Está prevista para amanhã a votação em comissão especial da Câmara do projeto de lei (PL) 3.722/12, que revoga o Estatuto do Desarmamento. A proposta do deputado Peninha Mendonça (PMDB-SC) tem o objetivo de flexibilizar a política nacional de controle de armas de fogo. O PL atende a reivindicação de proprietários e da indústria nacional de armas. Dos 24 membros titulares da comissão, dez receberam doações do setor na campanha eleitoral deste ano ou em 2010. Entre as mudanças pretendidas pelo PL está o relaxamento das regras para aquisição de armas, o aumento do número de armas permitido a cada cidadão e a liberação do porte, hoje restrito aos órgãos de segurança pública.

Em todos os casos, mira-se o alvo errado. Entusiastas da revogação repetem argumentos pouco convincentes para sustentar o que não se sustenta. Sua tese é de que apenas a posse de armas por “cidadãos de bem” conterá a violência. Eles alegam que o número de homicídios cresceu desde a sanção do estatuto, em 2003. Estatísticas do SUS mostram o contrário. As mortes por armas de fogo caíram de 28,9 por 100 mil habitantes em 2003 para 27 em 2004, interrompendo uma trajetória de dez anos em alta. A taxa continuou em queda após o referendo de 2005 e atingiu 25,2 homicídios por cem mil habitantes em 2007. Voltou a subir em 2008, puxada pelos estados onde o estatuto não foi bem implementado.

Erra o alvo também quem atribui à população o desejo de revogá-lo. Para essas pessoas, a vitória do “não” no referendo de 2005 seria um indicativo de que a população quer ter o direito de se armar. Não é. Pesquisa feita em setembro pelo Datafolha confirma que 62% da população apoiam a proibição da posse de armas.

Basta ler o PL para perceber que o direito à proteção pessoal não justifica as anacrônicas reivindicações do texto. Ele aumenta de seis para nove o limite de armas por pessoa, por exemplo, e amplia o teto de 50 balas por arma ao ano para 50 balas por arma ao mês. Quem tiver um revólver poderá adquirir 600 balas por ano. Quem tiver seis, 3.600 balas, o suficiente para dar 10 tiros por dia. Alguém precisa disso para se defender?

O projeto também elimina a exigência de renovação do registro, teste de tiro e exame psicotécnico a cada três anos, sob a alegação de que a burocracia estimula o “cidadão de bem” a descumprir a lei. Na verdade, esse controle permite ao Estado checar se as armas não caíram na ilegalidade. Bandido não compra arma em loja, mas muitas armas compradas em loja são apropriadas por bandidos, e usadas contra os mesmos “cidadãos de bem” que as obtiveram legalmente. O Instituto Sou da Paz analisou as 14 mil armas apreendidas com criminosos em São Paulo em 2011 e 2012 e concluiu que 78% delas são de fabricação nacional, e não traficadas através das fronteiras, como muitos acreditam.

Onde o Estatuto foi bem cumprido, houve redução de homicídios e diminuição da violência. Onde não foi, os números continuaram altos. Revogá-lo não deveria ser uma prioridade do Parlamento. A população brasileira não reivindica isso. Ao contrário, apoia as restrições ao comércio de armas. Deveríamos mirar os alvos certos. Investir na Polícia Civil e qualificá-la melhor para a função investigativa; articular as polícias dos diferentes estados; aprimorar a política nacional de segurança pública. Não podemos errar o alvo no combate ao crime.

Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP)