Título: Tráfico cresce na falta de infraestrutura
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Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2011, Opinião, p. 18

A notícia de que o Brasil se tornou uma das principais rotas do tráfico de cocaína para a Europa é mais uma comprovação do descompasso entre o crescimento do país e o da infraestrutura nacional. A recuperação do emprego e da renda permitem que mais brasileiros viajem para o exterior. Mas os controles desse fluxo de passageiros permanecem tímidos. Sem maiores fiscalizações, pessoas, em geral sem antecedente criminal, são usadas para transportar pequenas porções da droga escondidas na bagagem ou no próprio corpo. Para se ter uma ideia, enquanto o Velho Continente mais do que decuplicou as apreensões originadas daqui, entre 2005 e 2009, passando de 25 para 260, a quantidade subiu bem menos, de 339kg para 1.500kg, ou seja, menos de cinco vezes.

Os embarques a partir da Venezuela e do Equador que terminaram em mãos das autoridades europeias foram em menor número, mas em volumes bastante superiores, totalizando 6,5 mil quilos e 2,5 mil quilos, respectivamente. É que o tráfico desses países se dá no atacado. A situação brasileira seria pior se um carregamento não tivesse sido flagrado no Porto de Paranaguá, no Paraná, em fevereiro de 2009. Na ocasião, operação policial impediu que um contêiner com 3,8 mil quilos de cocaína fosse levado para a Romênia. Acendeu-se aí importante sinal de alerta: o de que a prática do uso de mulas, pequenos traficantes, pode estar sendo substituída no país.

Há que levar em conta os 8 mil quilômetros de fronteira entre o Brasil e os três maiores produtores de coca do mundo ¿ Colômbia, Peru e Bolívia. Mais: o país, com a maior população do subcontinente, tem um terço dos consumidores de coca da América do Sul, atrás da Argentina (25%) e do Chile (10%). Todo cuidado, portanto, é pouco. E o Estado, embora algum sucesso, como o verificado em Paranaguá e a apreensão de 123kg de cocaína (sobretudo em mãos de estrangeiros) nos aeroportos, em maio último, precisa ser mais bem aparelhado. Só os terminais aeroportuários de Guarulhos, em São Paulo; Galeão, no Rio de Janeiro;S e os de Manaus e Recife, por exemplo, dispõem de equipamentos como o body scan, capaz de detectar drogas até no interior do corpo humano.

Nos discursos das autoridades nacionais, o desguarnecimento das fronteiras tem estado na ordem do dia desde o governo Sarney, há mais de um quarto de século, portanto. Hoje, o tema norteia ciclo de debates no Congresso Nacional e é objeto de novo plano federal, em processo de detalhamento. A questão é complexa. Trata-se de proteger 2,3 milhões de quilômetros quadrados, numa extensão de 16.886km. A presença do Estado inibirá o crime. Mais do que repressão, urge ocupar e desenvolver áreas remotas que se tornaram terra de ninguém. Difícil é acreditar que a missão imprescindível será levada a bom termo no tempo necessário, quando nem os aeroportos ainda conseguimos proteger.