Download. Streaming. Comuns na linguagem de jovens em todo o mundo, essas expressões representam uma revolução na indústria da música. De dez anos para cá, assistimos à quebra do mercado físico do disco, que resiste apenas para os artistas mais executados nas rádios; como causa, o incremento do consumo de música em formato digital, já responsável por mais de 30% das receitas de gravadoras e editoras musicais chamadas majors.

Com a inconteste presença da tecnologia e do mundo on-line quando o assunto é acesso à música, deveriam vir a reboque a tão sonhada eliminação dos “incômodos” intermediários — satanizados por dez entre dez modernos pensadores do pós-moderno direito autoral —; e um sensível aumento da arrecadação dos compositores, consequência direta de um mercado sem intermediações ditas desnecessárias. O controle da música consumida em formatos digitais aumentaria, eliminando-se a necessidade das criticadas amostragens do Ecad, o que daria margem a uma distribuição direta dos royalties para, com isso, possibilitar um incremento de caixa nos combalidos cofres dos compositores.

Em que pesem serem muito otimistas, ou até mesmo por isso, as previsões não se concretizaram. Talvez pela consideração pueril de que os intermediários são desnecessários, e se deixariam eliminar tão facilmente, pouco se discutiu a respeito da concentração na distribuição desses royalties. Menos ainda se percebeu que lidar com os intermediários seria mais verossímil que a tentativa de eliminá-los. Assim, com o crescimento da música digital, assistimos, ao diverso do previsto, a uma ainda maior concentração das receitas nas mãos de poucas editoras musicais majors, que se adiantaram e, para se beneficiarem, criaram uma mecânica que impõe dificuldades e barreiras de acesso às tecnologias e sistemas que permitiriam remunerar os compositores das obras. Resultado: no Brasil, a receita dos compositores independentes em ambiente 2.0 é nula.

Sim, ser independente no Brasil significa não ser remunerado como compositor por músicas consumidas em formato digital. Por mais paradoxal que possa parecer, nesse ecossistema não apenas se exige a presença do intermediário para o recebimento dos direitos de autor, como esse intermediário se personifica em apenas uma entidade capaz de receber essas receitas, a União Brasileira dos Editores de Música (Ubem). Por meio de uma empresa sediada na Argentina, a Backoffice, a Ubem é a única habilitada a receber receitas de direitos de compositor pelas músicas baixadas no iTunes, e ouvidas via streaming no Deezer, Spotify e congêneres. Por ser uma entidade que congrega apenas editores de música, não é possível aos compositores se filiarem diretamente e receberem seus direitos. E como resolver o problema?

Primeiro, há que se perceber que, apesar de a tecnologia e o advento da internet terem eliminado barreiras, é mera falácia a satanização do intermediário na indústria da música. Assim como em sala de aula, em que o professor nada mais é do que um intermediário entre o conhecimento e o aluno, sendo sua presença fundamental, a existência da mediação e da centralização da cobrança e da distribuição — papéis da gestão coletiva — é imprescindível como forma de democratizar o recebimento do direito autoral em âmbito digital.

Além disso, mas não menos importante, precisamos pensar em uma entidade única, fiscalizada pelo Estado, para a gestão coletiva desse tipo de direito, nos moldes do mal falado Ecad, porém sem seus malfadados obscurantismos e amostragens. A música digital permite uma distribuição direta e limpa, com baixos custos de transação e, portanto, possibilidade de aumento da receita do compositor. Somado a todos os problemas a enfrentar na gestão coletiva de execução pública, o Ministério da Cultura, com as atribuições que lhe foram conferidas pela Lei 12.853, de 2013, deve ter este assunto no radar de suas prioridades. Hoje, assistimos ao extremo oposto das previsões: não apenas não se eliminaram os intermediários como, de forma preocupante, apenas eles recebem direitos autorais pelas músicas consumidas em ambiente digital.