Se o adiamento do balanço financeiro da Petrobras por causa dos escândalos de corrupção já dificultava a captação de recursos no mercado internacional, os processos abertos por acionistas nos Estados Unidos tornam o cenário ainda mais complicado para a obtenção de crédito pela estatal, preveem analistas. Diante do quadro adverso, a empresa revisa todos os investimentos programados, inclusive os já contratados para 2015, segundo uma fonte do governo. O Plano de Negócios 2014/18 prevê investimentos médios de US$ 44 bilhões por ano e, para financiar esses projetos, a empresa planejava captar US$ 12,1 bilhões no exterior em 2015. Agora, isso será mais difícil, já que advogados preveem outros processos, aqui e nos EUA.

A empresa é alvo de duas ações coletivas em Nova York por danos a acionistas: a primeira teve início na segunda-feira, e a segunda, ontem. De acordo com André Almeida, sócio-fundador do Almeida Advogados, escritório brasileiro que colabora com o americano Wolf Popper, autor da primeira ação, fundos brasileiros estão entre os investidores que foram aos tribunais dos EUA. A Rosen Law Firm, que abriu a segunda ação, alega que a estatal falhou em expor a corrupção interna, "incluindo um esquema multibilionário de propina e lavagem de dinheiro", além de ter superfaturado equipamentos e propriedades em suas demonstrações contábeis. No Brasil, o escritório Villela & Kraemer Advogados pretende entrar com ação para reparação de danos por ato ilícito na próxima semana.

Ajuste tem de ser agressivo, diz especialista

A disputa nos tribunais afetará a já abalada credibilidade da empresa, que só divulgará seu balanço financeiro do terceiro trimestre na sexta-feira, um mês após o previsto, e, mesmo assim, sem o aval da auditoria independente PricewaterhouseCoopers. As dificuldades levaram a estatal a analisar seus investimentos caso a caso para ver o que será cortado.

- O tamanho do corte não está definido, e qualquer valor é especulação. Mas há uma atitude nesse sentido - disse uma fonte do governo.

O pente-fino nos contratos ocorre também porque diversos fornecedores da estatal enfrentam dificuldade para realizar novos investimentos, como a SBM Offshore, que é investigada por autoridades internacionais por suspeita de pagamento de propina. Segundo fonte do setor, fornecedores da estatal citados na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, como Iesa e Sanko Sider, reavaliam sua atuação:

- Não há como não ver desaceleração.

Hoje, o plano de negócios da Petrobras prevê investimentos de US$ 220,6 bilhões de 2014 a 2018. Segundo o último balanço do Departamento de Estatais do Ministério do Planejamento, os investimentos deste ano do grupo já caíram em relação a 2013. Até outubro, foram R$ 65,56 bilhões, frente a R$ 73,90 bilhões em igual período do ano passado.

A redução no ritmo de investimentos da Petrobras tem impactos gerais na economia. Segundo o pesquisador Carlos Campos, do Ipea, desde 2011 os investimentos da estatal cresciam acima do Produto Interno Bruto, saindo de 1,72% para 2,05% em 2013. Neste ano, mantendo-se o resultado apresentado até outubro, o indicador deve recuar.

- Há um rebatimento forte dos investimentos da Petrobras sobre vários setores da indústria brasileira, que já vêm se ressentindo muito. Você traz agora esse agravante, porque as encomendas da Petrobras são muito expressivas para o setor industrial.

O advogado e professor da Fundação Dom Cabral Cláudio Pinho destacou que a Petrobras terá de revisar seu programa de investimentos para conseguir recuperar sua credibilidade no mercado. A estatal, diz, tem um elevado volume de ativos, principalmente em reservas de petróleo, que podem ser usados para obter financiamento:

- A Petrobras terá que fazer uma grande revisão nos investimentos no primeiro trimestre. O ajuste terá que ser agressivo e transparente para voltar a ganhar credibilidade. Esse é o grande desafio.

Na opinião de Haroldo Lima, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, a cotação do barril do óleo entre US$ 65 e US$ 70 fará a Petrobras focar seus investimentos em projetos de maior rentabilidade, como o pré-sal.

- A estatal vai ponderar os investimentos de menor alcance, pois terá que concentrar seus esforços no pré-sal, que continuam viáveis com a atual cotação do barril do petróleo.

A estatal baseou seus investimentos entre 2014 e 2018 em uma cotação de US$ 100 por barril até 2017. Mas ontem o barril fechou a US$ 66,78.

Para o advogado Modesto Carvalhosa, do Carvalhosa & Eizirik Advogados, a ação nos EUA deve dificultar o acesso a financiamento no exterior e levar a uma antecipação de dívidas:

- A conta vai ser brutal. A Petrobras deve perder recomendações de investimento. Quem vai condená-la são as instituições americanas.

Nos tribunais, a busca por indenização devido à corrupção pode envolver centenas de acionistas.

- Dez fundos de investimento já fazem parte da ação coletiva, a maioria brasileiros, mas também americanos. A cada minuto aumenta a procura de clientes. A tendência é que centenas de fundos participem - afirmou o advogado Almeida.

O nome dos fundos não é revelado por um acordo de confidencialidade. Todos os investidores que compraram ADRs de 20 de maio de 2010 a 21 de novembro de 2014 podem aderir à ação até 6 de fevereiro. Mesmo que não entrem na ação, todos os detentores desses papéis serão beneficiados em caso de decisão positiva ou de acordo.

Ainda segundo Almeida, a Petrobras é a primeira empresa brasileira alvo de ação coletiva nos EUA. Os processos enfrentados por Sadia e Aracruz foram no âmbito do órgão regulador do mercado americano e não na Justiça. A ação busca indenização pelos prejuízos com a desvalorização dos ADRs e danos punitivos, conforme lei americana.

Sócio-fundador do Villela & Kraemer Advogados, Gustavo Villela afirma que tem procuração de um acionista da Petrobras e interesse de outros para entrar, na próxima semana, com ação de reparação de danos no Brasil. Aqui, a ação é limitada a dez autores. E a União também deve ser ré:

- Já há um manancial de provas mostrando que diretores e conselheiros deram motivo para uma queda vertiginosa das ações da Petrobras. Mais do que o valor das ações, houve uma perda patrimonial dos acionistas.

odebrecht é citada em ação nos eua

Fora das denúncias de corrupção nos contratos de obras da Petrobras já publicadas no âmbito da Lava-Jato, a Odebrecht foi a única empreiteira citada na ação movida pelo Wolf Popper contra a estatal. O escritório diz que executivos da estatal inflaram o valor de contratos de construção com o "único propósito de receber propinas de empresas como a Odebrecht e a SMB Offshore, que foram recompensadas com contratos ilegais".

Procurada, a Odebrecht afirmou em nota que todos os contratos com a Petrobras foram conquistados de acordo com a lei de licitações, que "tem todo o interesse em que a verdade seja apurada com rigor" e que está "à disposição das autoridades".

Já a Petrobras informou ter recebido ontem a citação relativa à primeira ação coletiva nos EUA. Em nota, disse que realizará sua defesa através de escritório de advocacia americano especializado e reiterou estar colaborando com as investigações conduzidas pelas autoridades públicas.