central. Essa percepção não existe mais. Não quer dizer que não possa ser reconstruída, mas vai requerer um trabalho persistente.

Novos aumentos na taxa de juros ampliarão o endividamento e o deficit públicos. Há um limite para a alta da Selic? Ainda que o endividamento bruto do governo seja elevado, não há indicações de que, com juros mais altos, a dívida se torne um processo explosivo. Para 2011, acredito que o BC tenha que trazer a Selic até 13% ao ano.

Diante da desaceleração da economia interna e da dificuldade dos países ricos de saírem do atoleiro, existe a possibilidade de não haver mais aumento de juros? Existe. Aliás, esse parece ser o cenário pelo qual o BC mais torce, já que o espaço para subir os juros fica menor a cada dia.

A piora da percepção dos brasileiros sobre a economia e a inflação, apesar da boa aprovação de Dilma Rousseff, é um sinal de que o governo deve se preocupar? Se houve uma variável econômica sobre a qual o presidente Lula nunca teve dúvida, foi a inflação. Mesmo uma taxa que ¿ para padrões brasileiros ¿ não é das mais elevadas já faz algum estrago na popularidade do governo, porque afeta as camadas mais pobres da população. Trazer o índice de preços de volta à meta vai requerer a desaceleração da economia, o que, na prática, implica aumentar o desemprego, mesmo que transitoriamente. Há um custo político para se obter o resultado e as dúvidas se referem principalmente à disposição do governo em arcar com esse custo.