Título: A luta feminina contra o câncer
Autor: Menezes, Leilane
Fonte: Correio Braziliense, 26/06/2011, Cidades, p. 31

A doença que não escolhe idade ou classe social deve atingir 3.220 mulheres no Distrito Federal apenas este ano. Além de enfrentar preocupações com a saúde, muitas perdem o emprego e precisam encarar a carência do sistema público enquanto buscam a cura para o mal que ainda desafia a medicina

É como se você estivesse correndo, ganhando cada vez mais velocidade. De repente, algo invade o caminho, como um freio invisível. A vida para por alguns instantes. Em questão de minutos, nada mais é como você conhecia. Surge o medo. Também podem nascer força e coragem, até então desconhecidas. Muitas são as reações e os sentimentos vividos por quem recebe um diagnóstico de câncer.

Algumas das expressões mais usadas pelas pessoas que viveram a experiência são "recebi uma sentença de morte" e "perdi o meu chão". Outros preferem chamar o tratamento de "processo de cura" e fazer do otimismo a principal arma nessa batalha. Na busca por histórias marcadas pela vitória, o Correio ouviu mulheres de várias idades e classes sociais.

Uma delas é a advogada Verônica Maria de Almeida, 46 anos, moradora da Asa Sul, que precisou aprender a conviver com o câncer em duas ocasiões: quando encontrou nódulos na mama e, anos depois, ao descobrir uma metástase, quadro mais grave da doença, quando ela se espalha pelo corpo (Leia na página ao lado). A babá Erivan Oliveira, 36 anos, que vive em Samambaia, descobriu o câncer aos 32 anos. Sem plano de saúde, ela procurou ajuda no Hospital de Base, onde a mãe dela, à época, fazia tratamento para vencer o mesmo mal. Erivan sobreviveu. A mãe dela não.

Em Brasília, o Hospital de Base é referência quando o assunto é câncer. Na sala de espera da oncologia do maior centro de saúde da capital ¿ com 833 leitos, distribuídos em 12 andares ¿ mulheres e homens com o diagnóstico em mãos dividem angústias e esperanças. Segundo a Secretaria de Saúde do DF, há pelo menos 5 mil pessoas em tratamento na unidade. Faltam equipamentos para diagnóstico, remédios, profissionais, alémde itens básicos.

Essa realidade atraiu a socióloga e pesquisadora da Universidade de Campinas Maria Inez Montagner, aluna de doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), ao Hospital de Base. Durante um ano e meio, ela compartilhou com 19 mulheres, com menos de 40 anos e mais de 70, a vivência do câncer de mama. Maria Inez abordava as pacientes quando elas chegavam para a primeira consulta. Ao sair do consultório médico com a confirmação, a maioria nem sequer pronunciava o nome da enfermidade. Tratava o câncer por "ele", "a coisa", "o mal".

A socióloga voltou a encontrar as pacientes no dia seguinte à cirurgia de retirada parcial ou total do seio. Deparou-se com pessoas fragilizadas, que passaram a questionar a própria feminilidade. Maria Inez lançou um olhar social sobre elas, na tentativa de desfazer a associação, ainda tão frequente, entre câncer e morte. "É necessário dizer a essas mulheres que elas somente morrerão se não tratarem o câncer", afirmou em entrevista ao Jornal da Unicamp.

Dificuldades Na pesquisa, constatou-se também que boa parte das pacientes perdeu o emprego ao descobrir a doença. Muitas das entrevistadas desenvolviam trabalhos que exigiam delas plena disposição física, como faxina, para os quais ficavam incapacitadas durante o tratamento. Assim, além das preocupações próprias de quem precisa lutar contra uma enfermidade tão agressiva, muitas tiveram que lidar com problemas de ordem prática, como o sustento dos filhos e da casa.

O estudo avaliou ainda a relação dessas mulheres com o sistema de saúde. Com pouca instrução, grande parte via o atendimento como um favor e não como um direito. Muitas passaram anos sem buscar atendimento médico preventivo. Até conseguirem consultas, algumas viram os tumores crescerem. A socióloga se surpreendeu ao notar que várias jovens e senhoras em tratamento se culpavam pela doença. "Elas diziam que tinham negligenciado o próprio corpo."

O tratamento de câncer pode ser longo. As etapas não seguem necessariamente uma ordem. Alguns começam com a quimioterapia ¿ quando o tumor precisa diminuir antes da realização da cirurgia. Outras pessoas passam logo pela operação para, em seguida, iniciar as temidas sessões de quimio e radioterapia. O estigma que acompanha as pacientes, porém, ainda é um dos problemas mais graves. "Quando perdem os cabelos, elas são evitadas dentro do ônibus. Uma mulher me disse uma coisa brilhante: "Elas não têm medo do câncer porque é câncer. Têm medo porque mata"", explica a socióloga.

Para amenizar a dor, as mulheres em tratamento no Hospital de Base contam com iniciativas voluntárias, de importância reconhecida: a Rede Feminina de Combate ao Câncer e o Movimento de Apoio ao Canceroso (MAC). A primeira, além de apoio emocional, oferece cestas básicas, cursos e até próteses externas para os seios. A MAC gasta cerca de R$ 6 mil por mês para comprar itens em falta na rede pública, como remédios, suportes de soro e agulhas.

Efeitos colaterais A quimioterapia é uma técnica invasiva que combate as células doentes, mas que também pode afetar células saudáveis, trazendo efeitos colaterais. Na radioterapia, raios são enviados diretamente no tumor há lesão e há menos prejuízos.