A Comissão Nacional da Verdade anunciou ontem a identificação de dois desaparecidos políticos durante a ditadura. Os estudantes Joel Vasconcelos dos Santos e Paulo Torres Gonçalves foram enterrados como indigentes, no Rio, e agora, depois de comparações de digitais, foi possível o reconhecimento de ambos. Joel foi preso e desapareceu em março de 1971. Paulo é tido como desaparecido desde março de 1969. O Estado, por intermédio da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, já os reconheceu como perseguidos pela ditadura. Hoje, a comissão divulga seu relatório final, após dois anos e meio de investigações.

Pesquisas em fichas datiloscópicas e documentos relacionados a quem é sepultado como indigente ajudaram na identificação dos dois. O laudo de perícia, feito a partir dessas informações, atestaram que as duas digitais são dos dois ex-militantes políticos. No caso de Joel, ele era identificado no IML com a guia de número 206. Ele chegou a ser levado para o DOI-Codi do 1º Exército, na Tijuca.

Paulo Torres foi sepultado como indigente no cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador, em abril de 1969. Os restos mortais dos dois estudantes ainda precisam ser localizados.

A comissão ainda apresentou uma foto, de 1976, de uma ossada localizada num canteiro de obra no Centro do Rio. A empreiteira foi a mesma que fez a pista da reforma da Base Aérea de Santa Cruz, onde o militante Stuart Angel teria sido preso. Superposições da ossada com a foto de Angel apontam que se trata da mesma pessoa. Um laudo de uma universidade inglesa não excluiu essa possibilidade. Mas para se confirmar essa versão, é preciso localizar essa ossada e fazer exames complementares, como de DNA. "Há motivos suficientes para investigação mais detalhadas dos restos mortais", conclui um dos laudos periciais.

 

 

Advogado afirma que militares não repassaram documentos

Para integrante da Comissão, contribuição foi zero para investigação sobre mortes e tortura

 

 

Para a Comissão Nacional da Verdade, os militares não colaboraram com o trabalho do colegiado e não repassaram documentos produzidos na ditadura, que pudessem esclarecer violações cometidas naquele período. O advogado José Paulo Cavalcanti, integrante da comissão, afirmou ontem que os militares foram muito cordiais e acolhedores, mas, no essencial, a contribuição foi zero.

- Os militares contribuíram com a extrema cordialidade, com enorme profissionalismo e uma acolhida muito cordial. Mas, também é verdade, que, no que é fundamental, a contribuição foi zero. Fizemos demandas para investigação de pessoas torturadas e mortas. Mandamos listas de pessoas que poderiam ser ouvidas. Não foi ouvida uma sequer - disse Cavalcanti.

- Tem até cartão postal turístico, da Ilha das Flores. Pode isso? - disse o comissionado, numa referência a questionamentos feitos aos militares sobre as denúncias de que a Base Naval de Ilha Grande funcionou como centro de tortura. A localidade fica no litoral do Rio e é de visitação turística.

- Os militares dizem que tudo foi queimado. Então perguntamos. Onde foi? Quem deu a ordem para isso? - disse Cavalcanti.

O coordenador da comissão, Pedro Dallari, afirmou que documentos importantes foram destruídos.

- A sociedade deve pressionar quem está no poder para ter acesso a esses documentos. Não há qualquer indicativo dessa destruição que tanto falam. Somos céticos em relação a isso. Nunca apareceu quem viesse falar dessa destruição. É algo que realmente trouxe prejuízo para a investigação - disse Dallari.

Os militares listaram uma série de contribuições para a comissão, como atendimento há 64 pedidos e envio de dezenas de fichas de alteração, com dados de movimentação de militares.

 

Lula: 'eles cometeram uma burrice de me prender'

Ex-presidente revela à Comissão da Verdade relação com militares e prisão em 1980

Em depoimento de hora e meia para a Comissão Nacional da Verdade (CNV), em São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou a estratégia usada após a vitória eleitoral em 2003 para evitar a hostilidade dos quartéis ao novo governo: ele fez "a fila andar". Depois de consultar o general Oswaldo Muniz Oliva, pai de Aloizio Mercadante, Lula convenceu-se de que a escolha dos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica deveria respeitar o tradicional critério de antiguidade, ainda que não conhecesse os primeiros da fila.

- Ele (Oliva) me disse que um oficial ficava 45, 50 anos, esperando chegar a sua vez. Então, se adotar o critério da fila, não haverá problemas. Se escolher o primeiro, o segundo pode até não gostar, mas não vai reclamar. Só não fure a fila (das promoções). Escolhi o primeiro de cada Força e não me arrependo - disse.

O ex-presidente descreveu a sua prisão em 1980, no 17º dia de greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, como uma "grande burrice" do governo militar (João Figueiredo). Como as negociações por reposição salarial estavam estagnadas, o movimento começava a se desgastar e perder a força. Para Lula, a cadeia revigorou a paralisação, fazendo-a durar 30 dias. Ele admitiu que, nos 31 dias que passou preso, não sofreu maus tratos por parte da equipe liderada pelo delegado Romeu Tuma.

- Os militares cometeram a burrice de me prender, porque não tinha mais como continuar a greve. O que aconteceu quando eles me prenderam? Foi uma motivação a mais para a greve continuar, as mulheres fizeram uma passeata muito bonita em São Bernardo do Campo, depois foi aquele primeiro de maio histórico, em que foi o Vinícius de Moraes, e a greve durou mais quase 30 dias.

No dia da prisão, a caminho do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), onde ficaria detido, Lula teve medo de ser assassinado. A névoa daquele dia aumentava a tensão. O temor só acabou quando o então líder sindical ouviu no rádio do carro que o levava à delegacia, a notícia da sua prisão, que rapidamente havia sido comunicada pelo Frei Beto à imprensa. Na cadeia, Lula disse que chegou a fazer assembleias com os investigadores., aconselhados por ele a lutar por um salário mais digno em, vez de buscar outros meios de ganhar dinheiro.

 

STJ abre caminho para ações contra coronel Ustra

Grupo que foi torturado pede indenização por danos morais

André de Souza

 

Por três votos a dois, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um recurso do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, abrindo caminho para que ex-presos políticos possam ir à Justiça pedindo que o militar lhes pague indenização. Ustra foi comandante do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Internas) de setembro de 1970 a janeiro de 1974, durante a ditadura militar. Ele é acusado de ter torturado presos políticos levados ao local.

Em 2005, um grupo de cinco ex-presos políticos apresentou uma ação para que fosse declarada a ocorrência de danos morais contra o coronel. Todos foram vítimas de perseguições e tortura. Eles alegam que o próprio Ustra praticou atos de tortura contra os cinco: um casal, os dois filhos, que na época tinham quatro e cinco anos, além da irmã da mulher, que estava grávida de sete meses.

Na primeira instância da Justiça estadual paulista, a ação foi julgada procedente no caso dos três adultos. Ustra recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo, que negou o recurso. Assim, ele recorreu novamente, dessa vez ao STJ, argumentando que, em função da Lei de Anistia, de 1979, o processo deveria ser extinto.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, concordou com os argumentos da defesa do coronel, sendo acompanhada pelo ministro João Otávio Noronha. Mas outros três ministros discordaram: Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.