RIO E BRASÍLIA- Um grupo de intelectuais e ativistas de movimentos sociais que apoiaram a reeleição da presidente Dilma Rousseff divulgaram um manifesto em que apontam como uma “regressão da agenda vitoriosa nas urnas” os rumores da indicação de Joaquim Levy e Kátia Abreu para os ministérios da Fazenda e da Agricultura, respectivamente.

Encabeçado pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, pelo líder do MST, João Pedro Stédile, e pelo teólogo Leonardo Boff, o manifesto afirma que a oposição não deu tréguas após a derrota nas eleições, “buscando realizar um terceiro turno em que seu programa saísse vitorioso”. E diz que a presidente Dilma “parece levar mais em conta as forças cujo representante derrotou do que dialogar com as forças que a elegeram”.

“Os rumores de indicação de Joaquim Levy e Kátia Abreu para o Ministério sinalizam uma regressão da agenda vitoriosa nas urnas. Ambos são conhecidos pela solução conservadora e excludente do problema fiscal e pela defesa sistemática dos latifundiários contra o meio ambiente e os direitos de trabalhadores e comunidades indígenas”, diz o manifesto.

O texto cobra uma participação da sociedade civil nos rumos do governo: “As propostas de governo foram anunciadas claramente na campanha presidencial e apontaram para a ampliação dos direitos dos trabalhadores e não para a regressão social. A sociedade civil não pode ser surpreendida depois das eleições e tem o direito de participar ativamente na definição dos rumos do governo que elegeu”.

O manifesto, com mais de 60 assinaturas, também é endossado por André Singer, que foi porta-voz do ex-presidente Lula, pelo petista Valter Pomar, da corrente Articulação de Esquerda, minoritária no partido, e por entidades como MST e Rede Ecumênica da Juventude.

Senadores do PT manifestaram preocupação ontem, em reunião da bancada, com a insatisfação da base do partido diante da indicação de Levy e Kátia Abreu.

De acordo com participantes da reunião, a apreensão é com a militância que foi para a rua no segundo turno da campanha presidencial, em um movimento comparado pelos petistas com a eleição de 1989. O temor é que Dilma coloque tudo a perder justamente no momento em que o partido estava tentando capitalizar essa mobilização para respaldar seu segundo mandato e impor uma agenda, depois de uma disputa acirrada.

Na reunião da bancada, houve um embate entre os senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR) por causa da indicação de Kátia Abreu. Lindbergh criticou, segundo pessoas presentes, a escolha da presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), e foi contraditado por Gleisi, exministra da Casa Civil de Dilma.

— Tem uma rebelião na base do partido, é só ver as redes sociais. Ela é um símbolo muito ruim — disse Lindbergh, segundo relatos da reunião.

Gleisi defendeu a indicação, destacando o apoio de Kátia à reeleição de Dilma, enquanto nomes como Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura na gestão de Lula, apoiaram Aécio Neves.

— Ela foi a única liderança do setor do agronegócio que apoiou a presidente e reconheceu os avanços do governo Dilma, como crédito farto. Ela participou do lançamento dos três últimos Planos Safra fazendo discurso no Planalto — disse Gleisi, de acordo com senadores do PT.

GILBERTO DEFENDE PRESIDENTE

O partido gostaria de ser ouvido pela presidente na montagem da nova equipe. No dia seguinte ao segundo turno, o presidente do PT, Rui Falcão, afirmou que o partido aceitava que o substituto do ministro Guido Mantega (Fazenda) fosse de fora do partido, desde que mantivesse a atual linha econômica, “sem se pautar pelo mercado financeiro”. Joaquim Levy dirige há quatro anos a área de gestão de ativos do Bradesco.

O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) saiu ontem em defesa de Dilma e disse que, independentemente da equipe a ser montada, a presidente “continuará governando para os mais pobres”. Em discurso no 2º Encontro de Povos e Comunidades Tradicionais, Gilberto Carvalho pediu que a “ancestralidade” dos participantes abençoasse a presidente na reforma ministerial:

— Quero pedir a bênção, pedir que a ancestralidade que vocês aqui representam abençoe a presidente Dilma e todos nós, neste momento tão importante que o país está atravessando, em que a presidente começa a montar sua equipe. -BRASÍLIA- Diante do forte desgaste da atual equipe econômica e da necessidade de mostrar ao mercado que haverá uma mudança na condução da economia, o Palácio do Planalto decidiu dar posse imediata aos novos ministros, que devem anunciar um conjunto de medidas de ajuste na área fiscal. O anúncio oficial de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda; Nelson Barbosa, no Planejamento; e a confirmação de Alexandre Tombini no Banco Central serão feitos amanhã. A posse pode ocorrer na sexta-feira, quando Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) deixarão seus cargos. A presidente Dilma Rousseff passou a tarde de ontem reunida com Levy, Barbosa, Tombini e Aloizio Mercadante (Casa Civil) para discutir o ajuste.

O primeiro sinal que a presidente quer dar ao mercado com o anúncio e posse da nova equipe é que o governo está, de fato, comprometido com uma meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) mais elevada e com o controle de gastos públicos.

PLANOS DE AJUSTE DEVEM VOLTAR À PAUTA

Por isso, devem voltar à pauta algumas propostas que foram defendidas por Lula em seu primeiro mandato, mas que sempre foram vistas com reservas por Dilma. Uma delas é a fixação de um limite para o crescimento dos gastos correntes. A medida fazia parte do plano de ajuste fiscal de longo prazo que foi proposto pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci e que foi chamado de “rudimentar” por Dilma, na época na Casa Civil.

Agora, o Palácio do Planalto avalia que o momento é de resgatar o compromisso com o reequilíbrio das contas públicas e a redução da dívida pública. Levy e Barbosa trabalham com o Planalto no plano cujas diretrizes devem ser anunciadas após a posse.

Também devem ser anunciados logo os cargos mais importantes de segundo escalão, como o do Tesouro Nacional. O atual secretário, Arno Augustin, apontado como um dos protagonistas da política fiscal que deteriorou as contas públicas, não deve permanecer no governo.

Além de Levy e Barbosa, também devem ser anunciados logo os nomes do senador Armando Monteiro (PTB-PE) para o Desenvolvimento, e o da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para a Agricultura. Monteiro esteve ontem na sede do ministério para começar a tomar pé da situação e indicou que pode começar a despachar na segunda-feira.

Na sexta-feira, será divulgado o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre. Mantega deve comentar os números em entrevista coletiva, que deve ser a última à frente da Fazenda. Miriam Belchior também sairá, mas deve ser indicada para outra função no governo: é provável que retorne ao Planalto com o Programa de Aceleração do Crescimento.